Os novos herois do Olimpo

Lambendo as feridas


“O destino é uma donzela caprichosa”. A frase, escrita no primeiro biscoito da sorte que Oliver comeu parecia martelar sua cabeça enquanto ele corria pelas vielas e becos do setor militar urbano. Ele era o último da fila de garotos semideuses que corriam por suas vidas. Nathália também fazia questão de não facilitar a corrida para ninguém: cruzava praças e dava voltas em prédios, entrava e saía de becos para virar inesperadamente, sem direção ao que parecia. Mas quando Oliver viu a mochila de Lucas saltar por sobre um muro de Madeirit ele pensou que ia morrer. Com dificuldade ele saltou o muro, caindo pesadamente e de mau jeito do outro lado. O som atraiu a atenção dos outros. Não que Oliver ouvisse o que diziam, ou mesmo que se importasse. Ele estava tão cansado que mesmo que Zeus estivesse na sua cola ele não daria mais um passo.

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– A vida de CFD não ajudou nada no preparo físico, hein irmão? – a voz de Eric soava entrecortada pelo ribombar do coração de Oliver e pela sua ofegante respiração – Toma, pega um pouco de água, mas bebe devagar.

– Por que paramos? – Jade voltava incrédula com a cena, arco com a flecha meio preparada, pronta para ação. Atrás dela, sentado num galho baixo de mangueira estava Lucas, que olhava a tudo com curiosidade, sem expressar nenhuma emoção. – os nossos perseguidores podem estar a poucos passos daqui. Temos uma missão a cumprir!

Nathália surgiu silenciosamente ao seu lado. Ela estava com o rosto inchado e a região dos olhos estava vermelha. Ela engolia o choro com dificuldade, respirando em meio aos soluços espaçados. Por fim, ela dobrou a manga da luva sem dedos, revelando um relógio estilo “militar”, desses que poderia ter sido o parceiro ideal de Arnold Schwarzenegger nos seus filmes de ação dos anos oitenta. – Podemos ficar cinco minutos. Dez no máximo. Verifiquem o equipamento. Vejam se não perderam nada. Ferimentos, suprimentos e dinheiro, nesta ordem. Bebam água se quiserem. Mas estejam prontos para partir.

Oliver agradeceu silenciosamente a pausa e resolveu olhar à sua volta. Estavam numa espécie de clube campestre. Desses com piscinas e quadras de esporte, local para churrasco e coisas assim. O típico local que as crianças normais rezam para serem levadas num domingo de sol. Mas estava tudo esquecido. Abandonado era a expressão certa. A grama onde estava sentado fazia parte de o que um dia foi um lindo jardim. Quem sabe até um campo de golfe miniatura. A pintura dos móveis estava descascada e queimada de sol e tudo dava uma impressão de que já vira dias muito melhores. Forçou a vista e leu uma placa enferrujando na sombra: Clube Pandiá Calógeras. Seu lugar para eventos desde 1967. Por fim ele sentiu umidade na mão e a ergueu para ver melhor. Estava empapada de vermelho.

Eric foi o primeiro a ver a mão do amigo. O sangue vinha de um corte na altura do antebraço. Um golpe de raspão incapaz de cortar fundo o bastante para romper vasos sanguíneos importantes. Mas havia algo errado. O sangue brotava sem parar da ferida. Num minuto Oliver sentiu-se tonto e fraco. E não era pela visão do sangue. Disso ele não tinha medo. Havia alguma coisa na ferida. Jade aproximou-se dele e viu o ferimento. Ajudou o amigo a tirar o moletom do Linkin Park e inspecionou a ferida. Logo ela puxou um nécessaire de sua mochila. Era branca, feita de lona, com uma discreta cruz vermelha na aba esquerda. Ela abriu com um clique e calçou um pequeno par de luvas descartáveis. Ela abriu um frasco que parecia conter álcool e despejou o sem conteúdo numa vasilhinha de porcelana. Depois colheu um pouco do sangue de Oliver com a ajuda de um cotonete e depois limpou o cotonete na vasilhinha. A cor do líquido começou a passar do vermelho para o verde. Ela cheirou o conteúdo recém-formado, e fazendo uma cara feia jogou tudo fora, bem longe de todos os outros. Por fim, pegou um outro frasco, ainda menor, de cor amarronzada e rolha de cortiça (como se tivesse saído da maleta de um velho boticário do começo do século XVIII) e colocou um pouco num algodão e passou a limpar a ferida de Oliver. Num primeiro toque o menino gemeu, mas depois o ardor foi dando lugar a uma sensação de calor agradável. Poucos minutos depois a respiração de Oliver voltou ao lugar e ele sentiu-se bem melhor.

– Veneno – disse Jade guardando o seu material – eu limpei a maioria e você não deve sentir nada de muito mais sério, mas acho que pelos próximos dois dias você vai se sentir meio fraco. Ajudem-me a levá-lo para aquela área coberta ali. Vai ficar mais confortável.

