O Lado Escuro da Lua

Capítulo Quarenta e Cinco


O Lado Escuro da Lua – Capítulo Quarenta e Cinco

Após ter escovado os dentes, lavado o rosto e soltado o cabelo, Artemis finalmente olhou melhor para a camiseta que Apolo havia lhe dado, ainda um pouco frustrada. Sua expressão se suavizou um pouco ao ver que o símbolo na frente era do Guns ‘n’ Roses, nada menos do que a banda preferida do garoto, por mais que o emblema com rosas e revólveres não fosse muito criativo. O tecido era macio, agradável, e Artemis a vestiu por impulso, descobrindo logo que vinha até a metade de suas coxas.

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Deveria ter se julgado confortável e ido para cama, mas qualquer coisa fez com que se virasse e desse uma última olhada no espelho. Parou no lugar, entreabrindo os lábios, e finalmente compreendeu o funcionamento doentio da mente de Apolo.

Artemis podia usar a palavra perfeição para descrever seu reflexo, porque o loiro com certeza concordaria. Suas pernas estavam praticamente de fora, claras, fortes e desenhadas depois de anos de treino. A camiseta masculina e larga não era suposta a realçar a delicada curvatura feminina, mas Artemis conseguia perceber sua cintura fina ainda assim. Seu cabelo estava lindo, ondulado e macio depois de um dia inteiro preso.

Podia sentir uma coxa contra a outra, deliciosa a sensação de liberdade. Sentia-se linda, talvez até desejável. Talvez? Artemis balançou a cabeça para si mesma, mordendo o lábio inferior. Se Apolo a visse... abaixou o olhar, embaraçada. Era exatamente aquilo que ele queria. Quem precisava de algo feminino, cheio de rendas ou laços, quando ela podia estar daquele jeito?

Pensou em voltar ao quarto dele, em esgueirar-se por debaixo daquele edredom macio. Imaginou-se envolta em um abraço confortável, o sorriso pequeno de Apolo escondido em seus lábios, sua mão ora em sua cintura, ora ao redor do seu corpo, ou repousando com ousadia sobre sua coxa.

Soltou o ar por entre os lábios, perguntando-se quais as chances dele deixar de ser um cavalheiro só por uma noite. Não que ela quisesse, é claro, defendeu-se, sorrindo em segredo para si mesma, vendo o próprio rosto se tingir de vermelho. Balançou a cabeça, o lábio inferior preso entre os dentes, correndo a mão pelo cabelo.

{...}

A porta do quarto do garoto estava entreaberta, e, a julgar pela luz amarelada e tênue, apenas um abajur estava aceso. Artemis apoiou a mão na maçaneta com cautela, abrindo a porta com hesitação.

Apolo estava sentado na cama, o braço estendido para apagar a lâmpada sobre a cômoda. Havia dito mais cedo – por que ela não havia se esquecido daquilo? – que não dormia vestido, mas, para a sorte de Artemis, ainda usava a camiseta do Led Zeppelin e a calça escura. Parecia confortável, e ela foi tomada pela vontade de engatinhar pela cama e aninhar-se nele, talvez de dormir com a cabeça aninhada na curva do seu pescoço.

Acabou congelando no lugar, talvez em nervosismo, quando percebeu o olhar que estava recebendo em resposta. Fascínio seria pouco, arrebatamento chegava perto. Os olhos castanhos correram por suas pernas, mas se mantiveram em seu rosto enquanto ele esperava por uma explicação, mesmo que sua respiração parecesse completa e absolutamente travada.

Artemis podia admirar aquilo.

– Eu me olhei no espelho e entendi por que quis que eu vestisse isso – explicou, timidez suavizando sua voz. – Pareceu um pecado não te mostrar.

Apolo soltou a respiração que estivera prendendo, e então abriu o sorriso mais apreciativo do mundo inteiro.

– Fico feliz que pense assim. Como pode ver, estou vestido – acrescentou, obviamente procurando recobrar um pouco do controle da situação. – Tinha esperanças de que talvez fosse precisar te acordar de um pesadelo horrível à noite.

Artemis sorriu, divertida, andando em passos lentos até a cama.

– E também dormir comigo até que eu esquecesse meus medos, só para eu acordar completamente ruborizada e embaraçada no dia seguinte?

