O Herói do Mundo Ninja

Omake: A Dama que personifica a morte - parte 2


Tudo acontecia na mesmice de sempre. Os céus da Vila Oculta da Chuva derramavam incessantes e melancólicas lágrimas, uma brisa gelada circundava o ambiente rústico e montanhoso de Nagare, a neve ainda jazia no solo e, pouco a pouco, diluía-se e ia embora — arrastada pelas águas pluviais.

Uma figura humana perambulava, moribunda, a tropeços fracos: Beni Makagawa — oito anos de idade, órfã, única representação existente do clã amaldiçoado da Chuva, fraca, aterrorizada, faminta.

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As pernas infantis não foram capazes de sustentá-la por mais tempo. A menina tombou sobre o solo nevado. Os lábios finos e rosados premiam os flocos brancos e frios no chão num estupor que ultrapassava os limites da melancolia. Ela não encontrava a forças para se levantar, não encontrava. Os olhos estavam vermelhos devido às excessivas crises de choro, mas Beni sabia: ela não choraria mais; não lhe restava força alguma para o tal.

Na cabeça dela, as cenas de horas atrás se repetiam; não a abandonavam jamais. Chuva e neve juntas, o pai morrendo sobre seus ombros, as facas cravadas nas costas dele, a invasão a casa, os gritos de dor da mãe quando os invasores lhe arrancavam o braço, as chamas que devoravam o casebre em segundos, os últimos instantes com a irmã, Sasha, que ela tanto amava, escuridão e, por fim, aniquilação completa de tudo que circundava o humilde lar dos Makagawa; apenas ela, Beni, sobrevivera.

“Por que eu... por que eu não morro de uma vez?” pensava a menina enquanto cerrava os pequenos punhos, mumificados em ataduras, sobre a neve.

“É tudo o que eu quero agora... eu só quero morrer, só isso. Mamãe, papai, Sasha-neesan. Eu estou com saudades... sinto tanta... saudade”. A voz engasgada e sôfrega da menina era quase inaudível.

Permaneceu deitada sobre a neve. Além de assustada, Beni sentia outra coisa além de medo e amargura: ódio. Ódio contra os assassinos de sua família, ódio Nagare e seus habitantes.

E tal sentimento de ódio que lhe deu razões para viver; razões para desejar a vingança.

A descida era íngreme e difícil. Beni havia dado a volta no cume do monte, evitando descer e chegar ao vilarejo cujos habitantes desejavam-na morta. Foram necessárias várias horas até ela chegar ao oeste montanhoso. As pedras afiadas no caminho, a neve esvoaçante no ar... e a chuva, a tão costumeira chuva, lhe complicavam ainda mais a trilha decrescente.

Já no pé do monte, depois de virar a noite descendo-o, Beni avistou algo com o qual nunca se deparara antes: civilização. As casas, muito mais bonitas e decoradas que a que ela possuía, eram grandes e certamente confortáveis e quentes.

A menina sentia o estômago roncar. Sua última refeição fora antes do incidente que tragara a vida de sua família. E para aumentar o apetite dela, Beni sentia o cheiro de comida ao longe. Cambaleando, ela se dirigiu à casa mais próxima e bateu na porta.

Um homem de cabelos ralos e ruivos abriu a porta. Os olhos estavam guarnecidos por óculos grandes e velhos, a roupas alargadas devido à barriga dele. O dono da casa encarou a menina moribunda com uma expressão clara de nojo.

— O que deseja? — ele questionou com a voz rouca.

— Eu... — A voz de Beni era grave e tão baixa, que mal poderia ser ouvida.

— Não sabe falar, é?

— Eu estou com fome — ela disse em um tom mais alto.

— E isso é problema meu, criança de rua? Vá mendigar em outro lugar, não na minha porta! — Ele bateu a porta com antes que Beni abrisse a boca mais uma vez.

Quando se dirigia à casa ao lado, Beni viu pela janela o mesmo homem que a destratara jogar um bocado de pão para um cachorro bem cuidado. O animal parecia feliz com a refeição matutina.

Na próxima casa, Beni foi igualmente destratada, desta vez por uma mulher de cabelos desgrenhados. Esta ameaçou expulsar-lhe à pedradas, caso a menina não deixasse sua limpa calçada de imediato.

O processo de indiferença se repetiu por todas as casas que Beni visitou. Não havia compaixão naquele lugar.

