A Different Dawn Treader

Tocar na cauda pode lhe custar uma laranja na cara


"Caro diário,

Minha vida sofreu uma reviravolta inacreditável. Eu fui raptado pelos meus primos e fiquei à deriva em águas desconhecidas num barquinho ridículo com duas garotas malucas que vivem brigando por coisas idiotas. Para piorar, eu divido a cabine com um rato muito antipático. E eu que já achava ruim dormir com meu primo. Até agora, todo mundo que eu conheci nesse lugar esquisito sofre de delírios incríveis. Ir atrás de névoas verdes, procurar fidalgos perdidos... Só pode ser resultado da má alimentação. Ou então enlouqueceram de vez. Primo Edmundo não é exceção; ele passa cada segundo livre esfregando a espada de lata como se fosse uma lâmpada mágica. Se não está fazendo isso, com certeza está correndo atrás da esquizofrênica garota da panela. 'Tá na cara que ele precisa de um hobby."

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Vai ficar magnífica — Ripchip dizia ao longe, para Edmundo.

— Humpf.

"Roedor idiota, delira mais que meu primo."

Neste momento, uma ave pousou num barril próximo ao menino, prendendo sua atenção.

— Na Inglaterra temos ratoeiras para bichos como ele — disse.

A ave nada fez, apenas observou ao seu redor.

— Falando em comida... — ele olhou na direção dos outros, se certificando de que não o estavam ouvindo. — Sabe onde eu posso comer?

A ave piou.

— Ahn... Por que está falando com o passarinho? — o Minotauro perguntou.

— Ora, porque, naturalmente, eu presumi...

Mas o Minotauro não o deixou terminar, dando gargalhadas e fazendo os outros rirem do menino.

— Esse aí é doidinho — um dos marinheiros disse.

O Minotauro concordou, dando o que deveria ser um tapa leve nas costas do marinheiro, mas que quase o arremessou da plataforma do leme. O menino, irritado, espantou a ave com um abano de mãos e um "chô".

(...)

A cozinha do navio estava escura e silenciosa quando Eustáquio desceu as escadas. O menino se esgueirou pelos cantos mais escuros a fim de não ser notado, chegando aos barris com os suprimentos e pegando um laranja, colocando-a escondida na camisa.

— Está ciente que roubar ração é um crime hediondo no mar? — ele ouviu uma vozinha já conhecida.

O menino se virou bruscamente, derrubando ao chão algumas panelas e procurando de onde vinha o som da voz.

— Aqui — Ripchip se mostrou estar entre duas panelas num amontoado que deveria ser uma prateleira. Eustáquio virou-se novamente, mas sem ver ninguém. — Em cima.

— Ah, você.

O menino deu alguns passos à frente, mas foi impedido pelo rato.

— Pessoas já morreram por muito menos — disse.

— Pelo quê? — perguntou Eustáquio, tentando disfarçar o medo.

— Por traição, por serem sonsos e por outras tolices — Ripchip estendeu a pequena mão. — Agora, me entregue essa laranja e eu finjo que não vi.

— Eu... Eu não sei do que está falando — o menino respondeu atrapalhado.

— Eu vou lembrá-lo.

Ele deus dois passos à frente, mas foi interceptado por Ripchip, que pôs sua cauda como obstáculo. O menino segurou a cauda do rato, a fim de não ser atingido.

— Olha, eu já estou farto de você.

— Largue essa cauda agora — o rato desembainhou a pequena lâmina, apontando-a para Eustáquio. — O próprio Aslam em pessoa me deu essa cauda. Ninguém, eu repito, ninguém, toca na cauda e ponto. Ponto de exclamação!

Eustáquio, que já estava mais que assustado, soltou a cauda.

— Desculpa!

— Então, me passe a laranja... — Ripchip deslizou a cauda até uma peixeira e a içou até o menino. — E vamos acertar as contas.

Eustáquio segurou a lâmina desajeitadamente.

— Por favor, por favor, não! — ele implorou. — Eu sou pacifista!

Mas Ripchip não lhe deu ouvidos, investindo contra o menino, que se desviou e correu até as escadas, subindo rapidamente. Ao sair da cozinha, esbarrou no Minotauro, recebendo um "Olha por onde anda" e murmurando um "Desculpa" antes de correr novamente derrubando tudo pelo caminho. Mas Ripchip vinha logo atrás, e bem mais rápido passou do menino no corrida.

— Ah... Tentando fugir?

O rato se segurou numa corda, içando-se até parar bem à frente de Eustáquio.

— Estamos em um barco, lembra?

— Ah, não podemos conversar? — o menino tentou, mas sem sucesso.

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— Essa foi por roubar — Ripchip rasgou sua camisa e tirou de lá a laranja roubada. — Essa, por mentir. E essa por me irritar. — Acrescentou, dando-lhe um tapa com a fruta.

