Blood Curse

Paredes de Jornais


Ele apertou o pulso da garota e a puxou para fora da sala, desviando habilidosamente das pessoas e objetos que estavam em seu caminho. A hora do almoço e o cheiro delicioso de carne assada vindo do refeitório atrás das grandes escadas gêmeas fizeram a barriga da menina despertar. Ele não pareceu ouvir, felizmente. Talvez a audição dos licantropes não fosse tão boa quanto a vampiresca.

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Ele seguiu pelos corredores repletos de armários. Rain viu as portas de ferro brancas da enfermaria e afastou lembranças desagradáveis da mente. Olhou novamente para ele. O vento balançava os cabelos castanhos de Kentin graciosamente. Ele a olhou de soslaio e a garota sentiu suas maças do rosto queimarem. Rain encarou seus pés. Ela estava sendo conduzida em uma velocidade que não costumava andar e precisava tomar cuidado para não tropeçar em seus próprios pés.

Depois de muito andarem em linha reta, chegaram até uma pequena porta de madeira desgastada. Kentin retirou uma pequena chave do bolso direito, abaixou-se levemente e abriu a porta sem muita dificuldade. Por trás dela, uma saleta de chão e paredes cimentados levavam a um outro andar através de uma escada de madeira simples.

Ele subiu primeiro e a ajudou a passar pelo alçapão. Rain se impressionou com o que seus olhos descobriram. Havia três paredes, em um formato oval, todas cobertas por jornais. O chão e o teto eram cinzentos, e milhões de pequenos buracos faziam com que a luz do sol atravessasse, iluminando o local. A quarta parede, que não existia, dava uma visão deslumbrante das copas das árvores da floresta existente atrás da Sweet Amoris.

Havia dezenas de caixas empilhadas nos cantos. Dois banquinhos de madeira brancos estavam no centro do local. A sombra de um lobisomem uivando para uma lua estava pintado na parede de trás, por cima dos jornais, em cor cinza. Ele a conduziu gentilmente até um dos bancos. Eles sentaram lado a lado e o garoto a encarou. Os olhos verdes degustavam lenta e saborosamente os azuis. Ela corou e desviou o olhar. Um silêncio se formou.

– ... Sinto muito. – murmurou ela baixinho.

Os olhos do garoto se arregalaram levemente.

– Sinto muito por ter gritado com você. – disse ela, rapidamente, embolando umas palavras nas outras.

Ele soltou o ar que não sabia que estava prendendo e suspirou aliviado.

– Me desculpe também. Você estava nervosa... Não devia ter elevado meu tom de voz também. Mas sabe... Isso de se exaltar... É uma característica dos licantropes. Somos todos pavios curtos. – ele sorria.

– Eu simplesmente não esperava te encontrar aqui. Dentre todas as pessoas que eu conhecia antes de vir para essa escola, eu esperava encontrar em você o pilar que me ligaria ao mundo real.

Ele riu abafado por um mero segundo.

Esse é o mundo real, Rain. – ele se inclinou em direção a ela.

Ela suspirou.

– Não para mim. O meu mundo real é você e eu, no meu quarto, lendo mangás até não sei que horas da madrugada, mesmo que tivéssemos aula no dia seguinte. Acabaríamos dormindo na minha cama, e minha mãe iria até lá nos embrulhar. Como sempre.

– ...Rain...

– Não precisa me dar sermão, sério Ken. Já ouvi demais sobre ter que aceitar tudo isso desde que cheguei aqui. Confesso que mesmo estando por fora de tudo, eu já estou meio acostumada. – sorriu fraco.

Ele soltou uma gargalhada.

– Não, morena. Eu só ia dizer que sinto muita falta disso. E que por mim eu nunca teria deixado você. Mas sabe... Existe realmente males que vêm para o bem.

– Como assim?

– Eu mudei. Mudei muito. E gostei de mudar. Agora, eu não preciso mais ser protegido por você. Eu que te protegerei.

Ela sorriu.

– E isso de ter superpoderes é realmente muito legal! – completou ele. – Lembra que, quando líamos aquelas histórias de heróis, nós escolhemos que poderes queríamos? Eu queria ser forte e mais rápido. E eu consigo isso quando estou transformado! – ele falava de uma forma encantadoramente animada.

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– E você também queria ser mais alto do que eu.

– Não tem nada de super nisso.

– Mas você conseguiu.

– E agora posso te chamar de baixinha. – ele mexeu afetuosamente no cabelo da garota.

Ela riu, mas logo o silêncio tomou conta do lugar novamente.

– Há quanto tempo você sabia?

– De que?

– Que você... Bem, você sabe.

– Que eu uivo para a lua cheia?

Ela afirmou com a cabeça.

– Eu não uivo para a lua, Rain. – ele riu – Bom, acho que eu tinha treze anos quando aconteceu minha primeira transformação.

– Treze?

– É, eu sei que você lembrou daquilo. Foi naquela noite mesmo. Sabia que você lembraria.

– Bom, não é sempre que o nerd da turma dá uma surra nos valentões da escola, convenhamos.

Ele sorriu sem graça.

– Eu estava meio cabeça quente naquele dia. Descobri horas mais tarde que era por conta da primeira transformação.

– E como foi?

– Resumindo... Dolorido. Não é sempre que todos os ossos do seu corpo são quebrados e moldados em algo que não tem nada a ver com seu corpo original.

Ela sorriu amarelo e ele mexeu mais uma vez nos fios da garota.

– Não faz essa cara. Eu já me acostumei, viu morena?

Ela retirou a mão dele levemente de sua cabeça e a repousou em seu colo, mantendo-a entre a palma de suas mãos. Um vento forte soprou as copas das árvores, chamando a atenção de Rain. Ela passou a olhar bobamente para as arvores balançando, de um lado para o outro, como se fossem ser arrancadas de suas raízes. A garota despertou de seu devaneio graças ao estranho barulho vindo da respiração irregular do garoto ao seu lado.

– O que foi? – ela indagou.

– N-Nada. – ele retirou rapidamente a sua mão.

– Hm...

– Não pense em ir ali. – ele apontou para a floresta.

– Eu não- Por que?

– A diretora disse que há algo naquela floresta. Ela os chama de Estaladores. Ninguém sabe se é verdade, ou se é apenas uma história para crianças dormir para nós alunos não tentarmos fugir, mas se alguém já ousou atravessar o muro, não voltou vivo para contestar. Enfim, nós preferimos não arriscar nossa vida apenas para confirmar se é verdade ou não.

Ela suspirou.

– Bem, nós não podemos conversar sobre outra coisa? Estou querendo fugir desse mundo um pouquinho.

Ele sorriu.

– Só mais uma coisa, Rain. Como você sabe, hoje é meu aniversário. Completo dezesseis anos. Dezesseis é a idade na qual os seres assumem controle de seu poder total. Nós, licantropes, participamos de um ritual onde somos integrados na Caninus Lupus.

Rain franziu o cenho.

– A Caninus Lupus é uma organização de proteção para com os licantropes. O ritual acontecerá hoje à noite. Queria que você fosse.

– Ossos serão quebrados?

Dessa vez, Kentin franziu o cenho.

– Erh... Não?

– Então eu vou. Estou realmente curiosa! E... Feliz aniversário, meu pequeno.

Ele sorriu ternamente.

– Obrigado, morena.

*

– E então?

– Ele confirmou que já deu início ao plano.

*suspiro*

– Finalmente. Isso não pode falhar! Já esperei tempo demais!

– Dessa vez nós conseguiremos, minha dama. Quando a garota completar dezesseis anos...

– ...Este mundo podre finalmente irá conhecer o desespero.