We Remain

Whatever happens here...


Caminho pelos confusos corredores apinhados de pessoas com o mesmo uniforme. Tudo está confuso depois de nossa volta da missão na Capital. Panem está confuso, nosso novo lar está confuso, as pessoas estão confusas; eu estou mais confusa do que nunca. Sinto vontade de correr para algum lugar pequeno e escuro onde eu possa me encolher até sumir, como fiz nos meus primeiros dias no distrito 13. Mas eu não posso.

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Tenho que ser eu a contar, devo isso a ele e, além disso, ela já está tão machucada e tenho medo que piorem tudo. Então continuo seguindo o meu caminho até chegar ao quarto dos dois. Paro e respiro fundo. Nunca fui boa com sentimentos.

Bato na porta e escuto um “entre” desesperado e aliviado. Adentro mais um dos quartos cinzentos e desagradáveis do distrito 13. Meu coração está acelerado e minha cabeça a mil, tentando achar uma forma de contar a ela que ele nunca mais voltaria.

– Katniss? – perguntou Annie parecendo surpresa. – Por que está aqui? E o Finnick? Ninguém em diz nada, por que ninguém me diz nada?! – ela grita histérica.

Algo em minha expressão deve ter me denunciado porque, antes que eu possa dizer uma palavra, vejo seu rosto se transformar e seus olhos se enchem de água.

Annie anda de um lado para o outro do quarto com as mãos na cabeça. Eu fico parada sentindo que a qualquer momento vou explodir. Quero fazer algo, dizer que tudo vai ficar bem, mas não consigo, porque não vai. Não completamente, não como antes.

–Katniss. – Annie levanta a cabeça e me encara, os olhos brilhando com lágrimas. – Ele não vai voltar. Ele não vai voltar para mim, não é?

Forço minha voz a sair e sinto meu coração se apertar.

– Não. Sinto muito Annie.

Saio correndo do quarto como a covarde que sou, enquanto Anne grita a plenos pulmões que Finnick prometeu que voltaria. Katniss Everdeen, o símbolo da revolução, não consegue ficar no mesmo quarto que alguém que está sofrendo e tentar, ao menos, ajudar. Que tipo de coragem é a minha?

Não quero ser um símbolo, não quero ser alguém importante, não quero representar a esperança de um povo. Tudo o que quero, nesse momento, é ser um alguém qualquer. Sem responsabilidades, grandes feitos ou expectativas.

Estou quebrada e machucada por dentro e por fora. Minha irmã está morta, Peeta não é mais ele mesmo, meu distrito se foi, pessoas queridas e que eu não conhecia foram mortas e eu vi tudo isso, eu causei isso.

Tudo foi arrancado de mim tão abruptamente. Enquanto havia jogos a ser vencidos, guerras a ser lutadas e palavras a ser ditas, a dor era grande, mas não como agora. Agora que posso me acalmar e pensar em tudo o que me aconteceu. Agora que a dor é tudo o que há em minha vida, do momento em que acordo até o que durmo e depois disso.

Continuo a caminhar sem um lugar em mente até que, de repente, sei para onde devo ir. Mudo de direção bruscamente e aperto tanto meu passo que, quando vejo, já estou correndo. Não demoro a chegar ao meu destino. Soco a porta e um minuto depois Haymitch a abre com cara de poucos amigos.

Ele parece estar tão arrasado quanto eu e posso sentir o aroma forte de bebida em sua respiração.

– O que você quer? – ele pergunta com seu típico tom bêbado e mal-humorado.

– Preciso da sua ajuda. – respondo, a contra gosto, por precisar dele.

Ele suspira e abre mais a porta me dando passagem. Entro em seu quarto tão sujo e bagunçado quanto a casa na Vila dos Vitoriosos. De alguma forma isso me acalma. O velho Haymitch bêbado, mal humorado, que não liga para higiene é uma das únicas coisas que não mudou depois da guerra, uma das únicas coisas da qual ainda tenho certeza.

