Sentamos à mesa, e a falta que os dois faziam era perceptível. Apenas cinco cadeiras estavam ocupadas, e o silêncio se prosseguiu por um longo tempo.

A pizza que comi não parecia tão apetitosa como em outros tempos fora. Nem o sorvete azul tinha tanta graça. Olhei os outros, e vi-os concentrados em seus pratos, sem tocar na comida. Eu sabia que estavam pensando, com um fogo os queimando por dentro, mas a resposta que tínhamos para a guerra iminente era apenas o silêncio.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Frank foi quem tomou a iniciativa. Ele cruzou os braços, se recostou na cadeira e pigarreou.

– Então.

– Isso é bom ou ruim? – Jason perguntou imediatamente, sem levantar os olhos.

– Depende. – Annabeth respondeu. Ela torcia o garfo nas mãos. – Com uma forma física, ela pode atacar, digamos... Diretamente. Pode liderar um ataque, ficar na linha de frente de seu exército, e isso só vai estimular ainda mais os gigantes. – Ela suspirou. – Porém, ela nunca conseguirá usar todo o seu poder. A não ser que abandone sua forma física e comece e levantar os continentes. Ou também pode ser que seja uma fase temporária, um estilo provisório. Com Cronos foi assim. Ele usou o corpo de... Luke para andar por aí. Mas era só uma questão de tempo até que ele se transformasse em uma coisa... Inexorável. Invencível. Mas por sorte conseguimos detê-lo. Todos nós.

E caímos no silêncio de novo. Senti um apertão no joelho. Deslizei o braço direito discretamente para baixo da mesa, e logo senti os dedos de Annabeth entrelaçados aos meus.

Continuamos a fitar a comida, até que um solavanco nos sacudiu e derrubou a todos da cadeira. Deslizamos pelo chão, até que nós amontoamos a estibordo quando o navio inteiro inclinou, rangendo e rugindo.

– Estamos afundando! - Frank disse. – Temos que nos levantar!

– Se conseguíssemos... – Jason arfou. – Não estaríamos esti... estira... estirados.

– Percy, o que é isso?

– Minha perna...?

Piper revirou os olhos.

– Consegue tirar a gente daqui?

– Não. – Guinchei. – Essa droga não é normal. Estamos no meio de um...

– Redemoinho! – Frank gritou, e em seguida ele se transformou em uma águia, ou qualquer coisa do tipo, e então a pressão em minhas costas aliviou, e eu pude me concentrar. Fechei os olhos, e senti o navio sendo engolido pela água. Metade da popa estava submersa, e o resto estava deslizando. Estávamos na vertical, e eu sabia que os outros três estavam agarrados a alguma coisa, evitando que caíssem. Mas eu não caía. Mas aquilo não era importante.

Mastrodamezena.

E então o barco estabilizou. Senti o casco, os motores, os remos, Festus... Sentia como se o Argo II estivesse em meus braços, sobre meus ombros. Como um bebê que eu tivesse que ninar. Mas esse bebê era trilhões de vezes mais forte, mil vezes mais pesado, e agora estava sob minha guarda.

Concentrei-me, e senti a água chegar cada vez mais perto. Alguém quase despencou para a garganta do fim, mas eu agarrei seu pulso antes que continuasse o percurso. Então alguma gargalhada soou, uma águia piou dolorosamente e todos gritaram. A água se fechou a minha volta. E então se transformou em barro.

Acordei arfando, agarrando as cobertas. O travesseiro tinha caído no chão e o lençol estava rasgado.

Estava frio. O ar dentro da cabine era pesado e cortante, e não havia janelas. Leo havia projetado o navio com frestas ocultas nas paredes, ou ar condicionado. Não me lembrava direito, mas nenhuma das duas opções funcionava, apenas fazia com que o ar se parecesse com um fio de cerol, mais afiado a cada golfada.

Coloquei minhas roupas e saí da cabine. As quatro portas dos outros tripulantes estavam fechadas, e a alvorada começava a florescer, como dedos amarelos agarrando o negrume da noite. Com um baque, me dei conta de que ninguém havia ficado de guarda, mas pelos deuses, nada havia acontecido.

Debrucei-me pela amurada e inspirei profundamente. Havia uma névoa cobrindo a superfície da água, desde o nível do mar até transbordar pelo convés. Isso seria ótimo se estivéssemos fugindo de meros mortais. Infelizmente, não era assim. Pela nossa sorte, o Argo II estaria piscando em vermelho fluorescente no radar de Gaia. E eu também achava que em seu tabuleiro macabro, sobre o qual ela tanto fazia questão de mencionar, as casas estavam perfeitamente ordenadas, para que caíssemos direitinho em sua linha travada para o futuro dos semideuses. E que, à medida que o jogo avançava, ela iria derrubando os peões. Um por um.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

O cheiro e a presença do mar me fortaleceram. Pelo menos o dia estaria agradável para uma armadura pesada e quente. Meus dedos estavam começando a ficar insensíveis.

Estranho.

O frio não era normal. Ou era. Talvez eu devesse perguntar a Annabeth.

Em falar em Annabeth...

Eis que a minha namorada surge, de pijama.

E ela me cumprimenta com um soco no braço.

