Enigmas

Prólogo


As ondas da praia, calmas e persistentes, totalmente o contrário de uma vida que se digna em ser lembrada. Uma vida assim é furiosa, cheia de picos e declives, os quais fazem valer a pena cada destino alcançado. Estagnação e estabilidade, bem, depois de um tempo entre terremotos e furacões, é tudo o que uma pessoa deseja.

Pensando bem, qualquer pessoa normal desejaria um poço de paz e tranquilidade, como eu mesma fazia no passado, mas hoje já não. Eu sempre quis conhecer o mundo, conhecer as pessoas e até um certo tempo, isso me era impossível.

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Sentada na beira da praia, eu recordo a aventura que tem sido minha vida. Desde pequena, desafiada, amedrontada, enclausurada. Mas agora com todas as turbulências acabadas, posso ver um futuro diferente. Estou casada há algum tempo, acabo de receber a notícia de que meu primeiro filho está em meu ventre. Não poderia sentir mais orgulho de mim mesma.

Me lembro de ter passado toda a infância sentada em uma mesa, em meio à farinha, os ovos e o fermento, na velha padaria dos meus tios. Eles cuidavam de mim desde que nasci, mas nunca me atrevi a chamá-los de pais, uma vez que me deixavam bem claro que apenas faziam um favor para aqueles 'estúpidos' que me deixaram para trás a fim de viver a vida, enquanto eles me sustentavam e me aturavam.

Em idade escolar, os dias não eram diferentes. Uma parte do dinheiro da venda de bolos era usada para pagar-me um professor particular. Assim aprendi a ler, escrever, fazer contas. Aprendi mais tarde os mistérios da química e da física (que não foram revelados, diga-se de passagem) e a história. Tudo isso na mesa de farinha.

Como era proibida de sair, apenas escutava as outras crianças do bairro brincando na rua, gritando instruções umas às outras e, no máximo, podia vê-las através das grandes janelas de vidro. E sempre via os mesmos garotos correndo, passei a conhecer seus nomes, mas nunca tive a oportunidade certa de sair e explorar.Sendo assim, apeguei-me principalmente à leitura e escrita. Como nenhum dinheiro além desse destinado ao professor era gasto comigo, eu mesma tinha que inventar minhas histórias. E as inventava muito antes de ler ou escrever, porém a partir do aprendizado, pude ampliar muito mais meu universo imaginativo.

Aos dezoito anos, meus tios me pagaram uma faculdade, escolhi jornalismo. Foi a oportunidade que eu tive para começar a conhecer o mundo e soltar-me da prisão que era a padaria. Da vista da janela, não imaginava que seria tão grande, não sabia ao menos atravessar uma rua sem que alguém me dissesse o que fazer, já que as pouquíssimas saídas foram em companhia de minha tia e com ela não me atrevia a olhar para o lado.

Ao me formar e sem mais nenhum recurso que não o quarto úmido no qual havia vivido, me deparei com o escritório de uma revista na cidade vizinha. A Revista La Vida dedicava-se principalmente à decoração de ambientes, mas também abrangia vários outros temas, além de ser uma revista internacional, o que parecia tentador para uma exploradora novata como eu.

No momento em que entrei no hall do prédio onde funcionava a redação, sabia que ali era meu lugar. Conversei com a recepcionista, uma moça um tanto antipática, mas que me indicara o local correto da entrevista que eu faria, após conferir meus dados, fazer meu cadastro e confirmar se eu realmente tinha um horário marcado para tanto.

Horas e horas de pura angustia até que trouxeram minha ficha dentro de uma pasta, a qual abri e me surpreendi com uma palavra carimbada em vermelho vivo: CONTRATADO! A partir desse momento, recebi uma locação, um computador com o qual trabalharia e fui designada a responder dúvidas dos leitores, sejam as dúvidas quais forem, contanto que não apresentassem vocabulário inapropriado.

Assim passei a vida até meus 24 anos, quando as coisas pareceram estar estagnadas e em paz. Engano meu.