– Especialmente ruborizada – Apolo concordou. – Você fica linda vermelha. E então eu te tranquilizaria, para que você se sentisse muito grata e nunca mais se esquecesse de mim.

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Artemis afastou o cabelo para trás dos ombros, escondendo o sorriso esperto.

– Eu não vou. – Deixou as pantufas para trás ao subir na cama, engatinhando brevemente até ele. Apolo estendeu as pernas, chamando-a com o olhar para que viesse para seu colo. Artemis aceitou o convite, gostando mais do que deveria da expressão que via em seu rosto. – E tenho uma boa notícia. Você pode dormir comigo sem precisar me acordar de um pesadelo horrível.

Ainda sem encostar nela, Apolo deu a impressão de estar engolindo em seco.

– Posso?

Artemis demorou a assentir, rezando para que o garoto soubesse o que estava fazendo, já que ela não fazia ideia de com que estava concordando.

– Bom – Apolo murmurou, e Artemis já deveria saber que ele não era decepcionar, não quando apoiava as mãos em sua cintura daquele jeito. O garoto respirou fundo, e Artemis nunca antes havia visto seus olhos tão escuros. – Preciso admitir que sonhar com isso já estava se tornando repetitivo.

Alguma coisa se contraiu em seu estômago, de um jeito delicioso, e Artemis se viu sorrindo. Apoiou as mãos em seus ombros, sentindo o tecido macio da camiseta e a pele firme por baixo. Caso dançasse, Apolo parecia ser capaz de erguê-la do chão com facilidade. Desviou a atenção para o seu rosto, e perdeu-se ao observar suas sardas.

Eram pequenas, espalhadas sobre o seu nariz e debaixo dos seus olhos. Provavelmente ele teria menos, se não se expusesse tanto ao Sol, mas o que seria de Apolo sem se expor ao Sol? Sorriu de leve, erguendo uma mão para tocá-las, apenas a ponta do seu dedo contra a pele sensível das maçãs do rosto do garoto.

– Você é linda – Apolo disse de repente, fazendo com que Artemis se afastasse, pega de surpresa, apenas as mãos do garoto a impedindo de ir muito longe. – Queria que me prometesse nunca mais prender seu cabelo de novo. Nunca mais vestir qualquer coisa que não fosse minha. – Fez uma pequena pausa, observando com certo prazer o rosto vermelho de Artemis. – Exceto, talvez, um vestido de balé.

– Não é um vestido – Artemis conseguiu dizer, ligeiramente sem ar. – É um collant e um tutu de tule.

– E a meia-calça, e sapatilhas – Apolo completou, em um tom desejoso. Artemis virou o rosto para trás, subitamente consciente do estrago em seus pés. – O que foi? – ele perguntou, uma nota de preocupação na voz, e Artemis voltou a encará-lo com embaraço.

– É bom que eu fique de sapatilhas – disse, quase como se pedisse desculpas.

Apolo ergueu-se da cama, virando-a com cuidado e a sentando no colchão com tanta delicadeza que Artemis mal havia entendido suas intenções até ver que as posições haviam sido invertidas. Encolheu as pernas por instinto, recostando-se na cabeceira quase como se recuasse, observando com apreensão o rosto do garoto enquanto ele descia o olhar para os seus pés descalços pela primeira vez, medo se acumulando na boca do seu estômago.

Sabia que havia estragos piores – algumas bailarinas não tinham unhas, outras, dedos permanentemente deformados a um ponto que a mutilação seria mais caridosa. Ainda assim, os seus estavam longe de serem de princesa. Havia bolhas e calos, mesmo na parte de cima, uma vermelhidão e uma ferida em seu polegar e diversos machucados nos outros dedos.

Ainda assim, quando Apolo ergueu os olhos para ela, não pareceu de todo impressionado.

– Não é tão ruim quanto você fez parecer. Achei que estivesse realmente machucada. – E, Deus, seu tom de voz era tão sincero quanto poderia ser. – Isso é normal, não é?

Ele já esperava por isso, é claro, Artemis percebeu. Deve ter tudo planejado nessa cabecinha loira. Deus, Apolo.

– Tão normal quanto poderia ser – anuiu, com um suspiro delicado. – Faz dos meus pés a única parte de mim que não é perfeita – acrescentou, em uma tentativa mansa de voltar ao que haviam interrompido.

