O Lado Escuro da Lua

Capítulo Trinta e Seis


O Lado Escuro da Lua – Capítulo Trinta e Seis

Se Apolo não gostava de ser deixado esperando, não deveria fazer o mesmo com outras pessoas. O loiro levou quase vinte minutos para chegar com o conversível no portão, e Artemis seriamente considerou marchar dignamente de volta para dentro.

Ela provavelmente o teria feito se o conversível não estivesse com o teto abaixado. Apolo em um conversível vermelho tinha qualquer coisa de impressionante, e Artemis se viu marchando, de má vontade, até o veículo.

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– Eu odeio você – anunciou, estreitando os olhos, assim que parou ao lado da porta do passageiro.

Apolo estava de óculos escuros, o cabelo dourado debaixo do Sol do fim de tarde. Sua camiseta preta dos Rolling Stones parecia desconfortável de tão quente, mas o garoto sorriu ainda assim.

– Desculpe pela demora – pediu, esticando o braço para abrir a porta por dentro para ela. – Tive um pequeno contratempo. Anna foi okay com você?

Artemis tirou a mochila e a jogou no banco de trás, entrando no carro.

– Sim, eu acho? – respondeu com uma pergunta, porque o que poderia ser o okay de Anna? – Ela não deixou dúvidas de que não gosta de mim, e também comentou que te acha um idiota. Achei simpático – concedeu, colocando o cinto de segurança.

Ouviu Apolo dar uma risadinha.

– Okay – o garoto murmurou, tornando a dar partida no carro. – Se incomoda de irmos assim?

Ele provavelmente estava se referindo ao teto abaixado, Artemis concluiu, apertando mais seu rabo de cavalo.

– Acho que posso sobreviver, mas vamos perder sérios pontos no quesito discrição.

– Estamos indo para uma parte quase deserta da cidade. Espiões inimigos não vão nos encontrar.

– Nesse caso... – Artemis desviou os olhos em aquiescência, e Apolo sorriu ao acelerar.

O vento morno era agradável, por mais que a garota não estivesse exatamente gostando de ter que ficar com os olhos quase fechados. (Se Apolo houvesse lhe avisado, teria trazido um par de óculos de sol também.) O barulho, contudo, não deixava espaço para conversas, e Artemis se viu esticando a mão para ao menos aumentar o volume do aparelho de som.

Apolo deveria tê-lo diminuído quando se aproximara para buscá-la, ela supunha, e talvez Artemis devesse ter deixado as coisas daquela forma. Logo Axl Rose estava – que surpresa – se esgoelando pelos alto-falantes, e, por mais satisfeito que Apolo pudesse parecer com aquilo, Artemis ainda não tinha certeza quanto a classificar aquilo como boa música.

O bairro pelo qual estavam passando era, como Apolo havia prometido, mais tranquilo e deserto do que a média com a qual Artemis estava acostumada. Não havia semáforos, e os poucos pedestres viravam o pescoço para ver direito o conversível vermelho de onde saía aquele rock and roll estridente.

– Ele é ótimo, não é? – Apolo alteou a voz para falar com ela, sorrindo, nos breves segundos de silêncio que intercalavam uma faixa com a outra.

Artemis encarou o garoto com mal disfarçada incredulidade. A palavra fanboy existia? Ela tinha certeza de que já ouvira Gabriel usar algo assim. A obsessão de Apolo com Guns 'n' Roses certamente não era normal.

– Ele rimou “Michelle” com “well” – acabou replicando. – É ridículo.

Apolo simulou fazer uma curva que jogaria Artemis para fora do carro, mas a ruiva o ignorou. Ótimo, honestamente. Se continuasse ouvindo aquele tipo de música naquele volume, Apolo acabaria surdo.

Será que ele sempre namorou garotas que também gostavam disso?, se viu pensando. Não é possível. Ao menos uma delas não... bom, uma dentre nem sei quantas. Apolo certamente não deve ter tido poucas namoradas.

Artemis não demorou a concluir que qualquer outra garota teria ao menos respeito por seu gosto péssimo e clichê para músicas. Talvez até fingido gostar, ela supunha, com repugnância. Apoiou o rosto em uma mão e, observando o painel do carro, se perguntou o que Apolo achava disso. Talvez ele não se importasse dela não gostar de nada a respeito dele. (O que não era verdade, é claro. Mas Anna havia mencionado algo sobre Artemis ter vergonha dele em público, e a ruiva só podia imaginar que aquela havia sido uma conclusão do próprio Apolo. Se ele soubesse...)

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Foi com desconforto que se lembrou dos avisos que havia ouvido quando se tornara, abre aspas, uma mocinha. Talvez Apolo não estivesse exatamente interessado nela e no que Artemis pudesse pensar. Talvez visse apenas o corpo bem delineado pelo balé, o cabelo vermelho e os olhos azuis. Balançou a cabeça, desviando a atenção para a rua pela qual passavam.

Aquilo era ridículo. Apolo sempre fizera questão até demais de conversar com ela, e parecia refletir sobre qualquer coisa que a garota dissesse. Ainda assim, Apolo podia se dar ao luxo de escolher. Por que ela?

