Entre Otakus

Vitor


Ele precisou de toda paciência do mundo. Respirou fundo, agarrou a barra extensora e retornou para seus exercícios. Procurou concentrar-se nos movimentos, esvaziar a mente de todo aquele aborrecendo. Se ignorasse talvez a raiva passasse, se continuasse alimentando-a de certo o engoliria. Engoliria aos dois, aliás.

Sua namorada parara com as abdominais. Estava sentada num banco, observando-o, procurando todos os sinais de ciúmes que ele esboçaria. Era desse modo que funcionava entre eles agora. Hermione contava algo que o deixava louco de ciúmes e ele tinha de controlar-se porque vivia num teste. Ela queria a todo custo descobrir o maluco dentro dele porque, para a moça, certamente estar junto de Vitor vinha sendo uma experiência, não um relacionamento.

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A última nova que acabara de contar fora sobre seu estranhamente “casual encontro” com o ex-noivo. O playboy. Ingenuamente a morena não percebera que o desgraçado a estava rondando. Mas ele sabia. Vitor sabia dessas coisas. Ele tinha certeza. E ainda houve um convite para saírem todos juntos, porque supostamente o fulano encontrara o verdadeiro amor e queria que a antiga noiva a conhecesse.

Hermione jogara a história no ar, talvez querendo que ele falasse o quanto de felicidade ele desejava para o tal também. Não, ela o estava testando. Se ficar feliz será um Krum forçosamente repaginado. Se fingir ignorância e fazer um comentário simples será um Krum diferente, menos tempestuoso. Agora, se agir desse modo como está fazendo, carrancudo e calado, então ela verá que é o mesmo Vitor de sempre.

O búlgaro terminou os exercícios de barra e caminhou para a mochila ao lado dela, pegando uma toalha e enxugando o suor da testa. Situavam-se na área livre de exercícios do clube. O lugar encontrava-se praticamente vazia naquele horário da tarde. Hermione o acompanhava, às vezes usava a piscina, mas quem aproveitava aquele espaço mais era ele.

— Não vai me dizer nada? — a garota quis saber. Se passara quase vinte minutos desde que ela revelara a conversinha mole com Córmaco na universidade e ele virara as costas, calado, para as máquinas.

Vitor pegou a garrafa de água, bebeu longamente e voltou a limpar o suor do rosto. Só então decidiu responder:

— Que tipo de namorado você espera que eu seja?

A pergunta a desajustou. Ela precisou de alguns segundos para elaborar uma resposta:

— Espero que seja alguém com quem eu possa conversar sobre todo e qualquer assunto. Que não precise de ficar pesando cada palavra para não te magoar ou te encher de ciúmes, como aconteceu agora.

— Você terminou com esse babaca não tem nem seis meses! Como acha que eu me sentiria quando me diz “Sabe o meu ex, o milionário? Então, encontrei ele ontem. Tava tão bem. Fiquei feliz por ele”.

— O que queria que eu dissesse? Que não fiquei feliz?

— Não queria que dissesse nada. Poderia era ignorá-lo, o que seria mais condizente com a ideia de não estar querendo nada com ele.

— Isso é tão, mas tão ridículo, que não sei nem por onde começar! Córmaco aparece — dizer o nome dele era só para provocá-lo — e eu viro as costas, então ele tenta estabelecer um diálogo e eu simplesmente finjo que não está falando comigo?! É isso que quer? Que eu dê uma de autista?

— Que tal sair da biblioteca e dar um verdadeiro gelo naquele idiota? Eu acho uma ideia excelente.

— Verdade! É excelente desviar dos meus planos, continuar carregando diversos livros pesados e pagar uma multa no próximo dia porque é conveniente para não alimentar o ciúme doentio do meu namorado!

— Se me acha doentio, porque me conta essas coisas então? — ela o encarou, indecisa. Vitor sabia qual argumento tinha em mente, entretanto coragem para dizê-lo obviamente não.

Duas pessoas da faxina passaram para dentro do salão de festas de olhos no casal. A súbita discussão levaram os dois a elevarem o tom de voz.

— Eu achei que tinha mudado...