A risada gostosa que ganhou em resposta foi maravilhosa, ainda mais porque terminou com aquele sorrisinho de lado que só via quando os dois estavam sozinhos. Esperava que ele voltasse a colocá-la em seu colo, como antes, mas logo Apolo já estava sobre ela, voltando a apoiar as mãos mornas em sua cintura.

Soltou o ar devagar, procurando se acostumar a estar tão perto dele, a se sentir tão pequena. Daquele jeito, era impossível olhá-lo de cima ou sequer em linha reta; manteve a cabeça baixa e apenas os olhos erguidos, consciente de que seu coração batia muito mais rápido do que deveria.

– O que eu disse sobre a sua arrogância? – Quando Apolo se aproximou ainda mais, a um ponto em que Artemis não saberia dizer onde começava sua respiração e terminava a dele, ela afundou-se no colchão por reflexo. – Fica realmente charmosa com o tempo.

Artemis sentiu vontade de sorrir e, ao mesmo tempo, de esconder o rosto, a impossibilidade de fazer as duas só a deixando ainda mais nervosa. Não se sentia daquele jeito fazia muito, muito tempo, e talvez aquilo estivesse visível – Apolo estava sorrindo antes de beijá-la; mas, por outro lado, quando não estava?

Foi gentil, perfeito e lento, tirando seu fôlego da forma mais doce possível. O melhor pianista da Berklee era mesmo o amante mais atencioso do universo inteiro, e Artemis correu os dedos por seu cabelo loiro sem saber o que havia feito para merecê-lo assim.

Quando se separaram, levou trinta segundos inteiros para se recompor, estudando o rosto de Apolo enquanto mordiscava, distraída, o próprio lábio inferior, que estava provavelmente bem mais avermelhado do que deveria.

Foi por curiosidade que notou o quão irregular a respiração de Apolo estava, e foi com surpresa que entendeu o que significava. Antes que sequer congelasse no lugar, o garoto já estava escondendo o rosto na curva do seu pescoço, beijando sua pele com tanta suavidade que não deixava a Artemis escolha que não se encolher, talvez um pouco mais ao ouvir um trovão reverberar do lado de fora.

Her hair reminds me of a warm safe place – o ouviu murmurar, um sorriso e uma inflexão macia na voz. – Where as a child I’d hide, and pray for the thunder and the rain to quietly pass me by... – Apolo então riu baixinho, mordendo sua pele de leve.

Arqueando um pouco as costas, Artemis o encarou seu cabelo loiro com curiosidade.

– Acho que já ouvi isso antes. O que é?

Apolo se afastou para olhá-la nos olhos, um ar todo tranquilo em seu rosto.

– Sweet Child O’ Mine. Seu cabelo sempre me faz lembrar dela – acrescentou, sem nem um pouquinho de culpa.

Artemis traçou círculos com a ponta dos dedos em seus ombros, desejando beijá-lo de novo. Até onde aquilo os levaria? Mordeu o lábio inferior e perdeu-se no tempo ao imaginar o que poderia acontecer. Lembrou-se da sirene de polícia, tão igual à que interrompera o beijo dos dois no telhado fazia algum tempo...

– Eu quero dormir com você – se ouviu dizendo. – Mais nada. Não hoje. Não que eu... – procurou se corrigir, de repente sentindo o rosto arder, mas então mudou de ideia, evitando o embaraço de falar naquilo. – Só não hoje. Tudo bem? – teria pedido por favor se fosse com qualquer outro garoto, mas com Apolo aquilo não seria nunca necessário.

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– Claro. – E é claro que a resposta veio suave, quase como se a reconfortasse. – Quem disse que iria acontecer alguma coisa?

Para aquilo, Artemis teve que levantar uma sobrancelha, fazendo Apolo rir, inclinando a cabeça da forma perfeita para que ela se aproximasse e beijasse os fios loiros, acariciando-os com todo o carinho do mundo. Apolo ergueu o rosto, entre surpreso e divertido, e Artemis encolheu os ombros como se se eximisse da culpa.

O garoto se aprumou melhor sobre ela, encolhendo os dedos ao redor de sua cintura, capturando um pouco do tecido entre eles, deixando a camiseta um tantinho mais justa. Artemis inclinou a cabeça para o lado, perguntando-se o que Apolo faria em seguida. Não se oporia a passar o resto da noite naquilo, entre beijos, risadas baixas e comentários gentis, mas tinha a desconfortável consciência de que aquilo mais torturaria o garoto do que qualquer outra coisa.

