Além do Sangue

Quadribol


Eu achei que você não tinha escrito para mim por todo esse tempo por ter visto que, realmente, sua vida era melhor sem mim.

Você não sabe o quanto me arrependi de ter dito tudo aquilo naquele dia... Quero dizer, parecia certo, mas se realmente o era, por que fiquei me sentindo tão mal nos últimos dois meses inteiros?

Não conseguia parar de pensar em você. Mal conseguia estudar direito, e meu amigo Steven teve que me ajudar em muitas coisas (o que não dava muito certo, porque não conseguia parar de pensar que era com você que Steven estava tendo aula).

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E, veja, eu tive muito tempo para refletir, e vi que eu, no final, que acabei sendo o egoísta da história inteira. Como eu tinha dito, eu não tenho nada a perder – nem minha família, ou a minha herança, ou qualquer coisa. Como eu poderia querer que essa decisão fosse simples para você?

Quando descobri que você estava namorando o Parkinson, fiquei tão magoado que não entendi que até este sacrifício era por mim. Também preciso do seu perdão.

Continuo aqui para você, onde sempre estive. Mas dessa vez, vejo que é melhor darmos um passo de cada vez – não adianta querer fazer tudo antes de nos formarmos em Hogwarts.

*********

O mês de abril trouxe à Hogwarts flores, Sol e os primeiros vestígios de dias quentes do ano, assim como sorrisos e energia aos professores e aos estudantes. Apesar da proximidade das provas finais, era perceptível como o clima na escola estava mais suave e como todos pareciam mais otimistas.

Mas ninguém tinha mudado tanto quanto Andrômeda.

Depois de meses de uma notável introversão, no começo daquele mês, ela, pela primeira vez, se levantou da cama depois de uma noite inteira de um sono tranquilo, sentindo-se leve e descansada. Acordara com o sentimento de que havia algo de diferente no ar, e teve a confirmação disso ao olhar seu reflexo no espelho do banheiro e ver, dentro de seus olhos, uma força que ela há tempos não percebia. Pôde notar, também, que algo de ruim havia sido deixado para trás. Ela ainda não sabia o que essa coisa poderia ser, mas tinha certeza de que isso logo se mostraria – e que, com sorte, iria favorecê-la.

E sabia também que isso tinha relação com a carta com a resposta de Ted, que ela havia recebido já há três dias.

Por mais que a estivesse esperando ansiosamente, e ficasse pensando nisso todos os dias, sem parar, ela não conseguira se empolgar no momento em que Sirius lhe passara a carta sorrateiramente em um corredor, e tampouco depois de lê-la. Em sua depressão, Andrômeda tinha se esquecido de como reagir a coisas boas, e precisara de vários dias para conseguir acreditar naquela mensagem. No começo, esperava que fosse acontecer algo que tirasse o significado daquelas belas palavras escritas por Ted – mas agora, tempo suficiente tinha se passado, e ela enfim tinha conseguido entender: era real. Ele ainda a amava e estava do lado dela.

E não podia haver melhor dia para aquela nova energia. Naquela manhã, eles teriam a final do campeonato de Quadribol, em que a Grifinória jogaria contra a Lufa-Lufa – e, embora os estudantes da Sonserina estivessem, em sua grande maioria, planejando faltar o jogo, como protesto à vitória da Grifinória contra eles (que os sonserinos consideraram injusta), Andrômeda estava animada para ir. Queria, por um dia, deixar os livros de lado e aproveitar – e também ver Ted, que era o reserva da Lufa-Lufa e jogaria naquele dia, já que o goleiro do time tinha se machucado no último treino.

Ela tomou banho e vestiu uma blusa de botões com saia. Era bom não precisar de capa, suéter ou cachecol. Tirou um bom tempo para cuidar dos cabelos, e, quando finalmente saiu do banheiro, estava sorridente.

— Por que vocês ainda não estão arrumadas? – Perguntou à Madeleine e Nerida, que ainda usavam suas camisolas e estavam largadas sobre suas camas.

