Desconstruindo Mycroft

Reconstruindo Mycroft


“Mycroft e Harriet” Greg era o único que não tinha captado o clima pesado da mesa. “Vocês, hein... O que houve com a garçonete do italiano?”

“Pois é, acho que foi só uma fase” Harry respondeu com os olhos fixos na outra menina “Não é mesmo, Clara?”

“É, pelo visto” olhou o relógio “Acho que já é tarde, Greg, amanhã eu tenho ensaio da banda.”

“Banda, é?” Harry riu “Ela inventou essa pra você também?”

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

“Como?” Greg perguntou.

“Eu vou ao toalete.” Clara se levantou, de repente.

“Foi alguma coisa que eu disse?” Greg questionou, assim que ela sumiu da nossa vista.

“Não. Perdoe-me, Greg. História demais entre nós duas.” Harriet seguiu pelo mesmo caminho de Clara, mas deu meia volta, retornando pra mesa. “Ah, Mycroft, obrigada por tudo. Talvez o terceiro seja mais memorável.” Harry falou, dando uma piscadela e olhando para Greg.

Pensei numa resposta bem desaforada para dar, mas ela entrou logo no banheiro.

“Você entendeu alguma coisa, Mycroft?” Não respondi, nem olhei para a cara dele. Talvez Greg tivesse mudado mesmo e resolvido que não havia necessidade de se importar comigo, já que minhas demonstrações de que me importo com ele sempre foram insuficientes. Ia ser melhor daquele jeito. Segunda-feira eu estaria livre de tudo aquilo.

“Não pense que eu ia faltar seu jantar” o bom senso voltava àquela mente pouco iluminada “Eu juro que eu estava indo pra lá, mas aí...”

“Mas aí você encontrou a Clara no caminho e me poupe, eu já conheço essa história.”

“Tudo bem, você tem razão.” Greg suspirou “Eu ia faltar porque eu odeio despedidas.”

“Não venha com essa pra cima de mim. Você vivia se mudando, já deve estar acostumado com despedidas.”

“Eu sei, mas é diferente. Não sou eu que estou indo, é você. Isso deixa um buraco no dia-a-dia, sabe.” Ele olhou pros lados, evitando me encarar. “Elas estão demorando, né?”

“Ah... Eu sinto muito lhe informar, mas você acaba de perder uma namorada.”

Chamamos o tal do Rocky e ele encontrou Clara e Harry aos beijos, quase quebrando o lavatório do banheiro. Greg ficou meio chocado e eu no fundo, muito lá no fundo mesmo, fiquei feliz pela Harriet.

“O que tem de errado comigo? Por que eu atraio gente problemática?” Greg iniciou um monólogo, no caminho pra casa “Meu pai é que tá certo, eu tenho que trabalhar na polícia. Deve ter muita gente problemática lá. Eu sei que a gente tava saindo há uma semana, mas poxa, isso não é coisa que se faça. Ainda mais com a Harriet e... Mycroft, você tá me ouvindo?”

“Juro que no começo eu estava, mas eu desisti em algum ponto.” Olhei para o portão da casa dele. “Bem, é aqui. Só trate de não passar as férias remoendo sua tristeza no quarto e deixando a barba crescer.”

“Certo.” Ele olhou para a própria casa e para os passos que teria que dar até lá. Entendeu que aquele momento que tanto tentou evitar havia chegado. Ficou olhando pra mim e eu fiquei olhando pra ele. “Então, eu... é, tchau.” Correu para dentro.

Eu não sei o que eu esperava daquela despedida, mas não era aquilo. Dei de ombros e caminhei em direção ao meu portão.

Deitei cedo, para acordar bem disposto pra pegar a estrada de manhã, porém o sono não vinha. Aparentemente meu colega de quarto também estava na mesma situação.

“Você quer que eu leia uma história pra você, Sherlock?”

Ele fez um sim com a cabeça e me entregou o livro, já escolhido. No meio da história, ele me parou e me abraçou.

“Sem sentimentalismo, até parece que você vai sentir minha falta.”

“Não vai ter mais ninguém pra brincar de deduzir comigo e fazer piada das pessoas na rua.” Começou a soluçar. “Por mais chato que você seja, papai e mamãe nunca me deram tanta atenção quanto você.”