E Artemis ainda não era cruel àquele ponto.

– Você é um cavalheiro perfeito, sabia disso? – perguntou, antes que pudesse se conter.

Apolo riu baixinho, aproximando-se de novo e aninhando-se no seu pescoço – Artemis encolheu os ombros – antes de murmurar alguma coisa que ela não entendeu, erguendo então o rosto para encostar os lábios nos dela uma segunda vez, tão casual que poderia ter parecido um acidente.

Mas com Apolo, nada era um acidente. O beijo de boa noite foi inesperado, mas preciso em sua missão de fazer os dedos do pé de Artemis se curvarem, a garota incapaz de se lembrar do próprio nome até que Apolo se afastasse, profundamente satisfeito consigo mesmo.

Como não? Breve, apaixonado; um beijo de boa noite perfeito, que prometia sonhos tranquilos e um corpo morno de travesseiro.

– É melhor irmos dormir – Apolo propôs, em tom gentil, e Artemis notou nas entrelinhas algo que se assemelhava terrivelmente com antes que alguma coisa aconteça. – Preferência do lado da cama?

– Não. – Artemis mordeu o lábio inferior, decidindo ser sincera e abusar um pouquinho (só um pouquinho) da sorte. – Só quero ficar perto de você.

Apolo não demorou a se afastar para lhe dar espaço, e Artemis sentiu mais sua falta do que deveria.

– Decisão maravilhosa. – E lá estava aquele pequeno sorriso gentil de sempre. – Cobertas?

– Claro. – Evitando mostrar mais pele do que o necessário, Artemis ergueu-se da cama com cuidado, puxando o edredom de baixo de onde estivera sentada. – Não quero ser pega pelos monstros – explicou. – Estragaria a nossa noite.

Apolo assentiu, engatinhando até o seu lado da cama para apagar o abajur. Desacostumada à escuridão, Artemis não pôde enxergar nada por alguns minutos, e aproveitou para se deitar e se fazer confortável naquela cama macia, espreguiçando-se e encolhendo-se logo, aninhando-se nas cobertas e no colchão delicioso.

Estava com o rosto afundado no travesseiro quando o sentiu se deitar ao seu lado, mas teve que entreabrir um dos olhos quando não o sentiu próximo o bastante. Descobriu que, na parede à sua frente, a luz amarelada de um poste distante refletia as gotas de água na janela, e a cena era reconfortante.

Olhou para trás de soslaio, perguntando-se se não estaria se impondo muito.

– Não quer se cobrir?

Apolo levou o tempo de uma respiração curta pra responder.

– Quer que eu me cubra?

– Eu disse algo sobre dormir perto de você, não disse? – Artemis perguntou de volta. – Venha para debaixo das cobertas comigo.

Ouviu uma risada baixa.

– Já recebi ordens piores.

As cobertas foram levantadas logo, e o colchão não tardou a afundar-se bem pertinho dela. Artemis mal teve tempo de prender a respiração antes de senti-lo passar um braço ao redor da sua cintura, encolhendo-se ao sentir o rosto dele aproximar-se do seu cabelo, sua respiração morna chegando até sua nuca.

Apolo era tão morno que era um mistério por que ela sequer estava debaixo das cobertas. Aquele abraço a protegeria dos piores dos monstros, tinha certeza; aquilo era ele passando uma perna por cima das suas?

Afundou-se ainda mais no colchão ao sentir o braço dele contra o seu, seus dedos procurando pelos dela, sem saber o que fazer com tudo aquilo. Segurou sua mão – ou deixou que ele segurasse a sua? – sentindo os machucados das cordas novas e os dedos compridos de pianista; acima de tudo, sentiu sua pele quente, e se permitiu sorrir.

– Boa noite, Apolo – murmurou para o quarto escuro.

– Está sorrindo, não está? – ele murmurou em resposta, em uma zombaria afetuosa. – Eu sabia que você era uma romântica no fundo.

Inclinou então a cabeça para beijar sua nuca, fazendo com que a coluna dela se arqueasse, e traçou um carinho em sua mão com o polegar quase como se para se redimir.

– Boa noite, Artemis.

{...}