Isso é insegurança? Artemis quis morrer de vergonha quando percebeu. Não, é estupidez. Qualquer um teria sorte de sair--

Sua linha de pensamento foi interrompida quando Apolo entrou de súbito no pátio de um posto de gasolina, diminuindo o som enquanto se aproximava de uma das bombas.

– Preciso abastecer – ele lhe disse, em tom de desculpas, completamente alheio ao que Artemis estava pensando. – Anna não chegou a dizer para onde estamos indo, chegou?

Se Apolo continuasse a ficar no Sol daquele jeito, ficaria com ainda mais sardas. Artemis fez uma anotação mental para comentar isso com ele em qualquer momento no futuro.

– Não, eu assumi que fosse mais uma de suas ideias mirabolantes. E não me tire do treino de novo – lembrou-se de avisar, enquanto o garoto descia do carro. – Nem todos são alunos vagabundos como você.

Apolo ergueu os olhos para o céu, mas nem a respondeu. Trocou palavras rápidas com o frentista antes de começar a abastecer, com tanta facilidade que era como se já houvesse feito aquilo infinitas vezes. (E talvez houvesse. Artemis observou, pelo espelho retrovisor, a curva de suas costas quando ele se inclinou um pouco, e tentou não sorrir.)

Quando Apolo foi para dentro da conveniência pagar – fazendo um sinal para que ela esperasse, que Artemis respondeu revirando os olhos (o que ela poderia fazer, fugir?) –, a garota abriu o porta-luvas por curiosidade. Tirou dois porta-discos, a caixa dos óculos que o garoto usava (Ray-Ban, não menos), uma flanela (destinada a limpar qualquer coisa no carro, ela supunha) e um guia de viagens das rodovias dos Estados Unidos.

Foi com curiosidade que folheou o guia. Era clássico o personagem masculino que corria o país à procura de aventuras, e Artemis sempre havia visto aquilo com maus-olhos, já que não se tinha histórias de garotas que faziam o mesmo. Não, todos os livros de garotas como personagens principais necessariamente eram romances, em um estigma irritante e machista.

De histórias de garotos que saíam em um carro em busca de aventuras e autoconhecimento, o mundo estava cheio. Mas as garotas só poderiam ter uma realização completa caso encontrassem um par romântico. Era ridículo, honestamente. Artemis garantiu a si mesma que nunca permitiria que sua história acabasse daquela forma.

– Seus pais não te ensinaram a não mexer no que não é seu?

Virou-se para Apolo, surpresa por ele ter voltado tão rápido. Não havia repreensão alguma na voz do garoto, muito pelo contrário, mas ela guardou tudo no porta-luvas antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa.

– Você foi rápido.

– Esse posto está sempre vazio – Apolo encolheu os ombros, ligando o aparelho de som antes mesmo de colocar o cinto (prioridades seriamente trocadas aqui). Deu partida no carro e virou na primeira rua à esquerda, tão estreita que Artemis se surpreendeu do carro sequer passar.

– É a parte antiga da cidade? – ela perguntou, alteando a voz para ser audível.

– Um labirinto – Apolo assentiu, desligando de imediato o aparelho de som que havia acabado de ligar. Artemis levantou as sobrancelhas, surpresa. Conversar com ela era preferível a ouvir Axl Rose? Que lisonjeiro. – Mas fui acostumado a andar aqui. A livraria da minha mãe costumava ser por perto, antes de ela construir no centro. Isso tem uns dois anos.

– Você vem muito aqui?

– Principalmente pelo Dario – Apolo assentiu. – É para onde estamos indo.

– Dario? – Artemis testou o nome. – É uma pessoa?

Apolo pareceu achar graça, provavelmente demasiadamente acostumado ao nome para ter se esquecido da estranheza.

– Ele é de uma família grega tradicional aqui, e gerencia o negócio da família. Iogurte – explicou melhor.

Artemis levantou uma sobrancelha. O nome dos dois, o restaurante aonde Apolo a havia levado naquela vez, as constelações (havia algo mais grego do que astronomia?)... aquilo tudo era um padrão, não era?

– É um lugar tranquilo – Apolo continuou dizendo, assim que estacionou na esquina de um quarteirão que parecia se estender por pelo menos cem metros. – Então podemos ficar à vontade. E dá para ver o pôr-do-Sol.

Artemis deu uma olhada em volta antes de respondê-lo. Os telhados das casas eram antiquados, e havia postes antigos de luz nas calçadas que margeavam a rua de blocos de concreto.

– Achei que fosse gostar – Apolo tornou a dizer. Aquilo era nervosismo?

Artemis se virou para ele, gostando da ideia de que deixava o excessivamente-confiante Apolo nervoso.

– Pode ser divertido – concedeu, muito séria. – Mas estou ficando cansada dessa insistência na temática grega.

O canto dos lábios de Apolo se curvou para cima.

– Eu sei que você adora.

Bom, talvez nem tão nervoso assim.

{...}