— Porque alguém estava monopolizando o banheiro – respondeu Nerida, sem levantar os olhos do pergaminho em que estava escrevendo o que provavelmente era uma carta.

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— E hoje é sábado – Madeleine, por sua vez, apenas encarava o teto. – Podemos descansar até mais tarde e irmos tomar o café da manhã sem pressa.

— Teoricamente – concordou Andrômeda, que, apesar de não entender bem o motivo de estar envolvendo as colegas de quarto nos seus assuntos. – Mas, se vocês não se arrumarem logo, vamos acabar perdendo o começo do jogo.

Nerida finalmente olhou para ela, com frustração.

— Isso seria péssimo, se estivéssemos planejando ir a algum jogo. Não vamos dar audiência às duas piores casas dessa escola, Andrômeda.

— Mas é isso que eles querem que a gente faça. Nós temos de mostrar para eles que nós vamos assistir ao jogo, nos divertir com uma partida de Quadribol e que não ligamos para se eles estão lá ou não.

— Esse foi o pior motivo para fazer alguma coisa que eu já recebi na vida.

— Eu gostei – surpreendentemente, Madeleine concordou. Com um sorriso de lado, ela pulou para fora da cama e abriu seu baú, procurando suas vestes.

— Isso é sério? – Nerida a encarou, incrédula.

— É – Ela deu de ombros. – Tanto faz. Quadribol é melhor do que passar o dia estudando ou em um tédio infernal.

Madeleine se trancou no banheiro, para se arrumar, e Andrômeda foi para o Salão Comunal. Conversou com grupos de alunos de que nunca tinha se aproximado antes – sobretudo os mais quietos e bem-comportados, que ela sabia que não iriam se meter em encrenca –, e conseguiu convencer uma boa meia-dúzia de sonserinos mais novos a se juntarem a elas. Quando Madeleine saiu do dormitório, todos foram tomar café da manhã juntos.

O Salão Principal estava em clima de festa, e era fácil se deixar levar. Os estudantes cantavam, gritavam, faziam apostas e vagavam para todos os lados do salão – atos que geralmente seriam repreendidos, mas que os professores estavam fazendo vista grossa daquela vez, em consideração ao grande evento –, mas Andrômeda logo notou que Ted não parecia muito entusiasmado. Ele comia quieto, com o olhar baixo, enquanto os amigos dele tentavam incluí-lo nas conversas. Aquela era a primeira vez que ele jogaria em um campeonato, e era fácil imaginar o quanto estava nervoso. Ela precisou controlar o impulso de ir acalmá-lo.

Os times de ambas as casas saíram antes dos outros alunos, que os seguiram minutos depois. O grupo de sonserinos liderado por Andrômeda estava hesitante e um tanto quanto receoso, por ser a minoria naquele lugar, mas seguiu seu caminho até as arquibancadas com firmeza, vez ou outra respondendo ao comentário afiado de algum grifino por quem passavam.

— Então, estamos torcendo pela Lufa-Lufa? – Perguntou um garoto do quarto ano.

— A Lufa-Lufa não importa – respondeu Andrômeda, imitando uma boa sonserina. – Só estamos torcendo para que a Grifinória perca.

Esse posicionamento foi comprovado quando os times entraram em campo. Enquanto os lufanos foram ignorados pelos sonserinos, os grifinos receberam vaias e ofensas (mesmo que abafadas pelos gritos de incentivo e as palmas dos alunos da Grifinória e de boa parte de Corvinal). Andrômeda manteve seu olhar em Ted, que ainda estava pálido e apreensivo. Ele quase caiu ao tentar subir em sua vassoura, o que acarretou a primeira onda de chacotas.

Desde que eles entraram em Hogwarts, a Lufa-Lufa não tinha ganhado o campeonato de Quadribol nem uma vez. Por isso, todo o sétimo ano fazia, agora, uma grande pressão sobre os jogadores, e era fato que, se eles perdessem, a pessoa responsabilizada teria uma reputação negativa até se formar.