Com isso, o menino se irritou, tentando acerta-lo com a peixeira, mas sem nem chegar perto de faze-lo.

— É assim que eu gosto — Ripchip gargalhou, pulando. — Agora, vamos duelar!

O rato atirou a laranja para Drinian, que a pegou no ar.

— Venha, me dê o seu melhor golpe — chamou.

Eustáquio tentou, mas falhou novamente, acertando um balde acima do rato.

— Ah, foi esse? — Ripchip ironizou. — Vamos lá, garoto, concentre-se! Isso!

Eustáquio tentava a todo custo golpear o rato, mas todos os seus esforços eram inúteis.

— Pare de bater asas como um pelicano bêbado. Postura. Mantenha a lâmina levantada, assim. Agora.

O menino tentou mais um vez, agora seguindo as instruções do rato, mas, mesmo assim, desferiu um golpe falho. Porém, ele não desistiu, e continuou a tentar golpear.

Ripchip se divertia com aquilo, dando instruções e gargalhando enquanto movia-se pelo deck.

— Agilidade, destreza... É uma dança, rapaz, dance.

O rato deslizava de um lado ao outro enquanto Eustáquio atirava-lhe a peixeira de qualquer forma.

— Mais uma vez... De novo. De novo! Assim mesmo! Isso mesmo! Mais um pouquinho...

O rato pareceu desequilibrar-se e cair ao mar, o que deixou o menino bastante satisfeito, se não fosse por Ripchip aparecer bem ao seu lado, sorrateiramente.

— O que está acontecendo aqui?

Eustáquio virou-se rapidamente, vendo Adria com os braços cruzados. Bem, vendo-a até cair de cara numa cesta que deveria estar cheia de suprimentos.

— Ai!

Uma menininha saiu da cesta; a mesma que o pai deixou com a tia em Durne. Ou não deixou.

— Olha — Lúcia exclamou.

— Gael? — o marinheiro cuja esposa havia sido levada chamou. — Como veio parar aqui?

— Ah, ótimo — Raisha resmungou.

O homem abraçou a menina enquanto Drinian se aproximava com a laranja em mãos.

— Parece que temos uma nova tripulante — disse, entregando alaranja à ela e saindo em seguida.

Lúcia se aproximou.

— Bem-vinda a bordo.

— Majestade — a menina fez uma pequena reverência.

— Me chame de Lúcia. Vem cá.

A menina, Gael, pegou na mão de Lúcia e saiu com ela para qualquer que fosse o lugar no navio.

Me chame de Rainha da Humildade — Raisha murmurou, numa imitação quase perfeita da voz de Lúcia.

— Ah, você está melhorando — Adria disse. — Isso foi um meio-elogio.

A garota revirou os olhos.

— Afinal, o que foi isso?

— Pergunte para o Eustáquio, vocês se dão tão bem — Adria riu.

— Ah, me poupe!

A garota caminhou apressadamente para longe.

— O que ela tem?

Adria não precisou se virar para ver quem era.

— Eu não sei — respondeu. — Esses dias ela não comentou como eu me pareço com um espantalho. Acho que está doente.

Edmundo riu levemente.

— Você realmente parece um espantalho.

— Você parece um palhaço de cabelo ridículo e eu nunca falei nada — a garota rebateu.

O garoto levantou uma sobrancelha e Adria imitou o gesto. Não demorou muito até os dois estarem rindo e sendo observados pelos tripulantes ao redor. A garota endireitou a postura assim que percebeu os olhares.

— Olá — disse, acenando minimamente.

Os marinheiros logo voltaram aos seus serviços, deixando Edmundo ainda rindo e Adria o fitando com uma das mãos apoiando o queixo.

— O quê? — o garoto perguntou, após parar, finalmente, de rir.

— Eu irei sair daqui antes que você faça mais alguma coisa.

A garota caminhou com Edmundo em seu encalço. A cabine com os desenhos dos sete fidalgos estava vazia e o garoto a puxou para lá, depositando um beijo em seus lábios.

— Eu não disse que podia fazer isso — ela cruzou os braços, caminhando até o extenso assento acolchoado no fundo da cabine e sentando-se.

— Eu deveria pedir permissão? — Edmundo seguiu-a, mas, ao invés de sentar-se, deitou com a cabeça apoiada no colo da garota.

— Eu iria gostar disso — Adria sorriu.

— Mas eu não.

Um curto silêncio pairou na cabine enquanto a garota passava os dedos pelo cabelo de Edmundo. Macio, pensou.

— Então... — o garoto começou. — Isso é um namoro?

Adria sorriu, rindo logo depois, lembrando de uma conversa de três anos antes.

— Eu não vou começar com isso de novo.