Só Que Platônico

Capítulo 1 - As Vantagens de Calar a Boca


Jared

Veja bem, eu não era muito o tipo de cara que se inscrevia para a peça da escola. Mas eu era totalmente o tipo de cara que se inscrevia em qualquer coisa para conseguir nota extra. Não consigo decidir se isso soou contraditório ou não.

De qualquer forma, Tina — a professora de Teatro de Jameson High, uma mulher baixa e magra com longos cabelos pretos e olhos grandes porém um pouco orientais, como personagens de mangá — não pareceu entender que eu estava ali apenas para bater cartão e constantemente se dirigia a mim como se minha opinião realmente fosse válida quando se tratava de Teatro.

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Ela nos fez pegar uma cadeira cada um e montar um círculo, como uma daquelas reuniões de grupos de apoio. Tina queria que, apesar de ser ela a diretora, nós déssemos ideias para o tema da peça.

— Poderíamos apenas fazer Shakespeare e acabar logo com isso — Phoebe Loveless revirou os olhos, entediada. — Romeu e Julieta, ou o raio que o parta.

— Clichê demais — opinou Blue Monroe, afastando uma mecha do cabelo escuro do rosto.

Você sabe que alguém é legal quando o nome dela é Blue. Simplesmente Blue. Ninguém acreditava, então ela sempre andava com o RG em mãos, pronta para calar a boca de todos os descrentes.

Blue era a única que trouxera um pequeno caderno de anotações, como se acreditasse fielmente que alguma coisa naquela reunião seria útil. Estava debruçada para frente, parecendo entretida pela nova discussão. Sua pele era muita branca e os cabelos eram muito escuros. Caíam até bem abaixo dos ombros em ondas não muito perfeitas. Os olhos azuis estavam cravados em Phoebe, apesar de eu saber que ela usava lente de contato. Mas xiu, segredo. Ela usava uma camiseta onde se podia ler “Maybe I’m the shot in the dark and you’re the morning light” — frase que eu tinha quase certeza de que era de uma música do All Time Low —, além de calça jeans e tênis Converse azuis.

—... Quero dizer, eles simplesmente se conhecem, e aí tem a coisa toda de amor à primeira vista e tal — continuou ela, confiante. — Eles sequer sabiam o nome um do outro. E se alguém está pensando em citar “O que há em um nome?” para mim agora, pare. E aí eles se casam. E morrem. E é tudo simplesmente rápido demais.

— É isso que o Movimento Romântico fazia — murmurei.

Blue cravou os olhos artificialmente azuis em mim, balançando um lápis grafite perto dos lábios cheios retocados com batom rosa claro.

— O que disse?

Notei que eu só falara com ela uma vez, e foi quando sem querer descobri que ela usava lentes de contato. Nos ignorávamos desde então, e não era por opção minha. Arrependi-me de ter aberto a boca, mas aí já era tarde demais.

— Os românticos trabalhavam com a ideia de utopia — continuei, forçando-me a não desviar o olhar. — Por isso Romeu e Julieta morrem. Não existe felizes para sempre. Se eles fossem viver juntos, Julieta descobriria que Romeu ronca muito. Que não escova os dentes frequentemente. Romeu notaria a mania de limpeza enlouquecida de Julieta, e não seria mais perfeito. Não seria mais utopia. Por isso eles morrem. Para que o amor não se esvaia.

— Agora me lembro — Blue abriu um leve sorriso entretido. — Logo depois veio o Realismo, certo? Uma completa oposição. Seria completamente diferente, não é? Se tivesse sido escrito por um realista?

— Para começar, talvez Julieta sequer gostasse de Romeu. Talvez quisesse desafiar o próprio pai, mas não arriscaria tudo pelo rapaz.

— E aí vem a pergunta: ainda seria a maior história de amor de todos os tempos se Julieta não estivesse apaixonada? — ela indagou, seguindo minha linha de raciocínio.

— Talvez a maior história de amor platônico de todos os tempos.

— Amor platônico. Um conceito desconhecido na ficção.

— É isso! — Tina aplaudiu, animada. — Temos nosso tema! Posso até ver! “Romeu e Julieta Segundo o Realismo: Uma História de Amor...” — acrescentou. — “E entre parênteses: Platônico”! — ela riu da própria piada. — E temos nossos protagonistas. Nada mais justo, já que deram a ideia e...

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— Espera aí — interrompi, tentando cortar o mal pela raiz. — Não precisa, não. Posso ficar só com a checagem de som ou sei lá.

— Bobagem, querido! É claro que...

— E qual é, olhe para mim. Eu sequer pareço o Romeu.

Phoebe semicerrou os olhos, me analisando.

— Para mim você parece bastante o Romeu. Com o cabelo escuro e curto e essa cara desesperada. Bastante convincente.

Eu não sabia se ria ou se voava no pescoço dela. Quando o resto das pessoas começou a concordar, decidi que voar no pescoço dela era a melhor opção.

— O que acha, minha querida? — Tina fitou Blue, com um leve sorriso esperançoso nos lábios.

Blue hesitou, mordendo o lábio inferior. Quando ela olhou para mim, fiz questão de deixar bem clara minha expressão de “Não, não, não!”. Blue desviou o olhar para Tina e sorriu.

— Claro, por que não?

Meu queixo caiu. Eles não podiam estar falando sério.

— Então está decidido! — Tina bateu palmas, satisfeita. — Os testes começam semana que vem. Quero todos aqui. E quando digo todos — ela fez questão de olhar para mim —, quero dizer todos. Dispensados!

Todos se levantaram ao mesmo tempo, e por alguns minutos tudo o que se podia ouvir eram conversas aleatórias e o barulho de cadeiras sendo empurradas. Blue estava recolhendo o próprio material enquanto conversava com Sloan — eu não fazia ideia se aquele era o primeiro nome dela, o sobrenome ou o apelido —, uma garota magra de cabelos escuros lisos e pele um pouco bronzeada.

— Por que fez aquilo? — parei atrás dela, sério.

Blue se virou e olhou para cima a fim de me fitar. Eu não sabia dizer se eu era muito alto ou se ela era muito baixinha. Provavelmente ambos.

— Fiz o quê?

— Por que concordou com a Tina?

— Bem, porque é uma boa ideia.

— Eu me inscrevi no Clube de Teatro para ter menos trabalho, e não mais! Não posso ser protagonista da peça!

Ela sorriu.

— Bem, então acho que deveria ter pensado nisso antes de abrir a boca. Vejo você semana que vem, Jerry.

— É Jared — corrigi enquanto ela se afastava.

— Eu sei! — ela riu e observei enquanto saía do auditório.