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– Como você sabe? – Oliver perguntou honestamente, o resto do veneno nublando sua capacidade de esconder o espanto.

– Sou filha de Apolo, tolinho – disse ela, com um lindo sorriso iluminando o rosto – além de deus do sol, e das premonições, Apolo também é o deus da cura. Sou uma curandeira nata. – esta última parte da frase soou sem qualquer convicção e ela virou o rosto como se estivesse envergonhada da sua habilidade. – Bem, sou uma curandeira hoje. Nunca tinha desenvolvido o dom. mas quando vi você ferido simplesmente comecei a trabalhar. Era instintivo.

– É o lance do kaioh-ken que eu falei para você irmão – disse Eric – somos um bando de semideuses super sayajin soltos por aí.

Jade ignorou a brincadeira do companheiro e continuou a fazer curativos em Oliver. Por fim espalhou um pouco de pomada rosa pastosa de cheiro adocicado num pedaço de gaze e cobriu a ferida, prendendo-a em seguida com um pouco de esparadrapo.

Nathália olhou o trabalho da amiga e soltou uma expressão de espanto. Nem mesmo a Dra. Cassandra fazia curativos tão bem. Ela sorriu para a amiga que entendeu na hora o cumprimento silencioso.

– Se eu não soubesse eu diria que você usou bruxaria. – a voz de Lucas soou sombria, ainda sentado em baixo da mangueira, só que dessa vez acompanhado por uma dúzia de mangas rosas do tamanho de mamões papaia. – Se não soubesse eu diria que parece coisa de filho de Hé…

– Nem se atreva a pronunciar esse nome! – a voz de Nath explodiu com seriedade ímpar – Não fale desses traidores.

Lucas recolheu os ombros, mostrando a palma das mãos num claro aceno de paz. Não que fosse o bastante para calar a atiçada curiosidade de Oliver e Eric. Os dois se entreolharam como se estivessem combinando alguma traquinagem e antes que o assunto pudesse ser mudado, Eric perguntou: – Filhos de quem? De quem vocês estão falando, ou melhor, evitando falar?

– Bom, vocês não sabem não é mesmo? Na década de 60 um bando de semideuses adultos se rebelou contra o santuário, aliando-se a Gaia, a deusa-mãe. Esses semideuses trouxeram dor, morte e destruição para o santuário. Todos filhos de Hécate – Jade limpou a garganta e fez o som como se estivesse escarrando e cuspindo, embora nenhuma gota de saliva tenha deixado seus lábios. Desde então, por seu crime, os filhos de Hécate são banidos do Santuário.

– Banidos não – corrigiu Lucas – mas não são bem vindos. Faz mais de 15 anos desde que o último filho de Hécate abandonou o santuário em busca de um lugar melhor. Para ele e para todos nós.

– Nem acredito que semideuses podem ter esse tipo de preconceito – falou Eric, levantando-se e buscando na sua mochila um pouco de linha e agulha para costurar o moletom avariado. – No que me consta vocês estão cuspindo no prato de maçãs apenas porque uma delas veio estragada no meio do cesto.

Nath e Jade fuzilaram o filho de Hermes com um olhar dardejante. Se qualquer uma tivesse o poder de arrancar a pele dos outros com os olhos, Eric teria sido vaporizado. Um minuto de silêncio desconfortável surgiu entre eles. Por fim Oliver falou, como se tivesse ponderado por horas.

– Deu a hora do ônibus. Acho que perdemos a nossa condução.

– Pois é. O nosso plano de viajar discretamente para Fortaleza havia ido por água abaixo. E, até onde eu me lembre, não temos um plano “B”. O que é que vamos fazer? – Jade pareceu desanimar, como se só agora a adrenalina do combate tivesse baixado.

– Não temos muitas opções. Tenho certeza que a rodoferroviária vai estar lotada de agentes inimigos à nossa procura. Ir até lá seria uma loucura, mais ou menos como andar em direção à boca do leão. Não podemos ir de avião também. Chama muita atenção, sem falar que mesmo com Zeus encarcerado, o céu ainda é inimigo de pelo menos um de nós – todos olharam pesadamente para Oliver – O que nos resta? Caminhar até lá?

A pergunta de Lucas soou como uma sentença de morte para um condenado. Mesmo a combativa Nathália esmoreceu-se um pouco, buscando apoio num velho balde de tinta virada de cabeça para baixo. Por longos minutos tudo o que se ouviu foi o vento soprar pelos galhos da mangueira ou o barulho de um ou outro jipe cruzando a rua por trás do Madeirit.

Por fim, depois de inspecionar o frank por alguns minutos, Oliver falou triunfante:

– Já sei como podemos ir. E vamos em grande estilo. Todos olharam com curiosidade enquanto ele desenhava no chão de cerâmica vermelha com um pedaço de gesso. No fim o plano era louco, mas reacendeu a esperança no coração de todos eles.