Por Você
O Garoto do Olhar Penetrante
Hermione acordou naquela manhã com a estranha sensação de que seu estômago havia revirado pelo avesso, assim como deveria ter sido amarrado por algum outro órgão rebelde dentro de si. Uma leve ânsia e um pouco de enjoo fizeram parte de seu breve despertar. Por mais que não quisesse admitir, não poderia negar que estava extremamente nervosa.
E o seu nervosismo era muito bem explicado: era a mais nova assistente de uma das melhores médicas da área de hematologia que conhecia e que também era sua professora, a Dra. Millena Fals. E o fato de ser sua aluna lhe deixava ainda mais angustiada porque sabia que ela era realmente muito boa mesmo.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Levantou e percebeu que Vanessa ainda não havia voltado de seu plantão. Desde que a amiga começou o novo horário estava sendo complicado. Mal via Luna e Leonel, e agora o mesmo ocorria com Vanessa. O bom é que os três estavam trabalhando também como assistentes, e Leonel já havia recebido uma proposta permanente para ingressar em um consultório tão logo se formasse.
Hermione estava feliz por eles e se animou um pouco imaginando que, em breve, este também seria o seu destino.
Caminhou a passos pesados até o banheiro onde tomou um banho rápido e escovou os dentes. Queria muito aquela oportunidade, mas nunca negaria que sentia muito medo de fazer alguma coisa errada ou de não suprir a confiança depositada nela pela Dra. Fals.
Se vestiu de forma simples. Uma calça jeans em tom bege, um moletom clarinho e as surradas botas que Leonel tanto odiava. Ele reclamava, e de certo modo tinha razão, mas eram confortáveis e ajudavam demais quando precisava manobrar sua moto.
Percorreu o apartamento, tomou um café rápido e após juntar tudo o que precisaria naquela manhã, saiu. E o caminho para o hospital foi mais tranquilo que em todos os dias.
Quando estacionou e colocou o capacete no braço, olhou ao redor e conseguiu visualizar alguns rostos familiares na lanchonete em frente. Estava mais do que adiantada e caminhou até a mesa onde havia uma garota olhando o horizonte enquanto comia um sanduíche de presunto com suco.
– Bom dia, Van – saudou e puxou a cadeira para se sentar ao lado da amiga.
– Oi, Mione. - respondeu depois de engolir um pedaço do sanduíche – Nem te vi chegar.
– Você estava tão absorta em seu sanduíche – a primeira riu – Queria ter sua facilidade em comer o que bem quiser e nunca engordar.
– Não é que eu nunca engorde – respondeu a outra com um ar cansado – Mas acho que nem tenho tempo de estocar gordura.
– Com isto devo concordar – Hermione continuou com cara séria – Você precisa descansar um pouco. Desde que começou a residência você não para.
– Esse surto de gripe. As crianças têm chegado aos montes aqui, mas disso você já sabe. Vá, me diga, como está se sentindo?
– Uma tola – falou e as duas sorriram – É frustrante, sabe?
– Não... Não sei – Vanessa falou e mordeu seu sanduíche observando a outra esperando a explicação.
– É o que sempre quis, sempre. Uma oportunidade como essa não se consegue no primeiro ano de residência e eu nem sei como me portar, ou o que pensar.
– Mione, você é super inteligente. É claro que conseguiria uma oportunidade rapidamente. Além do mais, você é esforçada e a sua professora apenas percebeu suas qualidades médicas. E pelo que ouvi, ela é uma ótima hematóloga.
– Ela é sim – Hermione falou saudosa – mas tenho a sensação que algo muito importante vai acontecer...
– Claro que vai – Vanessa tomou mais um gole de suco – Você está recebendo uma residência maravilhosa com uma idade bem menor que a da maioria de nós e ainda será ao lado de uma das melhores e mais conhecidas especialistas desta cidade... É claro que algo muito importante está acontecendo.
Hermione olhou claramente espantada para a amiga pela firmeza de suas palavras. Voltou a se assustar, mas desta vez por pouco tempo. Encontrou o olhar da amiga e sorriu em seguida, compartilhando os mesmos pensamentos que ela.
– Eu vou entrar – Hermione falou enfim – Não quero me atrasar. Além do mais, hoje a Dra. Fals recebe um novo paciente e quero dar uma olhada na ficha dele antes de conhecê-lo.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!– Nossa... Mais um. - Vanessa falou pensativa, um peso de tristeza sobre sua voz – Ainda bem que eles têm médicos como você, Hermione.