Com medo por Ted, Andrômeda instintivamente levou uma mão até a varinha, como se pudesse interferir no jogo e ajudá-lo. No entanto, aquele não era o caso. Tudo que ela pôde fazer foi se debruçar sobre o cercado que separava o campo da arquibancada e esperar, na expectativa. Todos faziam muito barulho e se amontoavam para assistir ao jogo pelo melhor ângulo, mas ela se manteve parada, recusando-se a ser empurrada para fora do lugar.

Os primeiros quatro gols vieram rápido, e foram todos da Grifinória. Ted não conseguiu defender em nenhuma das vezes, e parecia ficar casa vez mais atrapalhado. Madeleine cutucou Andrômeda.

— Aquele lá é o Tonks? – Perguntou, sem nenhuma acusação ou provocação em sua voz. – Ele está estragando o jogo.

— Não é? – Concordou Andrômeda, sem tirar os olhos dos jogares. Não queria dizer algo que desse margem para desconfiança.

Os artilheiros da Lufa-Lufa conseguiram a posse da goles, e a mantiveram longe do alcance do outro time enquanto avançavam em direção aos arcos. Um batedor da Grifinória atirou um balaço contra uma garota, mas ela conseguiu passar a goles para outro artilheiro, antes de desviar, e ele fez o primeiro gol.

Andrômeda não se segurou. Sem pensar, começou a gritar, pular e aplaudir – e não teve problemas com isso, já que todos os outros que estavam com ela, convictos em seu desejo de ver a Grifinória perder, começaram a fazer o mesmo.

Foi então que Ted lançou um olhar para a arquibancada e a viu. Depois do choque claro por ela (que era uma das pessoas mais desinteressadas por esporte naquela escola inteira) estar ali, ele sorriu. Endireitou-se na vassoura e afastou os cabelos louros, bagunçados pelo vento, dos olhos.

E a situação começou a mudar. Ele bloqueou com sucesso duas tentativas de gol, e a Lufa-Lufa marcou novamente. Então, quando um artilheiro grifino fez uma falta ao segurar a cauda da vassoura, a condição do resto do jogo inteiro foi definida: a pontuação da Lufa-Lufa sempre muito próxima a da Grifinória, mas sem nunca passá-la.

Como sempre, os apanhadores que decidiriam o jogo, e, depois de um longo tempo assistindo aos outros jogadores, Andrômeda voltou sua atenção quase exclusivamente a eles. Enquanto o apanhador da Grifinória era um garoto alto do sexto ano, que já estava já três anos no time e raramente decepcionava, a Lufa-Lufa tinha uma garota baixa e magricela do quarto ano, que estava em seu segundo jogo.

A menina logo se provou rápida e competente, cortando pelos outros jogadores atrás do pomo de ouro sem, no entanto, atrapalhá-los. Mas sua estatura era um fator a ser considerado – se a posse do pomo dependesse de um estender de braço, o adversário era muito mais apto.

Eles voaram praticamente um ao lado do outro por boa parte do jogo, e, mesmo quando se separavam por alguns minutos, sempre acabavam por se encontrar novamente ao tentar alcançar o pomo. A lufana estava incomodada com essa situação, e, em determinado momento, passou a tentar caminhos alternativos, dando mais voltas e desvios do que necessário, para se manter afastada. Andrômeda soube que era sobre ela que o garoto de sua casa estava falando quando disse:

— O que essa menina pensa que está fazendo?

Independente do que fosse, em determinado momento, começou a mostrar resultado. Em uma curva, ela terminou muito mais próxima do pomo de ouro do que o adversário, e os expectadores foram à loucura.

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Gritos de incentivo foram lançados para ambas as partes, e o grifino se aproximou dela e do pomo dentro de poucos segundos. A disputa se acirrou. Era difícil definir quem estava na frente, até que, em mais um desvio inesperado, a menina passou bem perto do pomo e então subiu pelo menos mais seis metros nos ares, erguendo o braço para cima. Ela tinha conseguido.

