5 Mulheres

Capítulo 4: O flerte de Isabel


O peixe roelo era grande, com escamas brilhantes e guelras rosadas. O homem de pele morena partiu-o de alto a baixo com sua faca afiada, expondo suas entranhas, que ele retirou e descartou diligentemente, com o cuidado para não estourar o fel. Pegou uma vasilha de água e lavou o peixe. Colocou-o amontoado, junto aos outros que já estavam em exposição à espera de comprador. O cheiro era forte, mas ele estava a tanto tempo nesse serviço que aprendera a distinguir o cheiro de peixe fresco, do cheiro de peixe passado, que seria prejudicial para os negócios. Naquele momento todos os seus peixes eram frescos e tinham um cheiro saudável.

Isabel estava na peixaria observando o peixeiro. Ele era de média estatura, mas para os padrões dos homens que moravam e trabalhavam nas cercanias, ele era alto. Ele tinha a pele morena, tostada de sol. Cheirava a peixe, mas também cheirava a macho. Os seus braços e tórax eram musculosos. A blusa branca de meia fina estava colada à pele, delineando perfeitamente os contornos de suas carnes. Ele não era tão bonito quanto os adolescentes que moravam no fim da rua, por quem as meninas-moças chegavam a se rasgar no meio da rua, num triste espetáculo de mulheres brigando por homens.

Aquele peixeiro era um homem feito. Tinha cara de homem, corpo de homem, gestos decididos e fortes de homem. Ele não dava a mínima para as mulheres que iam comprar peixe. Também pudera, a maioria era de senhoras bem casadas, gordas e envelhecidas antes da hora. Aquele peixeiro estava esperando uma mulher jovem, que o quisesse e a quem ele quisesse também. Isabel tinha que ser rápida antes que outra mulher o descobrisse, como ela o descobriu ao ir comprar sardinhas. Ele por assim dizer era um peixão nadando solto no rio, esperando pela isca mais apetitosa ou a rede mais forte.

Isabel ouviu quando o chamaram, enquanto ela estava lá perto, esperando que as pessoas na sua frente, se afastassem após comprarem seu peixe. O nome dele era Alexandre. Quando ela bateu o olho naquele monumento de homem em estado bruto, deliciou-se dizendo o nome dele sem som, apenas sentindo a língua tocar nos dentes e no céu da boca. O nome dele era como um beijo de língua. Sorriu ao pensar nisso. Nunca pensara que um peixeiro pudesse lhe parecer tão sensual. As mãos dele eram enormes. Praticamente eram tão grandes quanto o peixe que ele estava tratando, um jaraqui. Imaginou aquelas mãos percorrerem seu corpo daquela maneira, deslizando por toda a extensão. Ele deveria ter muita experiência e talento com aquelas mãos.

Chegando a vez de Isabel, ela esperou que ele a olhasse. Ela falou risonha e com os dentes a mostra. Fez questão de deixar os olhos meio velados, abrindo-os de quando em vez, quando o mirava. Apontou languidamente para os peixes que queria. Continuou com um sorriso enfeitando seus lábios. Esforçou-se para piscar vagarosamente. Sabia o efeito que essas piscadas causavam nos rapazes. O peixeiro sorriu com o canto da boca. Apertou os olhos e embalou o peixe para venda. Entregou-lhe o peixe e sorriu preguiçosamente quando Isabel deixou sua mão resvalar pelas mãos dele.

Isabel gostaria de ficar ali o dia inteiro, mas tinha que levar o peixe para sua patroa. Ela tinha obrigações a cumprir. Era empregada doméstica e trabalhava o dia inteiro, para garantir sua sobrevivência. Na sua terra natal não havia empregos, as pessoas tinham que coletar seus alimentos da natureza. Todos eram paupérrimos e sem esperanças de mudança e um futuro melhor. Quando apareceu a chance de trabalhar como doméstica, daquela senhora que aparecera por lá, ela não titubeou. Ofereceu-se prontamente para o trabalho. Mas havia alguns dias em que Isabel sentia saudades da sua vidinha pacata, catando cocos na praia e apanhando pitus e ostras para vender.

