Hope

When You Find Doubt


Kaito não estava conseguindo dormir.

Remexia-se sem cessar em sua cama provisória. Sua cabeça girava em torno da canção que escutou e da visão que teve.

Ainda havia aquela misteriosa menina. Menina não, criança. Não só era descuidada, baixa, e leve. Também estava desprotegida, sem quem pedir ajuda, como a maior parte das crianças no seu país.

Sentia que precisava mudar isso, de alguma forma.

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Talvez fora esse o motivo que o levou a levar a criança até a vila. Tudo bem, também estava grato por ela tê-lo acordado e ajudado a salvar Luka. Sentia-se angustiado. Por que era tão bom com uma estranha?

Colocou Luka e a estranha no cavalo e as prendeu bem. Apesar de ter de andar até sua casa, não se incomodava por isso.

Por que ela o ajudou?

Por que ele a retribuía?

E se ela representasse uma ameaça ao lugar que seu pai sempre protegeu?

E se ele representasse uma ameaça pra ela?

Por que isso o irritava tanto?

Enquanto guiava o cavalo, escutava o barulho quase nulo dos bosques. Agradável.

– Voe longe – ouviu. – Voe longe.

Kaito levou um sobressalto. Olhou para a menina. Ela cantava enquanto dormia.

Pela primeira vez em muito tempo teve vontade de rir.

– Voe – murmurava. – voe...

Kaito ouviu-a cantarolar até chegar à floresta próxima da entrada. Parou o animal e desprendeu as duas. Delicadamente pegou Luka no colo e a colocou no chão. Sentiu uma leve pontada de irritação. Como dormia tão profundamente?

Cutucou com o pé. Luka finalmente começara a se mover. Espreguiçou-se e sentou. Seus longo cabelo rosa estava sujo de folhas, terra e Kaito não sabia mais o quê.

Seu vestido marrom era uma cópia do cabelo. Bagunçado e cheio de sujeira.

Apenas naquele momento Kaito se deu conta que a rosada não estava intacta.

Luka corou ao ver Kaito parado em sua frente. Levantou destrambelhada, e acabou tropeçando em si mesma. Kaito a segurou até ela ter o controle de seu equilíbrio.

– O que você está fazendo aqui? – perguntou baixo, corando.

– Por que foi até as colinas? – Uma fúria incontrolável tomou conta dele. – O que estava pensando?

Luka arqueou as sobrancelhas.

– Eu fui até as colinas? – Seus olhos expressavam confusão.

A fúria se esvaiu e o nervosismo a substituiu.

– Você não se lembra? – Era a vez de Kaito ficar em dúvida. Não se lembrava como?

– Não. – Luka encolheu os ombros. – Eu não me lembro de nada hoje. Nada desde que acordei.

Kaito deu uma gargalhada irônica. Esperava que Luka dissesse que era gozação. Mas ela não disse.

Kaito segurou seus ombros.

– Não brinque comigo, Luka. – O desespero tomava conta. Não era do feitio de Luka brincar.

Seu rosto ficava mais e mais branco.

– Kaito! – gritou Meiko, de longe. Os dois desviaram a atenção para a morena, que já resolvera o problema da roupa. Amarrara até antes dos joelhos. Kaito desviou os olhos e corou. Era muita indecência.

O que acontecera com suas amigas?

Meiko pulou em Luka e a derrubou.

– Luka! Eu fiquei tão preocupada! Os vizinhos não sabem, vamos arrumar um jeito de não saberem, permaneça calma. – Meiko dizia tudo rapidamente. Kaito mal conseguia acompanhá-la. – Eu achei... achei que elas pudessem pegar você... – Meiko começou a chorar. – Eu... eu...

Luka acariciou sua cabeça. Meiko continuou sentada limpando as lágrimas. Kaito suspirou de alívio e de tédio. Havia dom de tudo e para todos. O de Meiko era de piorar uma situação.

