Dear Madness

Alice


Nathalie sentia frio.

Muito frio.

Olhando ao redor, enxergava apenas mais e mais branco – não saberia dizer ao certo por quanto tempo exatamente estava ali. Era capaz de ouvir um zumbido distante. Talvez o mesmo que a incomodava tanto nas vezes em que encontrava-se sozinha, presa a seus pensamentos difusos e memórias distorcidas.

A verdade é que a garota não entendia nem a si mesma, mas, por incrível que pareça, sentia-se mais do que orgulhosa no momento; como se tivesse acabado de realizar algum feito extraordinário pelo qual tanto lutara. Era um alívio que trazia confusão, mas ainda sim era um alívio.

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Levantou com certa dificuldade e então voltou a sentar-se quando a tontura lhe veio de repente. De olhos fechados, Nathalie sentiu o mundo girar lentamente e então virar de cabeça para baixo. Ao abri-los novamente, não sabia mais dizer onde estava.

Era tão alvo quanto o quarto que acabara de deixar, porém, muito mais real. Talvez fosse mesmo assim: tudo o que parecia real ao resto do mundo, para ela, parecia fantasioso. Só então pegou impulso para se levantar mais uma vez e percebeu que abaixo dela havia apenas gelo.

Neve.

Tão branca quanto a que cobria sua porta no inverno.

Quando ela ainda era feliz.

Quando seus pais ainda estavam vivos e as luzinhas brilhantes da árvore de Natal na sala piscavam com tamanha intensidade que chegava a cegá-la momentaneamente.

E tão depressa quanto esses pensamentos surgiram, veio também aquelas doces lembranças de criança.

A paisagem alva a seu redor começou a mover-se como se a jovem estivesse dentro de um filme. Entretanto, ela continuava lá: intacta e inerte, com o coração acelerado ao perceber que agora, à sua volta, havia uma sala quentinha e aconchegante, com uma lareira, árvore de Natal que chegava até o teto e presentes de embrulho vermelho sob ela.

Mas não era uma sala comum.

Era sua sala.

Com os olhos marejados, andou até a poltrona bordô à frente da lareira e sentou-se nela, deslizando a ponta dos dedos sobre a textura macia e familiar que preenchia seu peito. E então lembrou-se das risadas, mas também das lágrimas.

“Eu não sou perfeita”, pensou. “Mas por que será que eles nunca entenderam?”

– Como está se sentindo, Nath?

A garota teve um sobressalto e virou o rosto para todos os lados, à procura da voz desconhecida. Notou, então, uma menina saindo das sombras projetadas pelas chamas crepitantes. O fogo tremulante que incidia uma luz macabra sobre o rosto da outra.

A garota do espelho.

Sua pele agora parecia mais pálida que o normal – quase cadavérica. Havia manchas negras abaixo dos olhos, como se a menor tivesse se utilizado de uma maquiagem muito forte para então chorar e deixá-la borrada. As íris eram de um azul pálido, como uma boneca, e as roupas continuavam as mesmas, exceto pelo fato de que Alice agora estava descalça.

Ela andou até Nathalie com um sorriso lúdico enquanto a outra sentia todos os seus músculos simplesmente paralisarem diante de tal cena. Os passos de Alice eram lentos e torturantes, mas precisos. Seus olhos nem por um instante desviaram dos de sua presa.

Dando a volta na poltrona, Alice ajoelhou-se ao lado da outra garota e meneou a cabeça, com seu sorriso mais gentil.

– Nathalie – começou. – Não se preocupe. Você está segura agora.

– P-por que você está aqui? E por que eu estou aqui?

– Era necessário – Alice segurou uma mecha dos cabelos da jovem e o enrolou entre os dedos, compenetrada. – Ainda há algo. Algo que você não sabe.

– E o que é? – Nathalie inquiriu, curiosa.

– Tudo a seu tempo...

A garota do vestido azul levantou-se de súbito, largando a mecha de cabelo que segurava, e virou-se de costas para a outra, encarando as flâmulas dançantes.

– Tudo a seu tempo...

Tornou a repetir.

E então Nathalie acordou.