– Do que precisa? – pergunta depois que fecha a porta.

Em outros tempos eu relutaria admitir o que queria, provavelmente nem diria. Isso me tornaria fraca e vulnerável, exposta. Mas isso não importa mais, não depois de tudo o que vi e vivi. Não me importa que Haymitch saiba os meus reais sentimentos, não me importa que ele saiba que eu preciso de alguém, que eu preciso dele.

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–Peeta. – respondo. – Eu preciso vê-lo.

Haymitch me observa por alguns segundos, e parece ficar sóbrio.

–Até que enfim. – murmura para si mesmo dando um leve sorriso. – Ele está lá fora.

Arregalo os olhos.

–Eles o deixaram sair? – pergunto surpresa

–Katniss, ele o mandaram para guerra!

Aceno com a cabeça concordando. Eles o mandaram para guerra, para me matar e só pioraram a situação dele, só o machucaram mais e eu nunca iria me esquecer, nunca os perdoaria.

–Além disso, mantê-lo trancado não vai ajudar em nada a situação dele.

–Tem razão, mas eles não vão me deixar sair, e mesmo que deixem vai haver um guarda lá e eu não quero ninguém escutando o que vou dizer ao Peeta.

Já estou farta de todos saberem coisas que deveriam ser só nossas, minhas e do Peeta.

–Sei que você vai dar um jeito. Você é a garota em chamas, você é o tordo e, acima de tudo isso, você é Katniss Everdeen. Eu tenho total confiança em você, docinho.

Isso me pega desprevenida. Muito disseram que acreditavam e confiavam em mim, mas nunca achei que ouviria isso sair da boca de Haymitch.

– Obrigada. – sorrio agradecida.

Ficamos em silêncio. Nem um de nós está acostumado a momentos de emoção como esse, nenhum de nós tem ideia do que fazer, esse era o papel do Peeta.

– Acho melhor eu ir. – digo caminhando para porta.

– Sim. – ele me dá passagem e a abro, saindo do quarto. Viro-me antes que ele a feche.

– Você devia arrumar esse quarto, está fedendo. Sabe como eles gostam de organização por aqui.

Ele bufa.

–Não arrumava nada antes e não vou arrumar agora. – rio de sua resposta. O som é estranho para mim, faz muito tempo que não o escuto. – E se me dá licença, tenho que tirar um cochilo.

E bate a porta.

Agora que sei para onde ir não me sinto mais tão segura e decidida, fico parada observando a porta fechada por algum tempo. Quanto mais tempo eu levar para ir até Peeta, menos terei coragem de dizer a ele o que sinto, além disso, não há mais sentido em esconder a verdade. Então forço meus pés a se mexerem e, antes que perceba, estou parada a apenas alguns metros a da porta que leva ao lado de fora da prisão subterrânea que é o 13.

Há dois monstruosos homens guardando a passagem. Sinto toda minha coragem se esvair, nunca passarei por eles, mas tenho que tentar.

Dou alguns passos mantendo uma distância segura entre eu e eles, com uma brecha suficiente caso tenha que correr. Os dois nem se dão ao trabalho de me olhar, apenas continuam segurando suas armas e bloqueando a porta.

– Se me derem licença, eu gostaria de sair.

– Temos ordens de não deixar ninguém passar. – um deles responde.

– Eu sei, mas eu preciso mesmo sair e falar com ele. – isso parece surpreender os dois, que me lançam um breve olhar. Aparentemente não era para eu ter essa informação.

– Desculpe senhorita, mas temos ordens a seguir. Seja o que for que tenha para falar vai ter que esperar.

Antes que eu possa despejar toda minha raiva e frustração nos dois, uma voz conhecida ecoa pelo corredor.

– Deixem-na ir.

Plutarch Heavensbee está melhor do qualquer um de nós juntos. Suas roupas estão impecáveis, sua pele brilha de saúde, seu rosto está calmo e nem parece que passamos por uma guerra. Meu estomago se embrulha e sinto meu corpo se repelir na sua presença. Na presença do homem que ajudou a matar a minha irmã.