“As pessoas se afastam às vezes, você precisa se acostumar com isso.” tentei tirar ele dali, sem muito sucesso “E eu sou seu irmão mais velho. Não vai conseguir se livrar de mim nem que você queira.”

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

“Solidão é tudo que eu terei.”

“Não seja tão dramático.” Limpei as lágrimas que corriam no rosto dele. “Brinque com o John, adote um cachorro, você nem vai notar que eu saí.”

“O nome dele pode ser Mycroft?”

“Faça isso e todo mundo vai saber que você chorou um rio por mim.”

“Cala a boca e volta a ler a história.” Sorri e segui as ordens do meu pirata preferido, antes que aquela conversa se tornasse um pouco mais sentimental e eu fosse obrigado a levantar no meio da noite para cortar uma cebola.

Acordei com Sherlock dormindo na beirada da minha cama. Estava chovendo forte e a janela estava aberta, molhando minha escrivaninha. Fechei a janela, ajeitei a cabeça do meu irmão no travesseiro e fui me aprontar pra sair.

Dei uma olhada em volta para ver se não esqueci nada. Tinha passado o fim de semana todo arrumando as malas, vendo o que seria útil e o que eu ia deixar pra trás. Meu pai foi levando-as para o carro enquanto eu me despedia da minha mãe.

Mil abraços, mil recomendações e mil ajeitadas de cabelo depois, lá estava eu, observando pela janela do carro enquanto uma Londres chuvosa fugia de mim.

A três quadras de casa, meu pai parou o carro. Perguntei o que havia acontecido e ele me mandou dar uma olhada no espelho retrovisor. Uma conhecida bicicleta azul vinha em nossa direção, espalhando água pra todos os lados quando passava em cima de uma poça.

“Mycroft, espera!”

Saí do carro, abri o guarda-chuva e fui correndo ao encontro de Greg. Completamente molhado, ele saltou da bicicleta e me abraçou forte. Primeiramente eu fiquei imóvel, preocupado em sustentar o guarda-chuva nas mãos, mas aos poucos fui me sentindo a vontade para retribuir na mesma intensidade. Eu não sei que sentimento era aquele, mas era bem doloroso.

“Eu achei que você odiasse despedidas.”

“E eu odeio, mas seria egoísmo meu não te dar uma despedida decente só por causa disso. Desculpa por ontem.” Ele respondeu, se soltando de mim e se encaixando melhor debaixo do guarda chuva. “Nem acredito que essa é a última vez que vamos nos ver.”

“Claro que não é.” sorri pra ele “Assim que eu achar um telefone em Oxford, eu ligo pra você.”

“Isso é o que todo mundo diz. A gente vai acabar perdendo o contato naturalmente.”

“Cala a boca. Vou colocar o serviço secreto inteiro atrás de você, se for preciso.”

Ele riu. Por mais que eu soubesse que ele tinha alguma razão, era naquilo que eu queria acreditar. Meu pai buzinou.

“É melhor eu voltar pro carro.”

“Espera, tem mais uma coisa que eu queria te perguntar.” Ele falou e um arrepio correu sobre mim. “Qual foi o seu pedido de aniversário?”

“Esquece isso. Foi um pedido meio conturbado. Eu queria pensar numa coisa, mas acabei pensando em outra.”

Meu pai buzinou mais uma vez.

“Mas como eu vou conviver com esse segredo?”

“Eu não posso contar.”

“Me dê uma dica, então.”

Mais uma buzinada furiosa.

“Rápido, Mycroft!”

“Eu não...”

“MYCROFT!”

“Então feche os olhos.”

Virei o guarda chuva na direção do carro, tampando a visão do meu pai. Encostei meus lábios levemente sobre os de Greg, que abriu os olhos confuso. Fechei o guarda chuva e entreguei-o na mão dele. Corri para o carro e Gregory, imóvel e na chuva, foi ficando para trás, assim como Londres e tudo que eu tinha me tornado naqueles meses. Era hora de voltar a ser quem eu era antes.

Você conseguiu me mudar, avaliadora, e foi divertido por um tempo, mas quem disse que era isso que eu queria?

Encarecidamente,

Mycroft Holmes.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.