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Ela estava agachada debaixo de uma árvore, quieta. Desistira de conseguir comida com aquelas pessoas.

— Ei, olha lá! — Um garoto, mais velho e maior do que Beni, ao longe, apontava para a garota enquanto conversava com um amigo. — Será que é ela?

— Não sei — o outro respondeu, descaradamente atemorizado. Beni estava imunda; dava-lhe medo. — Meu pai me contou que os homens que foram caçar aquele clã foram aniquilados e uma integrante da família daqueles bichos fugiu...

Beni ergueu os olhos ao ouvir a palavra “bichos”.

— ... uma garota pequena, como essa aí — o menino continuou. — Mas não quero chegar perto para descobrir.

— Seu covarde! — o primeiro esnobou. — Olha só pra ela! Tá mais morta do que viva!

— Eu não acho uma boa ideia, Niko. E se ela realmente for... — o garoto suspirou em tensão. — Sabe, uma Makagawa?

— Daí a entregamos e os adultos darão um fim a ela. Seremos heróis reconhecidos por toda a vila! Imagine o Hanzou-sama em pessoa nos parabenizando! — Niko tinha um brilho de grandeza excessiva nos olhos.

— T-Tem razão, Niko! Vamos pegá-la!

Os dois tomaram pedaços de pau e pedras e se aproximaram da garota. Beni, imóvel, os olhava sem piscar. Os garotos eram grandes demais para ela, fortes demais. Algo lhe dizia para desenrolar as ataduras nos braços.

— Não! — Beni pensou alto demais, negando o impulso de liberar seus poderes misteriosos.

— Hã? — Niko arqueou a sobrancelha.

— Niko, ela sabe falar! Ei, Niko!

Imprudentemente, o garoto cutucou a cabeça de Beni com o pedaço de madeira, provocando-a.

— Ei, bicho, você sabe mesmo falar?

— Niko, pare de falar com essa coisa! Ela pode te matar.

— Ei, bicho! — Niko a cutucou na cabeça com mais força. — Eu... — A força se intensificava a cada golpe. — perguntei... se... você... sabe... falar...

O último golpe foi aparado pela garota, que segurou a outra extremidade da madeira. Os olhos negros de Beni fitavam com desprezo os de Niko.

— Eu não sou um bicho... sou uma garota. E sei falar.

— Ah! Corre! — Niko gritou, tomou o braço do companheiro e fugiu às pressas. — É ela! É ela mesma!

Beni suspirou. Graças àquela dupla, ela deveria fugir o quanto antes.

O céu se escurecia quando Beni caiu ajoelhada em frente a uma enorme porta de um casarão afastado da cidade. Era feio e sujo, além de antigo. Ou os ouvidos da menina a enganavam, ou ela podia jurar ter escutado risinhos vindos do interior daquele lugar estranho.

Reuniu forças e bateu na porta. Tardou para que ela fosse aberta, mas quando o foi, uma garota, de aproximados catorze anos, apareceu. Era linda. De cabelos negros e longos, olhos pretos e piedosos, lábios finos e rosados. Usava vestes surradas e velhas, como as de uma serviçal antiga.

Ao ver Beni prostrada sobre o piso velho à entrada, a jovem se abaixou de imediato, envolvendo a garota num abraço confortador.

— Ei, você está bem? — perguntou. — Entre, nós... — hesitou por instantes. — Eu vou cuidar de você.

Sem demonstrar qualquer resistência, Beni se deixou levar pela desconhecida.

Um prostíbulo.

O ambiente, assim como por fora, era feio por dentro. As paredes descascavam, algumas apresentavam mofo.

A jovem que acompanhava Beni olhava para os lados cautelosamente e apertava o passo, como se não desejasse ser vista por ninguém. Infelizmente, o plano foi malsucedido.

— Ei, vadia! Você me deve uma noite, se lembra? — O mesmo homem que negara a Beni um bocado de pão, preferido dá-lo a um cachorro, estava ali sentado. Pareceu não reconhecê-la. — Vai me fazer esperar até quando? Eu paguei por você, sua imunda.

A jovem suspirou e estremeceu. Beni, que trazia o corpo colado ao da garota, percebeu também. Aquilo parecia incomodar a jovem misteriosa, a Makagawa sabia.

— Desculpe-me, Torime-sama. Eu realmente não pos...