– Senhor... – um dos guardas protesta sem paciência.

– Eu disse para deixa-la ir. – Plutarch repete com um tom autoritário. – Não se preocupe, eu lidarei com a fúria de sua presidente, o nome dos senhores nem será incluído. – ele me olha. – Tenho certeza que a senhorita Everdeen também não dirá nada.

Concordo com um aceno seco de cabeça.

Os dois homens se olham por alguns segundo, numa discussão silenciosa, e se afastam abrindo a porta para mim.

Viro para Plutarch que ainda me observa. Se ele espera que eu lhe agradeça vai esperar sentado. Tudo o que tenho vontade de fazer é socá-lo e perguntar se não o deixa acordado, à noite, saber que foi responsável pela morte de crianças.

Plutarch deve saber disso, porque não parece esperar nada de mim, ele apenas acena com a cabeça levemente.

Sem agradecer ou dizer uma palavra sequer aquele homem que eu tanto desprezo e odeio, viro as costas e caminho em passo firmes e seguros até a porta aberta, até Peeta.

Assim que piso na grama e sinto a brisa que bate em meu rosto, trazendo o cheiro de natureza e ar puro, meu corpo inteiro relaxa. Observo o lugar com suas árvores, som de pássaros e água correndo. Sinto-me em casa, mesmo estando tão longe.

Não preciso procurar muito para achar o garoto de cabelos loiros. Peeta está a minha esquerda sentado de costas para a porta, num tronco caído, ele está inclinado para frente parecendo concentrado.

Caminho com cautela para perto dele e paro ao seu lado.

– Um segundo, só preciso acabar isso aqui e... pronto. – ele tira os olhos do que estava fazendo e os levanta para mim. – Katniss?!

Peeta ergue as sobrancelhas e me olha num misto de surpresa e choque.

– Oi. – sorrio, de verdade, para ele.

– Eles deixaram você vir? – ele vasculha a floresta. – Sem nenhum... guarda?

– É. – sento ao seu lado cautelosamente, com nossos ombros quase se tocando. – Tudo bem, confio em você.

Ele me encara com um misto de dúvida e tensão. Olho bem fundo dos seus olhos azuis, não há mais o brilho de antes neles.

– O que está fazendo? – pergunto quebrando o silêncio.

Peeta demora um pouco para sair do que parece ser um transe.

– Ah... eu estava desenhando. – ele levanta um bloco de papel e eu observo o rosto de Finnick, todos os detalhes tão reais que parece ser uma fotografia. Olhar para o rosto no papel e saber que nunca mais o verei novamente causa um sentimento estranho. – Estou pensando em dá-lo para Annie, sei que não vai trazer o Finnick de volta nem nada, mas...

– Tenho certeza que ela vai adorar. – falo rápido demais e ele sorri de leve e colocando o desenho de lado.

Ficamos em silêncio por algum tempo apenas aproveitando a liberdade, o silêncio e a calmaria que não víamos desde a colheita que nos enviou para o primeiro dos Jogos.

– Soube que vão mandar nós dois para um tratamento psicológico na Capital, depois que... – Peeta deixa a frase morrer.

Depois que eu matar Snow. Completo mentalmente.

Esperei por esse momento a guerra inteira, mas agora que ele está perto, já não me é mais tão atraente.

–Só que, cá entre nós, sabemos que você não vai sentar numa cadeira e falar com estranho sobre os seus sentimentos, talvez isso aconteça no mesmo dia em que Haymitch parar de beber. – Peeta ri de leve e meu coração acelera. Parece que estou conversando com o velho Peeta, aquele que não fora telessequestrado pela Capital. O Peeta que não me odeia. Momentos como esse me fazem questionar se o verdadeiro Peeta ainda não está lá. Talvez eu tenha que escavar todas as camadas de ódio e medo colocadas pela capital em seu cérebro. Se isso for preciso para que eu tenha o garoto com o pão de volta, eu o farei.