Isso cortou imediatamente a animação da Grifinória e da Corvinal, mas a comemoração da Lufa-Lufa foi tão alta que compensou. Os poucos sonserinos prefeririam berrar chacotas e ofensas para os jogadores grifinos, apesar de não deixarem de pular e aplaudir.

E Andrômeda não se sentia tão contente havia tempos. Ela tinha certeza de que era quem celebrava mais alto, com o peito explodindo de orgulho. A Lufa-Lufa tinha ganhado. Ted era um dos vencedores, e estava rindo, finalmente empolgado.

A pequena apanhadora foi erguida nos ombros de seus colegas de time quando eles pousaram e desmontaram suas vassouras. Os capitães tiveram de cumprimentar e a Lufa-Lufa recebeu a taça, antes de todos começarem a se retirar, do campo e das arquibancadas. Madeleine agarrou o braço de Andrômeda enquanto elas saíam, e gritou, tentando ser ouvida sobre todas as vozes falando juntas:

— Aqueles otários perderam um jogo e tanto!

— Eu avisei — ela riu. Eles deixaram a arquibancada para trás e começaram a atravessar os jardins. Era tão fácil se perder em meio a tantas pessoas andando juntas na mesma direção que lhe deu uma ideia. – Ei, eu já volto.

Andrômeda podia pensar em uma explicação para isso mais tarde – naquela hora, não se importava. Misturou-se com os outros estudantes, despistando o olhar de qualquer um que a estivesse acompanhando antes de começar a correr de volta para o campo.

Ao chegar lá, não muito mais que uma dúzia de alunos ainda estavam nas arquibancadas, e ambos os times estavam se arrumando nos vestiários. Foi em um vão entre eles que Andrômeda entrou, com o coração palpitando, e ficou andando para os lados e chutando pedrinhas enquanto esperava, sem conseguir ficar parada.

Felizmente, os estudantes que restavam por lá não se demoraram muito mais, e ninguém pareceu ter reparado na garota entre os vestiários. Logo depois do último deles se afastar, a porta de um dos vestiários se abriu, e dois garotos do time da Grifinória saíram conversando e bufando, frustrados com a derrota.

Individualmente ou em duplas, os jogadores das duas equipes começaram a sair e a ir reto em direção ao castelo, sem olharem para ela. Como ela esperava, Ted foi um dos últimos, saindo segundos depois da apanhadora, e seria outro a passar reto se Andrômeda não o tivesse agarrado pela manga da blusa e o puxado.

No segundo seguinte, ela estava cara a cara com o garoto com quem não falava havia meses, depois de uma dura briga, e se sentia mais conectada com ele do que nunca.

Eles olharam dentro dos olhos um do outro intensamente por alguns segundos, tão perto que suas respirações já ofegantes se cruzavam e seus peitos se encostavam. Estavam em plena luz do dia e em um local aberto, o que representava grande risco, embora ele estivesse, agora, vazio. Era a típica situação em que deviam se evitar.

Mas não daquela vez.

— Oi – disse Andrômeda, com um sorriso de lado.

Ele tocou seu rosto.

— Oi – respondeu.

Em seguida, como em um movimento ensaiado, ele a segurou e a pressionou contra a parede, enquanto as mãos dela agarravam a parte de trás da blusa dele. Em um impulso mútuo, os lábios deles se encontraram e se abriram para o beijo mais doce e intenso que já tinham dado, misturando o desejo, o desespero e as saudades.

Eles sabiam que, se não queriam ser pegos, não podiam ficar muito tempo juntos, e tinham muito a dizer um para o outro. Mas também sabiam que aquele era um momento único e especial – então, não disseram mais uma palavra, e nem se separariam tão cedo.

Muitas coisas tinham sido tiradas deles, desde o começo de seu relacionamento. Contudo, ninguém tiraria deles aqueles poucos minutos juntos.