A garota não pôde continuar; levou uma bofetada no rosto.

— Você não ia dizer que hoje não teria tempo para mim, ia? — rosnava Torime vagarosamente. Só então ele reparou que a jovem não estava sozinha. — Ah, e quem é essa? Uma novata? Não. Eu me lembro dessa garota! Essa mendiga ficou rastejando na minha porta hoje de manhã. Tive de acordar cedo graças as batidas desse traste que você traz com você!

Beni engoliu aquelas palavras com desgosto. Era isso que seu pai queria dizer com “bichos malvados viviam lá embaixo, fora das montanhas”, pensava. Com exceção daquela figura misteriosa que a acolhera, todas as pessoas do vilarejo a haviam desprezado.

— Torime-sama, por favor. Ela é só uma garotinha...

— Que se dane! — cuspiu as palavras. — Eu não paguei para que minha cadela ladrasse em outro lugar.

Agora fora Beni quem suspirara. Os olhinhos infantis estavam fixados no homem chamado Torime, que continuava a gritar com a outra jovem. Neste meio-tempo, Beni levava um dos dedos às extremidades de suas ataduras, prestes a removê-las.

Mas não precisou fazer nada.

— O que está acontecendo aqui, afinal? — Um homem alto, trajando um kimono verde-escuro elegante, surgiu detrás de uma porta.

— Boku, sua vadia não quer fazer o programa! Exijo meu dinheiro de volta imediatamente! — gritou Torime.

Boku, o dono do bordel, variou o olhar, ora para Torime, ora para a garota, até que, reparando que esta não estava sozinha, mas sim acompanhada de Beni, resolveu falar.

— Acalme-se, Torime. Tenho outras, se preferir.

— Não! Esta é a única menor de idade que você tem — Torime apontou para a garota ao lado de Beni. — Ela é uma preciosidade aqui. Todos querem dormir com ela.

Boku suspirou, mantendo o sorriso pervertido.

— Torime, eu lhe darei outra garota sem qualquer custo adicional. Se eu fosse você, aceitaria de bom grado. Não vai querer que eu, bem, seja indelicado, não é mesmo? — disse, acenando para que dois guardas, ambos fortes e de altura elevada, se aproximasse.

— N-Não... — gemeu Torime. — É claro que não.

— Ótimo. Tenha uma boa noite, Torime. — Boku deu as costas para o cliente e ordenou para que as garotas o seguissem.

Beni estava temerosa, muito temerosa, mas a outra jovem a acalentou com um sorriso gentil.

— Relaxe. Vai ficar tudo bem. — prometeu.

Era possível notar a estúpida diferença entre a boa manutenção do escritório de Boku do resto do estabelecimento. Comparado ao resto do bordel, a sala que Boku levara as garotas era digna de um homem riquíssimo.

— Quem é essa, Usui? — perguntou Boku à garota enquanto encarava Beni.

— Eu a encontrei agora à noite na porta, Boku-sama. Eu achei que...

— Você achou o quê? — pressionou Boku. Usui nada respondeu. — Responda-me, Usui!

— E-Eu pensei em cuidar dela... Veja! Ela parece estar com fome, com sede e cansada, Boku-sama.

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O homem premia os dedos periodicamente sobre a mesa, produzindo um barulho desagradável.

— E como pretende cuidar dela? Ignorando os homens que pagam para transar com você? Que piada. — desdenhou Boku. Usui corou desagradavelmente.

— Se essa garota quer sobreviver aqui, terá que trabalhar também. Tenho muitos clientes que pagariam uma fortuna por ela. — Boku olhava para Beni com desejo maligno. — Diga-me criança: quantos anos você tem? Dez? Nove?

— O-Oito... — Beni sussurrou baixinho.

— Não escutei. Repita, querida.

— T-Tenho oito anos.

Usui olhava Beni com amargura. Oito anos de idade, meros oito anos. Não, aquela definitivamente não era a vida para uma menina. Uma garota de programa? Nunca. Usui se apegara à Beni, não a deixaria passar a mesma coisa que ela passou.

— Boku-sama. — O olhar de Usui era determinado. — Permita-me cuidar dela. Permita-me dar-lhe algo melhor que essa... dar-lhe um lar. Eu prometo que o senhor não perderá lucro algum.

— Há! Que ridículo! Agora que tenho outra menor de idade, acha que não a colocarei junto com as outras? Não sonhe, Usui!