– É uma doença difícil, mas não impossível. - ela já estava de pé.
– Vai dar tudo certo, não sabe?
– Sim, eu sei – a morena não conseguiu não sorrir para a amiga – Obrigada, Van.
Com isso Hermione levantou, pegou seu capacete e sua bolsa e seguiu em direção ao hospital. Na entrada já estava um pouco movimentado, ela olhou em volta e viu alguns pais com seus filhos adoecidos nos braços e lembrou-se do que a amiga acabara de falar sobre o surto de gripe. Encaminhou-se até a recepção e falou com Mary, a recepcionista, lhe cumprimentando e perguntando se a Dra. Fals já havia chegado.
Após ser informada que não, se sentiu aliviada de não ter chegado depois que a professora e sorrindo internamente, um pouco mais animada, se direcionou ao seu setor. Assim que chegou avistou Luíse, a recepcionista do setor de hematologia que finalmente estava com menos pacientes que de costume. Isto lhe deu um pouco mais de alegria.
– Bom dia Luíse – saudou assim que se aproximou.
– Ah, bom dia Dra. Granger. Como vai? - a outra respondeu simpática e ela estranhou um pouco ser chamada de doutora. Não se importou, de fato.
– Estou bem, obrigada. - respondeu casualmente – Sabe se a Dra. Fals ainda vai demorar?
– Acredito que não. Ela costuma chegar às oito.
– Você sabe sobre o novo paciente? O que veio do hospital geral?
– Sei sim, inclusive ele já chegou. Quer que a- leve até ele?
– Ah, não. Prefiro esperar a Dra. Fals, mas gostaria de dar uma olhada na ficha dele. Você tem aí?
– Tenho sim. Um segundinho. - Luíse falou prestativa e se virou para os documentos que haviam em um armário trás de si, voltando em seguida com um fichário azul nas mãos – Está aqui. Weasley, Ronald B.
– Hum... - Hermione apenas sibilou enquanto pegava os documentos nas mãos e entregava os pertences para que Luíse os guardasse.
– Bom dia, Hermione – a Dra Fals a cumprimentou assim que ela começara a observar o histórico – Bom dia, Luíse – ambas responderam e ela continuou – Conseguiu dar uma olhada no histórico do Ronald, Hermione?
– Ah, não. Tinha acabado de pegá-lo. - respondeu um pouco temerosa.
– Tudo bem – continuou a doutora tranquila – Vamos conversar antes que o conheça.
– Claro - Hermione contraiu a face como fazia quando estava realmente envolvida em algo.
– O Ronald foi diagnosticado com leucemia mieloide crônica aos dezesseis anos. Atualmente ele está com... acho que vinte e três. - Hermione apenas balançava a cabeça concordando – Ele iniciou o tratamento assim que descobriram. Foi internado por cerca de dez meses sob as orientações do Dr. Delton e aparentemente o tratamento havia surtido efeito. Tudo bem até aí? – perguntou à garota.
– Sim, mas qual o tratamento que ele foi submetido?
– Bem observado, Hermione – a Dra. Fals sorriu e Hermione sentiu uma quentura alegre em seu peito – Ele fez as medicações de praxe, uma poliquimioterapia e três meses do uso de cateter. Depois de três meses de acompanhamento pós-tratamento ele foi mandado para casa já que aparentemente estava bem. Aos dezoito ele teve uma recaída e foi feito o mesmo tratamento.
– Não fizeram transfusão? - ela quis saber.
– Sim, de sangue, mas é complicado. Ele é AB e você sabe...
– Sem anticorpos. - Hermione completou pensativa.
– Exato. Tentaram a medula, mas não encontraram um doador compatível, embora tenham feito muitos exames.
– E os pais? Irmãos?
– Não. Não há compatibilidade. Testaram todos os parentes até terceiro grau. É mais fácil, nesse caso, encontrar um completo estranho compatível que um familiar e, para ele, seria quase que cem por cento de chance de cura.
– Entendo – Hermione ainda parecia pensativa.
– O caso é que ele teve a recaída aos dezoito, repetiram o tratamento, ele foi mandado embora e aos vinte e... - ela checou na ficha que Hermione havia entregue – Vinte e dois, ano passado, foi novamente diagnosticado.
– Coitado.
– Sim. Agora o tratamento realmente não está mais fazendo efeito e o Dr. Delton, muito sensato, aliás, achou melhor transferi-lo para cá.
– Como ele está? Digo, o Ronald.