– Eu trouxe roupas. – fungou. – Eu tinha a intuição de que ele conseguiria te trazer.

A rosada gesticulou para que o garoto não contasse nada de seu esquecimento. Se Meiko soubesse, iria de alguma maneira acabar espalhando o ocorrido.

E Luka viraria uma bruxa.

Kaito sentiu um arrepio ao pensar na amiga sendo queimada. E ao lembrar-se da visão novamente.

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Luka colocou a roupa limpa por cima da suja e tentou arrumar o cabelo. As duas correram discretamente e entraram na vila sem serem percebidas.

O rapaz se voltou ao cavalo. Grandes olhos verde-água o fitavam. Kaito recuou e segurou um grito. Havia se esquecido dela. Ficou parado.

Uma ventania o saldou e as folhas acompanharam seus passos em uma dança natural. Ela não desviava o olhar dele. Ele, por sua vez, não queria perder, porém sentia que, mesmo se tivesse o desejo de acabar com aquela competição infrutífera, não conseguiria.

Soube que aqueles eram os olhos que podiam arrastar qualquer um até a morte, e que também podiam livrar alguém dela.

Kaito não sabia dizer por quantos minutos, horas ou dias ficara olhando a criança. Mas sabia dizer exatamente aonde seus olhos tinham falhas, e aonde eram perfeitos demais.

A ventania acabou e, junto dela, o transe.

Ela sorriu.

– Eu sabia que era você. – disse. Podia prestar atenção em sua voz, pela primeira vez. – Ela está bem?

– Quem? – respondeu agressivamente. Ela era uma estranha. Foi se arrependendo de sua escolha. Precisava aumentar a guarda.

Ela piscou algumas vezes.

– A menina. – sussurrou. – Ela estava perdida.

Olhou para os lados algumas vezes, temendo ser ouvida.

– Por que está falando baixo? – Kaito aumentou a voz.

Pássaros cantaram alegremente. Ela olhou para o céu à procura.

– Eu não posso dizer. – murmurou.

Kaito se irritou. Eram apenas pássaros e poucos outros animais! Ele era um guerreiro, saberia se alguém os tivesse seguido.

– Por quê? – insistia.

– Voe longe – sussurrou. – Voe longe... voe longe... voe longe... voe longe...

O jovem pensou em ignorá-la e deixá-la sozinha. A última frase de uma repetição quase eterna o fez retroceder.

– Voe longe, criança.

Criança.

Criança como ela, e também ele.

Criança como o bebê.

Criança como aquela da canção.

Kaito foi interrompido e pegou a mão dela. Precisava escondê-la até pensar no que faria com ela. Apresentações, explicações, tudo poderia esperar.

Era impressionante como ela conseguira rastrear o seguidor antes dele.

Puxou-a pela multidão desorganizada, que, pela primeira vez, não dirigiu um olhar sequer para ele. Seguiu até o pequeno casebre caindo aos pedaços. Eles entraram e Kaito fechou a porta, trancando. A menina olhava para os pés.

Kaito não conseguia não corar com essa situação. O que estava fazendo com sua vida? Não era um pervertido, mas a situação parecia dizer o contrário.

Foi até o seu quarto e apontou para a cama bagunçada.

– Fique hoje aqui. – disse em palavras baixas. A garota assentiu e foi para a cama, se enrolando com as cobertas.

Kaito concordou que era louco. Intensamente louco.

Ele começou a encostar a porta quando a voz sonolenta o parou.

– Onde ficará?

– Vou cuidar de você. Não se preocupe com isso. – confirmou mais para si mesmo do que para ela. Fazia muito tempo que não tinha ninguém consigo, mesmo assim, não conseguiu evitar dizer boa noite.

E foi assim que parara ali, deitado na cama feita de feno na sua sala/cozinha repensando em como tudo mudara tão rápido.

Virou-se de novo e a escutara cantarolar baixinho do outro cômodo.

Por mágica, conseguira dormir.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.