— E-Eu prometo... eu vou... trabalhar... dobrado para que o senhor não saia perdendo nada... — A voz de Usui vacilou por um instante. — Mas, por favor, não permita que essa garota passe por essa vida também.

— “Essa vida”? Ora, sua ingrata desgraçada! Quem foi que a salvou, lhe deu um trabalho quando você estava rastejando igual a um verme perto das fronteiras do País do Fogo? Eu! Fui eu, Usui! Se abrir a boca para falar qualquer coisa contra minha bondade, vou usar aquilo em você outra vez. Eu fui claro?

Usui não respondeu, apenas abraçou o corpo com as duas mãos, como se estivesse se protegendo de algo.

— Ótimo. Levarei isso como um sim. Agora vá para os seus aposentos e leve essa garota com você — ordenou Boku.

— O-Obrigado, Boku-sama.

Beni não agradeceu. Os olhos dela pareciam fuzilar Boku.

— Você vai dormir aqui, amiguinha! — Usui sorria enquanto mostrava uma saleta pequena e fedida. — Aqui, junto comigo. Pode ficar com a cama, se quiser. Eu durmo no chão. A propósito, não fomos apresentadas, certo?

Beni acenou positivamente com a cabeça. Olhando para o lugar com desconfiança.

— Eu sou Usui. Muito prazer! E você quem é?

— Beni. Beni Makagawa — respondeu timidamente.

— Beni, é? Um nome lindo, sabia? Significa “vermelho”. Onde eu morava tinha uma pessoa muito gentil, cujo nome significava “vermelho” também. Kurenai Yuuhi, uma Kunoichi muito simpática.

— Você não tem medo? — Beni perguntou, fazendo Usui arquear a sobrancelha.

— Medo? De quê?

— De mim. Sou uma Makagawa.

— E do que eu exatamente deveria ter medo com essa informação, Beni?

— Minha linhagem sanguínea. Todos odeiam o meu clã por causa dela. Eles... — os olhos de Beni estavam marejados. — Eles mataram todos eles... todos. Não sobrou ninguém além de mim.

Usui sentia compaixão por Beni, uma criança que, desde a tenra idade, já testemunhara a maldade do mundo de uma forma absurda. Usui pôs os braços sobre os ombros da outra, olhando-a com carinho.

— Meu clã também foi destruído. Também tenho uma Kekkei Genkai, mas diferente da sua, que é nos braços, acertei? A minha é visual; um Doujutsu, como a chamam. Foi recém-despertada, portanto, não é muito forte.

— Usui-san... quem você...

Usui não deixou que Beni continuasse a pergunta, pondo-lhe o dedo indicador sobre os lábios.

— Não fui completamente sincera com você, Beni — suspirou Usui, como se estivesse se vendo obrigada a contar sua própria história. — Meu nome é Usui Uchiha.

— Uchiha?

— Sim. Eu morava na Vila Oculta da Folha. Há alguns meses o garoto que eu amava, Shisui-san, desapareceu. Eu o procurei por toda parte, mas não o encontrei. Quando, finalmente, vi o melhor amigo de Shisui, Itachi-san, este me disse que não sabia que havia Shisui morrido. Era mentira, eu podia ver nos olhos dele. Itachi-san e Shisui-san eram muito próximos.

— E esse Itachi... foi ele quem matou seu amado?

— Não sei dizer, Beni. Mesmo sabendo que o Itachi-san mentira para mim, eu podia ver a dor nos olhos dele. Foi como se... foi como se ele... — Usui enxugou os olhos; nem vira as lágrimas escorrerem. — O Itachi-san sempre foi um Shinobi genial, mas ele também sempre foi educado e gentil. Ele não pode, ele não pôde... ter feito... tudo aquilo...

— Usui-san, o que houve? Não precisa me contar mais do que queira. — Sem perceber, Beni se via compadecia por Usui, afinal, era uma pessoa que além de se importar com ela, a compreendia; passaram por experiências teoricamente familiares.

— Shisui foi dado morto, mas me recusei a acreditar nisso. Olhe, Beni, eu não sou ninja, nunca fui, mas decidi ir atrás dele, eu o amava...

— O que aconteceu depois?

