A Razão do Rei

Capítulo 19


– O que aconteceu na fortaleza? – Gimli perguntou, já sabendo da resposta. Ele se sentia tão triste quanto todos os que ouviam a história.

Legolas olhou para ele por um instante. Ele reconheceu a tristeza do anão e se sentiu grato pela solidariedade dele.

– Eu não... Eu não sei com certeza. Meu pai não fala sobre isso. Ele nunca me contou nada, ele... – Ele fez uma pausa e respirou fundo. – Ele acordou apenas semanas depois. Todos pensamos que íamos perdê-lo. Seu corpo se tornava cada vez mais frio com o passar dos dias, e ele não reagia a nada, nem a ninguém. Nós o levamos de volta para Greenwoods e Mestre Elrond foi conosco para tentar ajudar, mas nada funcionava.

“Oropher havia caído durante a luta contra o Rei Bruxo. Eu não vi nada, mas os elfos que viram disseram que ele lutou bravamente até o fim. Ele caiu pouco antes de Valfenda chegar ao campo de batalha. Minha avó, a rainha, tinha ficado no reino, e adoeceu assim que soube do que havia acontecido e do estado do meu pai. Ela partiu antes que meu pai acordasse. Minha mãe... Minha mãe jamais saiu de Angmar. Nós realizamos várias buscas antes de Mestre Elrond selar o local. Não encontramos nada.

Eu já havia perdido completamente as esperanças e me preparava para o que viria a seguir quando meu pai despertou, numa manhã quente de verão. Ele estava muito fraco, mal conseguia abrir os olhos. Assim que ele acordou, eu fui chamado e corri para lá imediatamente. Quando eu me aproximei e ele me viu, ele passou os braços em volta de mim, me abraçando, e sem dizer uma palavra, chorou.

Muitos dias se passaram até que ele ganhasse forças o suficiente para deixar a ala médica. Então nós enterramos o rei e a rainha. Foi um dos dias mais tristes de que eu tenho lembrança. Minha mãe não recebeu um túmulo.

Meu pai não tinha dito palavra a ninguém sobre o que havia acontecido dentro da fortaleza. Eu tentei perguntar algumas vezes, especialmente sobre minha mãe, mas ele se recusava a falar. Ele apenas exibia aquela expressão mortificada, como se uma dor insuportável tomasse conta dele, e não dizia nada. Eu insisti e teria insistido mais, se Mestre Elrond não tivesse vindo a mim e me aconselhado a deixá-lo em paz.

– Temos sorte, Legolas, por não ter pedido Thranduil... Eu pensei que o espírito dele já estava nas mãos de Mandos, mas alguma coisa o fez recobrar a vontade de viver e o trouxe de volta. – Ele pôs as mãos em meus ombros. – Não convém pressioná-lo, nem questionar suas razões.

– Mas... Minha mãe...

– Eu sei, eu sei... É justo que você queira saber o que aconteceu a ela. Mas não o pressione. Ele eventualmente irá lhe dizer.

– Mas Mestre Elrond estava enganado, ainda que aquela tenha sido a única vez. Meu pai jamais falou sobre o que aconteceu em Angmar naquela noite.

Fez-se um silêncio completo em torno da fogueira, cujo fogo já se apagava. O horizonte clareava pouco a pouco, discretamente, anunciando o amanhecer que se aproximava. Na floresta, os animais começavam a se agitar. As aves começavam a acordar em seus ninhos.

– No entanto... – Legolas olhou para Gimli. – Alguém me contou.

– Quem? – Frodo perguntou.

– Mestre Elrond. Meu pai lhe contou... Quase tudo o que aconteceu no interior da fortaleza. E então um dia, quando eu estava em Valfenda, Mestre Elrond me chamou e me contou o que ele havia lhe dito. Ele disse que achava que eu tinha o direito de saber. Mas meu pai pensa que eu ignoro tudo até hoje, e Mestre Elrond me aconselhou a manter as coisas dessa forma.

Legolas então narrou aos membros da Sociedade o que Elrond havia lhe contado. Thranduil havia omitido do senhor de Valfenda tudo a respeito da arca dos sindar e também tudo o que Syndel havia lhe dito. Mas enfatizara bastante a covardia de Thror e a forma como ele os havia abandonado, selando o destino da elfa de olhos prateados. Quando Legolas terminou de contar, ninguém soube o que dizer. Gimli sentia-se pior que todos os outros. Todos compreenderam, naquele momento, a verdadeira razão do rei.