– Eu estive com ele semana passada e, realmente, ele não parece doente. Está corado e forte, apesar de se queixar de cansaço, sono e dores de cabeça, às vezes. Também não perdeu os cabelos, ao menos por enquanto. É um guerreiro. Fiquei muito interessada pelo caso dele, em particular.
– Entendo... - Hermione ainda tinha aquela expressão concentrada.
– Vamos conhecê-lo? Acho que está a família inteira aí.
– Vamos sim.
As duas mulheres caminharam pelo corredor em direção a um dos quartos. Enquanto avançavam, ainda iam conversando sobre o quadro do rapaz e o que poderiam tentar para que ele tivesse uma recuperação definitiva.
– Bom dia.
A Dra. Fals falou em meio a um sorriso ao entrar e Hermione teve um pequeno lampejo onde estava, logo atrás. Três homens e duas mulheres muito brancos e sardentos com cabelos vermelhos ao ponto de reluzir.
Todos viraram para elas quando ouviram o cumprimento e os olhos de Hermione se direcionaram quase que instantaneamente para o rapaz sobre a cama. Ele realmente não parecia doente, foi sua primeira impressão. Não fosse o cateter que ele tinha em seu peito recebendo sangue, ela não saberia que ele estava mal.
– Bom dia – todos responderam, mas foram os olhos dele que ela encontrou.
– Esta é a Dra. Hermione Granger e ela vai me auxiliar no tratamento do Ronald – a Dra. Fals falou e Hermione sentiu um leve peso sobre ela naquele momento.
– Muito prazer – disse simplesmente.
– De fato, não é muito prazeroso – o rapaz que estava de pé falou – Mas esperamos que desta vez tudo se resolva. - direcionou um sorriso confiante ao que estava sobre a cama.
– Se não resolver, ao menos agora morrerei em boa companhia – Ronald falou brincalhão e a senhora ruiva mais velha ralhou.
– Eu sou a Gina – a mais nova se direcionou a ela estendendo a mão e ela a apertou prontamente – Esta é minha mãe, Molly, meu pai Arthur, e meus irmãos Guilherme - Hermione apenas assentiu a cabeça ao olhá-los - e o nosso doentinho – falou carinhosa bagunçando os cabelos do irmão – Rony.
Hermione não conseguiu conter o desejo de sorrir de volta para ele quando a brindou com aquele sorriso tão encantador. Rony era lindo, ela se viu pensando. Jovem e forte, aparentemente alto. A pele clara contrastada com as sardas sobre o rosto e nos ombros aparentes sob a bata do hospital faziam dele uma pessoa, no mínimo, exótica. Os cabelos eram de um vermelho intenso e ele tinha belos e profundos olhos azuis.
Não era justo, pensou, e se viu tomada por um estranho sentimento, acordando do devaneio em seguida percebendo que falavam dela.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!– Sim, ela é residente – era a Dra Fals, o tom firme – e mesmo que seja jovem, é a minha melhor aluna. Será muito bom para ela participar da recuperação definitiva do Ronald e tenho certeza que ela contribuirá, e muito, para isto.
– Não vejo como uma menina pode ajudar o Ronald – era a senhora que falava agora – Não tinha alguém mais experiente?
– Eu sou experiente o suficiente, Sra. Weasley – ouviu a Dra. rebater – e se trouxe Hermione, é porque sei que ela é muito mais que capaz para fazer o que for preciso.
– Tudo bem, Molly querida – o senhor, Arthur, se aproximou da mulher e a afagou os cabelos – É normal que esteja tensa, mas a Dra. Fals não faria nada que prejudicasse o Rony.
– Pois é, mamãe – Gina falou se aproximando – Não vamos criar caso agora. O Rony não precisa disso.
– Não preciso mesmo – falou ele com um sorriso tímido nos lábios, de canto, cheio de significados, e Hermione se perdeu por mais alguns instantes na profundidade de significados que o olhar dele também possuía. - Muito obrigado, Dra. Fals – ele continuou – Confio nas suas habilidades como médica e obrigado novamente por ter trazido a Dra. Granger, assim, tenho um bom motivo para acordar todos os dias.
Hermione ouviu um muxoxo da senhora e as risadinhas dos irmãos dele. O pai deu um olhar animado e significativo para o filho e, embora tenha sentido o sangue se concentrar em seu rosto, o que lhe deixara provavelmente muito vermelha, não conseguiu não sorrir da gracinha feita, retribuindo o olhar penetrante que ele lhe dirigia enquanto também sorria.
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