— Eu deixei a Vila. Me afastei tanto ao ponto de estar prestes a cruzar a Divisa entre o País do Fogo e da Chuva; eu não tinha muita noção de geografia, sabe. — Usui riu desgraçadamente.

— E então aquele Boku te encontrou, certo?

— Você é uma menina muito inteligente para a sua idade, Beni.

— E você tem trabalhado para ele se misturando com... homens como aquele de hoje? Isso é horrível!

— Não tenho como me livrar desta sina, Beni. Eu simplesmente estou presa ao Boku-sama e a este lugar.

— E sua vila?

— Não se lembra? Meu clã também foi destruído. Meus pais, amigos... todos mortos — Usui sussurrou tristemente. — E o Itachi-san foi o culpado. Ele matou todos, é o que dizem.

E por instinto pôs-se a abraçar Beni, que ficou vários minutos sem saber como reagir. Uma pessoa que ela mal acabara de conhecer estava lhe abraçando e chorando sobre seus ombros. A Makagawa hesitou, mas, por fim, cedeu e retribuiu o abraço. Permaneceram assim, juntas, por um longo tempo.

— E você, Beni? Fale-me sobre você — pediu Usui.

— Eu... eu acho que...

Beni se interrompeu pelo olhar inexpressivo de Usui. Ela parecia analisá-la, como se pudesse ver dentro de sua alma. Era como Sasha fazia quando as duas irmãs conversavam.

— Tudo bem. É justo — cedeu Beni, por fim.

Ao final da história, Beni soltou um profundo suspiro de amargura. Precisava desabafar, extravazar tudo o que sentia desde o assassinato da família até o presente momento, e Usui era uma excelente ouvinte. Quando a Makagawa terminou de falar, Usui estendeu o braço, usando as costas da mão para acariciar a bochecha direita de Beni.

— Você é uma boa pessoa, Beni. Eu vejo isso em você. Somos mais parecidas do que eu imaginava.

— E isso é bom ou ruim? — A garota fazia uma careta de incompreensão.

— Para mim é bom, para você não? Olhe. Eu talvez esteja me intrometendo na sua vida mais do que deveria, mas... — Usui relaxou os ombros. — Você gostaria de ser a minha irmã mais nova?

Aquele pedido pegou Beni de surpresa. Irmã? Acaso aquela garota queria tomar o lugar de Sasha? De alguém de sua família? Beni não sabia responder, mas confessava que se sentia realmente na presença de Sasha, como se a ela estivesse ainda viva e ali, bem ao seu lado. Era algo que a Makagawa não sabia explicar.

— Eu não... sei. Eu não sei o que dizer, Usui-san.

— Tudo bem, eu te entendo, Beni. De verdade. Mas quero que saiba que eu não vou lhe fazer mal algum. Mesmo que não me considere nada, eu a vejo como uma família, como se tudo o que eu perdi na Folha estivesse aqui, agora, diante dos meus olhos. Estou disposta a fazer o que for preciso para que você não seja tocada por ninguém aqui. Ninguém.

Uma batida na porta assustou as duas garotas. Um homenzarrão trazia uma tigela funda com sopa.

— Aqui, Usui. O jantar está servido. — A voz sarcástica do homem causava nojo em Beni.

— Obrigada, Komaki-senpai, pela gentileza. — O sorriso da Uchiha era sincero.

— Tsc. Você é a prostituta mais estúpida que já conheci, Usui. Aprenda a entender as coisas! — E bateu a porta ao sair.

Usui se voltou para Beni, que fixava os olhos na outra.

— Tome. Coma.

— M-Mas e você, Usui-san?

— Perdi o apetite, sabe — mentiu. — Acho que vou me deitar. Amanhã será um longo dia para mim.

Aquelas palavras traziam um pouco de tristeza, Beni notara. Aceitando a tigela de sopa, mas não jantando de imediato, Beni perguntou:

— Por que você não foge, Usui-san, para longe daqui? Você parece forte. Deve ser capaz de...

— Beni.

— Hum?

— Eu já tentei. Por duas vezes, mas falhei. — Usui se levantou e, caminhando na direção da garota, retirou a parte superior das vestes, deixando parte do abdômen e das costas à mostra. — Não sou capaz de vencer o Boku-sama.

Beni estremeceu diante da visão que tinha. Na pele clara de Usui havia algo semelhante à marcas de queimadura lineares, que subiam desde a barriga até por dentro das vestes da Uchiha. Nas costas dela as marcas também estavam presentes. Eram horríveis.