– Se Thror não tivesse dado as costas naquele dia... – Legolas olhava para a grama a seus pés ao falar. – Tudo poderia ter sido diferente. – Ninguém respondeu. – Algum tempo depois, Erebor foi erguida. A Pedra Arken foi encontrada e meu pai foi convidado a se curvar diante de Thror, Rei Sob a Montanha.

“– Você não vai... Não é? – perguntei, e na época eu já não ignorava a verdade sobre Angmar. Eu podia sentir o ódio correndo dentro de mim diante da audácia de Thror.

Meu pai parou de costas para mim.

– E arriscar provocar uma guerra?

– Que haja guerra! Não há anão que possa contra nossas forças, você sabe disso! A própria história de nossos povos mostra isso! Eru determinou que fosse assim!

O rei se virou para mim, e eu vi uma expressão estranha em seu rosto. Em seus olhos, queimava o mesmo ódio que eu sentia. Mas ele parecia resignado.

– Eu não vou desperdiçar as vidas de nosso povo em uma guerra sem sentido contra Durin.

– Sem sent...?

– Quieto! É minha última palavra, Legolas. Se Thror deseja a paz... – Ele se voltou em direção aos portões do reino, mas parou. – Eu vou negociar com ele. O reino fica sob seu comando até eu voltar.

– Mas quando meu pai voltou daquela visita a Erebor, estava furioso. Ele chegou quebrando tudo, socando paredes... Quando perguntei o que havia acontecido, ele falou sobre uma arca... uma arca cheia de gemas brancas e um colar... Um tesouro perdido de nosso povo, ao que parece. Ele acusava Thror de tê-lo roubado. Em resumo, não houve acordo de paz. Mas meu pai aceitou a soberania de Thror e não lhe declarou guerra. Ele sabia... – Legolas olhou para Gimli, que desviou o olhar, constrangido. – Ele sabia que a ganância de Thror seria sua própria ruína. Pouco depois, veio Smaug.

– E todos sabemos o que aconteceu. – Aragorn conclui, não desejando que se iniciasse outra história de fogo e sofrimento.

– As pedras que Thranduil queria... Depois da queda de Smaug...? – Gimli ensaiou uma pergunta, sem jeito. Aquilo surpreendeu a todos.

– Bard de Valle as entregou ao meu pai. Ele as recebeu de Dain como parte do pagamento da dívida de Thorin Escudo de Carvalho. E embora você pareça guardar muita mágoa de meu povo, Gimli... – Frodo notou que pela primeira vez Legolas chamava o anão pelo nome. Gandalf alisou a própria barba, satisfeito. –... eu acredito que meu rei tenha perdoado o seu, no coração dele.

– Você “acredita”...?

Legolas sorriu, sem humor.

– Depois da Batalha dos Cinco Exércitos, ficar em Greenwoods se tornou insuportável para mim, e eu parti em direção ao norte. Foi o último conselho que meu pai me deu.

– Uma pergunta... – Merry interrompeu. – Eu ainda não entendi... A sua mãe simplesmente te empurrou em direção à morte? Assim, do nada?

– Ah... Eu também me perguntei sobre isso... A minha vida inteira. Por centenas de anos, eu me perguntei... Por quê? – Ele franziu as sobrancelhas. – Mas antes de eu partir, na última vez em que nos vimos, meu pai me disse... – Ele parou de falar, pensativo.

– Sim?

– Ele disse... “Sua mãe o amava, Legolas. Mais que a qualquer um. Mais que à vida.” – Durante algum tempo, todos se calaram. Minutos se passaram até que Legolas falasse novamente: – Acho que ela sabia que a fortaleza ofereceria um perigo maior... Talvez. Eu acho que ela tentou me proteger. E também... Acho que ela viu Valfenda se aproximando ao longe. Foram eles que me resgataram, antes que as águas me levassem. Eu... Eu gosto de pensar que foi isso.

– Eu tenho certeza de que sim, Legolas. – Aragorn pôs a mão no ombro do companheiro de Sociedade, que lhe agradeceu com os olhos.

E durante certo tempo ninguém mais falou, enquanto imagens da história de Legolas se misturavam às da Desolação de Smaug, que tinham ouvido nas histórias e canções. Com o tempo, tudo se tornava cada vez mais claro nas mentes dele, enquanto as histórias se misturavam e se completavam, preenchendo lacunas. E quando os primeiros sinais do círculo solar apareceram no horizonte, tudo já estava absolutamente claro em seus corações.

– Eu acho que é melhor nós começarmos a nos preparar para seguir viagem, sim? – Gandalf se levantou.