Nestes momentos Isabel tentava distrair-se e esquecer. A vida real já tinha suas próprias mazelas, para ela ainda se preocupar com tristezas que ela própria alimentava. Isabel ligava o rádio e sintonizava em uma estação com música popular. Quando sabia a letra cantava junto. Sua patroa reclamava dizendo que ela era desafinada, e que, portanto não deveria atormentar os outros com sua cantoria. Isabel nem dava atenção. Aquela mulher que a empregara às vezes era bem azeda. Quando os parentes da patroa vinham visitá-la, gostavam de conversar com Isabel. Ela sabia que eles julgavam-se superiores a ela, e o eram de alguma forma, e que por isso a ridicularizavam entre si. Isso degradava mais a eles do que a ela, Isabel, pois ela sabia o que era realmente importante na vida. E com certeza não era humilhar os outros.

Lembrou-se do peixeiro. Que pedaço de mau caminho! Ela faria de tudo para voltar na peixaria. Sentia que já o cativara. Ele decerto também a queria. Isabel foi para seu quartinho e mirou-se no espelho do seu criado-mudo. Ela era magricela, mas tinha pequenos seios rijos, média estatura e um rosto anguloso e rosado. Alguém já lhe dissera que rostos angulosos são bonitos. Seus cabelos, que foram cortados por imposição de sua patroa, estavam um pouco maiores e cheios de cachos. Tinham uma natural coloração castanha brilhante, deixando-a com cara de anjinha. Gostaria de ter mais carnes, ou de ser do tipo violão, mas mesmo assim, ela fazia sucesso com os homens. Nunca passara mais de um mês sem namorado.

Claro, ela gostaria de casar-se, mas não podemos ter tudo que queremos. Ela não tivera sorte com seu namoradinho de sua terra natal. Sempre esperara que ele se casasse consigo. Para ela isso era fato. Infelizmente, após saber que ela estava grávida, ele rompeu o relacionamento e engatou um romance com outra garota. Nem mesmo depois dela ter entregado a criança para adoção, ele quis reatar com ela. Isabel ainda era muito tola nessa época. Chorara dias e dias, deixando seus pais tão doentes quanto ela. Então um dia deixou de chorar e arranjou outro namorado. E depois outro. E depois desse, mais outro.

Na primeira oportunidade voltou à peixaria. Esperou sua vez e fez diversas perguntas a Alexandre. Sobre os peixes. Alexandre percebera que ela estava flertando com ele, e respondia sorrindo. Isabel afinal teve que comprar alguma coisa, embora sua patroa não tivesse encomendado peixes, e sim camarões. Pelo menos as reclamações que ela ouviria valeriam à pena. Alexandre lhe disse que saía da peixaria ao meio-dia e que gostaria de conversar com ela. Isabel voltou feliz da vida para seu trabalho. Caprichou no almoço e graças a Deus a patroa telefonou avisando que iria almoçar fora, dando tempo de Isabel ir até o seu encontro amoroso.

Ela foi correndo até a peixaria. Conferiu a hora no relógio. Já eram 12 horas. Alexandre já havia largado o emprego. Ficou decepcionada. Achou que ele tivesse desistido dela. Já ia voltar para casa quando o viu. Ele havia tomado banho e trocado de roupa. Perfumara-se e se alinhara. Ela ainda podia sentir o cheiro de peixe por baixo do aroma de limpeza, mas estava tudo bem. Esperou ele chegar bem perto e tocou-lhe a mão. Ele aproximou-se o bastante para beijá-la no rosto, enquanto apertava a coxa dela com sua mão enorme. Isabel arrepiou-se e sorriu. Ele a queria. Saíram juntos de mãos dadas em direção à casa dele.

A patroa de Isabel mudou de idéia e voltou antes do previsto. Espantou-se de encontrar sua casa vazia e ficou imaginando onde diabos estava Isabel. Enquanto isso, em um quartinho longe dali, dois corpos suados e quentes gemiam de prazer e desejo, em movimentos ritmados e fortes. Enquanto mãos enormes percorriam um corpo esguio e sedento de amor. Suas bocas devoravam-se e lambuzavam seus rostos de saliva e suor. Isabel agarrava-se ao seu peixeiro como quem se agarra a última esperança da terra, pelo menos a última esperança de alguém distante de seu lar e de seus sonhos mais caros.

Fim do Capítulo

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