— Katon: Tenrou (Elemento Fogo: Prisão Celestial) — explicou Usui. — Eu me lembro que quando tentei fugir pela primeira vez, Boku me espancou, mas não fez mais nada. Na segunda, ele usou isso em mim. É um Fuuinjutsu com base no elemento fogo e impede que a vítima molde chakra. Resumindo, meu Doujutsu não pode ser ativado, nem nenhuma das poucas técnicas que conheço. Toda vez que tento moldar chakra, essas marcas surgem no meu corpo e me queimam. O que você vê é apenas um resquício do Fuuinjutsu. Geralmente, estas marcas não aparecem, mas eu precisei mostrá-las a você. Não, Beni, você não vai querer ser receber essa coleira que o Boku-sama põe sobre aqueles que o desobedecem. Você não vai querer que eles... aqueles homens... — Usui parecia tremer. A expressão no rosto dela era de puro terror. — Não, definitivamente não.

— Eles fizeram mal a você, não foi, Usui-san? Eles... — A garota dizia com desprezo.

— Não pense nisso, Beni. Por favor, deixa pra lá.

— Mas, mas eles...

— Escute: não há nada que você possa fazer por mim, mas há o que eu possa fazer por você, e eu o farei, que é te proteger do Boku-sama e dos outros. Enquanto eles tiverem a mim, não tocarão em você. Você tem a minha palavra de que...

— Usui-san — chamou Beni, interrompendo Usui. — Um dia, eu prometo, vou te tirar daqui. Não consegui salvar minha primeira irmã, Sasha-neesan, mas salvarei minha segunda, que é você, Usui-san.

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— Beni...

— Eu, sozinha, não posso ir a lugar algum, bem como você, mas juntas poderemos conseguir.

— Você é tão gentil, Beni. Se importa com os outros. — Usui se viu na obrigação de sorrir para a menina. —Está bem. Um dia sairemos daqui, juntas. Tudo bem, irmãzinha?

— Tudo bem, Usui-san.

* * *

— Você acha mesmo? Aquela garotinha que a Usui arrumou tem bastante potencial, não acha? — Boku se dirigiu a um dos guardas, buscando interagir.

— Sim, Boku-sama. — Komaki, o guarda em questão, confirmou com a cabeça. — Ela será uma garota muito bonita daqui a alguns anos.

— Mas não posso me dar ao luxo de perder meu estabelecimento por ter garotas menores de idade como prostitutas. Se o pessoal do Hanzou-sama descobrir... Não, eu não quero enfrentar Hanzou de Salamandra. Definitivamente está fora dos meus planos.

— Senhor, com todo respeito, e aquele pirralho da Areia que trabalha ilegalmente para nós? Ele não tem feito um bom trabalho ao se livrar dos homens de Hanzou?

— Sim, ele é excepcional para um simples Gennin. Quantos anos ele tem mesmo? Ah, dez anos! Imagine, Komaki, um ninja do nível dele com apenas dez anos! E além de ser um ótimo combatente, é um excelente espião. O Yondaime Kazekage sequer desconfia de algo. E como poderia? É daquele pirralho que estamos falando.

— Quando ele virá aqui? — Komaki perguntou.

— Não sei, mas quando vier, provavelmente vai querer usar uma de minhas garotas como cobaias para as marionetes dele. Eu já disse para ele que a Usui está fora de cogitação.

— Aquelas marionetes dele me dão arrepios, Boku-sama.

— Ah, você é um covarde. Adora espancar minhas garotas, mas começa a ganir quando encontra alguém mais forte.

A porta se abriu num baque grave. Um dos homens de Boku ofegava e se apoiava sobre os joelhos, recuperando o fôlego.

— Seu estúpido! — berrou Boku. — Não vê que estou ocupado?

— D-Desculpe-me, Boku-sama, mas alguém mandou lhe entregar isso. — E estendeu ao patrão um envelope lacrado.

Quando Boku o tomou em mãos, seu rosto empalideceu. A cada linha que seus olhos estreitos corriam, mais o rosto assumia um branco fantasmagórico.

— E-Ele... vem pra cá. Daqui a três semanas — Boku pronunciou.

— E-Ele, Boku-sama? — Komaki sabia quem era e tremeu na hora.

— Sim. Shozu Ibuke vem pra cá.