– Quer me matar do coração? Onde é que você estava?! Pensa no susto que eu levei quando fui até a sua cabine. E adivinha? Você não estava lá!

Ela gritava sussurrando, como quando se briga com uma pessoa, mas não quer acordar outras.

Sorri.

– E o que é que você estava indo fazer na minha cabine? E comigo dentro dela, hein?

Annabeth estava com uma expressão furiosa, que se transformou em confusão e constrangimento por um momento, até voltar a ficar obstinada de novo.

– Ora, Cabeça de Alga! O que é que eu estava fazendo? Eu estava indo lá, com todas essas coisas acontecendo e Gaia e sumiços e deuses e semideuses e monstros e ataques e...

Peguei em seu braço e a calei com um beijo. Acho que ela estava precisando. Seus cabelos cheiravam a xampu de limão e estavam todos soltos e leves, caindo sobre os ombros. O pijama ainda estava quente e amassado, e sua pele estava morna e suave. Enrolei os dois braços em volta dela.

– Sabe o que eu estava indo fazer lá na sua cabine? – Ela murmurou de encontro ao meu pescoço.

Eu ri.

– O quê?

– Exatamente isso.

– Vou me certificar para que da próxima vez eu fique lá.

Foi a vez de ela rir.

– Acho que estou mais relaxada.

– Eu também.

Esfreguei suas costas e ficamos em silêncio por um tempo.

– Percy?

– Sim?

– Como... Como você conseguiu... Lá no... Você sabe. Aquele negócio com a Miséria...?

Fiquei quieto, e ela aguardou.

– Eu não sei. – Admiti. – Foi a mesma coisa que tentar controlar a água que estivesse a quilômetros de distância... Tipo, veneno é líquido. Então uma parte dele podia ser feita de...

– Água. – Ela completou. – A pressão faz grandes coisas, não é? Fez até você pensar um pouquinho.

Nós dois rimos.

– Pensei que você fosse bater em mim depois daquilo.

– Eu quase bati. Tinha que ter visto os seus olhos...

– Tinha que ter visto sua cara com aquela espada. Parecia uma beldade.

Ela me deu um tapa nas costas.

– Pervertido.

– Não era eu quem estava invadindo a cabine dos outros.

– Ah, não enche.

– Annabeth?

– Que foi?

– Não se mexa.

Ela obedeceu.

– Droga, não estou com minha espada. – Ela sussurrou.

– Dá pra se derrotar névoa com a espada?

– Posso me virar?

– Muito lentamente.

E Annabeth assim fez.

No convés, a três metros de distância, a névoa que havia subido pela amurada tinha tomado a forma de um fantasma. Era estranho, porque não tinha exatamente uma forma, apenas era uma abundância de névoa, com olhos vermelhos. E também não eram necessariamente olhos. Tinha ou menos de estatura mediana. E ainda não tinha nos visto. O convés tinha ficado congelado, e Festus tossia, mas não soltava fogo.

Peguei minha caneta do bolso e deslizei minha mão até de encontro com a de Annabeth. Coloquei a caneta ali e fechei os seus dedos em torno dela.

Annabeth olhou pra mim como se eu fosse louco, mas eu apenas assenti. Fiquei segurando sua mão, para que Contracorrente não voltasse ao meu bolso.

A criatura deslizou pelo convés, e inesperadamente se virou. E deu de cara com nós dois.

Mais inesperadamente ainda, ela correu. Quer dizer, não correu, deslizou rapidamente, chegando quase a encostar-se a nós. Apertei a mão de Annabeth, e ela apertou a caneta. Com o polegar, minha namorada tirou a tampa e, juntos, descrevemos um arco com a espada, até encostar a ponta na coisa. Ela não se feriu, mas acho que já esperávamos isso. Mas, mesmo assim, não baixamos Anaklusmos. Nossos braços ficaram lá, unidos por uma lâmina e imóveis e fortes como um só.

Em minha cabeça, uma voz soou, e por um instante pensei que fosse Gaia, mas era só a coisa falando. Percebi tarde demais o que ela era. Ou melhor, ele era.

– Percy – Annabeth arfou. – É um Oráculo!

Tarde demais percebi também que era um erro olhar nos olhos dele. Meu mundo se resumiu ao vermelho e mais vermelho. Intenso.

Vocês não têm saída... Sem saída...

Era uma voz cortante. Annabeth também escutava.

Morte... Muitas mortes... Sangue... A única saída é o outro... Perseu Jackson... Annabeth Chase... Sofram eternamente... A angúúúústia...

Não existe saída... Cuidem-se... Sofram... Sangrem... Amem... Sejam... Um... Só.

Gaia sabe... A Terra sabe... Está levantando... Detenham-na.

Os imortais são limitados por Leis Antigas... Mas um herói... Um herói pode ir a qualquer lugar... Desafiar a qualquer um... Desde que... Tenha... Coragem.

Filha de Atena... Dona da Sabedoria... Filho de Poseidon... Domador das ondas... Sabedoria... Fúria... Inteligência... Força... Todos são fortes e sábios... Mas... Mas vocês são...

O... Sangue... do... Olimpo...

Sangrem um pelo outro... Sangrem pelos imortais... Lutem pela vida... O Olimpo sangra em suas veias... Sangrem e sofram eternamente...

O... Sangue... do... Olimpo...