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– Katniss. – ele chama hesitante. – O que você veio fazer aqui?

Olho para meus pés, como posso simplesmente dizer a ele que estou aqui por que ele é o dente de leão que traz a luz em meio à escuridão e que não posso viver sem ele? Como posso dizer isso quando ele parece me odiar.

– Eu... - respiro fundo. – Você não me ama mais? Não sobrou nada de bom?

Sinto as lágrimas lutando para sair e não as impeço. Talvez seja disso que eu preciso, deixar que toda a tristeza, a dor, o medo, a angustia, o terror e o ódio saiam.

Peeta se levanta e caminha de um lado para o outro por um tempo, enquanto eu choro.

– Não... não, não sei, eu... – ele para em frente a mim e fecha os olhos. – Depois que eles me resgataram da Capital eu te odiava muito, eu queria te machucar.

Encolho-me a lembrança de suas mãos em meu pescoço.

– Era por isso que eu dizia aquelas coisas, eu estava enfurecido. Mas...

Ele se ajoelha na minha frente.

– Quando eu cheguei aqui, depois de constatarem o telessequestro, todo mundo ficava me dizendo que eu te amava desde que éramos crianças, todo mundo. Mesmo assim eu não consegui acreditar por inteiro, o veneno deixava tudo confuso, lembro da conversa que tivemos na caverna e de você cantando a canção do vale, depois disso houveram outras lembranças boas, e eu acho que são reais porque não parecem distorcidas ou exageradas.

Peeta segura minha mão na sua, elas são quentes. Eu não deveria baixar a guarda tão fácil, não deveria deixa-lo me tocar quando não há ninguém para me ajudar se ele surtar, mas já passamos por momentos piores antes.

– Apesar disso eu ainda tinha dúvidas se não estavam mentindo para mim, então Coin me mandou para aquela missão e, por incrível que pareça, eu tive certeza de que realmente amava você. Porque quando estávamos no Moedor de Carne e eu disse que não queria seguir em frente e você me beijou, mesmo com grande parte de mim querendo se afastar aquilo me acalmou. – ele sorri de leve e examina meus dedos queimados - Uma pequena parte de mim pareceu acordar naquele momento e ela venceu todo o veneno, o medo e a paranoia, algo assim não pode ser invenção de outras pessoas.

Peeta toma meu rosto em suas mãos e me beija, eu o correspondo. Esse beijo é diferente dos beijos que trocamos na Arena, é calmo, porque não há mais o medo de que sejamos tirados um do outro ou que alguém nos machuque, ninguém pode nos separar, nem os Jogos, nem Snow, nem a confusão na mente de Peeta e na minha. Porque ele é o dente de leão que sempre vai trazer a luz e esperança, mesmos nos dias mais escuros.

– Você não me odeia mais. Verdadeiro ou falso? – pergunto

– Verdadeiro. Ninguém vai conseguir me fazer te odiar, porque você é garotinha com as duas tranças que sabia a canção do vale. A garota que eu sempre amei.

Encaro Peeta, eu também o amo. Talvez não seja a hora, ainda, de proferir essas palavras, mas eu tenho certeza disso e sei que Peeta, de alguma forma também sabe.

Com o tempo vou dizer o que tenho a dizer, mas por enquanto só isso basta.

Meu nome é Katniss Everdeen. Tenho dezessete anos. O meu lar é o Distrito 12. Participei dos Jogos Vorazes. Escapei. O Distrito 13 ainda existe. A Capital não existe mais. Minha irmã está morta. Eu estou viva. Peeta está aqui. Ele ainda me ama. Eu o amo. Ninguém mais pode nos machucar. Ninguém pode nos afastar. Tudo vai ficar bem.

Tudo vai ficar bem. Pela primeira vez essa sentença parece verdadeira, ela traz uma esperança consigo. Já passamos por tanta coisa que sei que não importa o que aconteça daqui para frente, nós vamos sobreviver.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.