– Mas... Como o sol pode já estar nascendo? – Boromir olhou para o astro-rei, inconformado. – Nós nem chegamos a dormir!

– Às vezes, Boromir, filho de Denethor, boas histórias podem ser ainda mais revigorantes do que uma noite de sono inconsciente. – Gandalf respondeu, pondo o chapéu e batendo o pó das vestes.

– Está muito cansado? – Aragorn perguntou, em certo tom de provocação, enquanto passava pelo outro carregando boa parte do que restava da madeira da fogueira recém-apagada.

– Eu? É claro que não! – Boromir tratou de reprimir um bocejo, enquanto se abaixava para pegar o resto da madeira da fogueira. – É com os pequenos que eu me preocupo!

– Nós estamos bem. – Sam se pôs de pé, passando as mãos sobre a barriga, satisfeito por ter podido comer aqueles esquilos mais cedo.

– Merry, Pippin, vão checar o pônei, sim? – Aragorn pediu.

Pouco depois, já estava quase tudo pronto para partirem. O sol mal se tinha erguido. Legolas olhava além, tentando ver o que os aguardava na distância, enquanto Gandalf e os dois homens discutiam qual seria o melhor caminho a tomar, dali em diante. Discretamente, tão silenciosamente quanto um anão podia (o que não é muito silenciosamente, convenhamos), Gimli se afastou deles e foi até Legolas. Ele parou atrás do elfo, um tanto sem jeito. Legolas fingiu não notá-lo, mas sorriu levemente enquanto sentia o vento fresco em seu rosto.

Gimli limpou a garganta:

– Ei, elfo...

Legolas se virou para ele, sério, mas ainda rindo-se por dentro.

– Eu... – Ele pigarreou. Aquilo era mais difícil do que ele tinha esperado que seria. – Eu sinto muito. Você sabe... Pelo que aconteceu à sua mãe.

O elfo se permitiu sorrir para ele.

– Eu agradeço seus sentimentos, mestre anão. – Ele baixou um pouco a cabeça num cumprimento, que Gimli retribuiu.

– Ei! Legolas! – Aragorn chamou. – Venha! Vamos partir! Merry! Pippin!

E logo a sociedade partia. Os hobbits estavam empolgados. Boas histórias sempre lhes renovavam as energias. Assim que Gandalf apontou o caminho, eles se apressaram, indo à frente. Os demais membros da sociedade iam atrás. Lado a lado, os hobbits cochichavam. De vez em quando, Pippin olhava para trás e dava pequenas risadinhas. Gandalf olhava desconfiado, se divertindo. Não muito depois, os hobbits começaram a cantar:

Oito pés à frente vão,

Atrás deles mais oito seguirão

Quatro hobbits, um elfo e um anão,

Um homem errante e um mago ancião!

Eles começaram a rir, felizes, e se puseram a repetir os versos, cada vez mais rápido até perderem o fôlego e recomeçarem. Atrás, Gimli resmungava:

– “Um elfo e um anão” ... Como isso soa estranho!

– Soa, não soa? Mas pelo menos rima. – Legolas comentou.

– Espera, o “homem errante” sou eu? – Aragorn se divertia.

– Eu é que não sou. – Boromir sentia-se levemente magoado por ter sido excluído da letra da canção.

– Ei, Mithrandir! Não seria melhor fazer com que se calem? Eles vão atrair qualquer orc ou outra criatura num raio de três milhas!

Gandalf riu:

– Não, meu jovem Legolas! Deixe que eles cantem! Deixe que cantem, enquanto há alegria em seus corações para fazê-lo. A jornada que nos espera já será demasiado dura. Por ora, deixe que sua alegria e suas canções nos alegrem também. – e aumentou o tom de voz: – Quem é ancião?!?! É melhor se apressarem, se não quiserem coaxar os próximos versos!! Eu os transformo todos em sapos, estão ouvindo?!

– Você pode fazer isso? – Aragorn perguntou, rindo.

– Não exatamente... Talvez...

Todos riram (inclusive eles mesmos) enquanto os hobbits se atrapalhavam, tropeçando uns nos outros enquanto tentavam andar mais rápido. E a Sociedade do Anel seguiu viagem... Prontos para se tornarem eles mesmos canções e histórias para serem ouvidas em torno da fogueira.

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Editando rapidinho para adicionar esta imagem, compartilhada pela leitora Spencer, que tem tudo a ver com a fanfic! Obrigada, Spencer! ^^

(Créditos ao artista. Seja lá quem ele for, tem muito talento!)