— Hermione, seja franca, tenha consideração comigo. Você tem consideração comigo? — ela responderia, se Vitor não a interrompe-se e continuasse falando — Não é a primeira, a segunda, nem a décima vez que monta esses diálogos cheios de ciladas para capturar um pouco do meu ciúme. Esse sou eu, droga! Sou ciumento sim, estou tentando reduzir a intensidade, mas se não me der brecha vai ficar difícil — desabafou, frustrado.

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Ela o pegou pelas mãos e o puxou para sentar-se ao seu lado. Seu olhar mudou de acusador para acolhedor.

— Não era minha intenção. Achei que poderia estar te ajudando tornando essas situações mais naturais.

Ele percebeu que respirava rápido e forte, então foi diminuindo o ritmo, buscando a paz novamente.

— Se eu disser que fui leviano durante esses quatro anos, como você se sentirá? Não foi a única, eu menti. Eu dormi com outras mulheres e com todas foram tentativas de recomeçar e tentar te esquecer. Isso vai te enciumar? Coisas assim deixam qualquer despretensioso sem confiança.

— Porque mentiu para mim?

— Essa é a questão! Porque não omite coisas sem importância para o andamento da nossa união? Encontrou aquele playboy? Ótimo, guarde para você. Ou agora toda vez que esbarrar em algum dos meus casinhos do passado poderei convidá-las para uma refeição na sua companhia?

— Não disse pra gente ir comer com ele! Droga, Vitor! Que porcaria de conversa é essa que estamos tendo?

O rapaz ficou quieto, rodando a garrafa de água nas mãos.

— Quero a Hermione do passado. — se viu dizendo.

A namorada mirou-o atônita.

— Como eu era no passado?

— Nós tivemos muitos passados e em um deles você vinha para mim sem preocupações e testes. Foi nesse passado que me ajudou a me erguer e fez com que me apaixonasse de fato.

Hermione escondeu o rosto com a mão.

— O acidente do seu pai...

— A fase em que fomos mais eu e você do que todo o resto.

A morena sabia ao que ele se referia. Acontecera há quase uma década. Iavor Krum sofrera seu acidente automobilístico e Vitor possuía apenas 16 anos. Todo o processo desde ele saber da condição física futura do pai até os primeiros anos de adaptações foram profundamente desgastantes. Iavor pouco colaborava naquela época, sempre ranzinza e a beira da depressão. Também carregava dores terríveis na coluna esmagada se tornando uma companhia deprimente para seu filho adolescente.

Nesse tempo Hermione e ele já namoravam há dois anos. Ela era tão jovem quanto ele, mas fora a cabeça fria e prática que Vitor precisou para levar todo momento sem surtar. Ajudava-o nas compras, o ensinou a cozinhar alguns pratos básicos, ia buscar remédios para Iavor quando o rapaz estava ocupado na escola ou no trabalho na oficina, e, o mais crucial, o estimulava a ter paciência com tudo aquilo. Dizia que o momento passaria e, dali algum tempo, seu pai voltaria a ser o prodigioso Sr. Krum costumeiro. Hermione não disse nenhuma inverdade. Os anos trouxeram o equilíbrio para pai e filho, e para seus espíritos, após aquela desgraça.

E o que ele só viera a descobrir anos mais tarde, foi que, do mesmo modo que Hermione apoiava Vitor com palavras e otimismo, fazia com Iavor. Uma garota atenciosa nos gestos e bem-humorada nas palavras contagiara o ambiente e levara a baixo-estima do pai.

— Ultimamente você vem me fazendo sentir-me egoísta. — a voz de Hermione estava embargada. Ele olhou-a e viu seus olhos marejados.

Era só isso que via nela desde que começaram, choros e choros. Como se ele fosse novos motivos de tristeza ao surgir outra vez no convívio dela.

— Mione, não quero te ver triste. — pegou-a pelo ombro, querendo um abraço. A moça repeliu suavemente.

— Desculpe, desculpe outra vez.

— Para de pedir desculpas. Você continua tão incrível...

— Sem exageros. Vitor, você está certo. Eu do passado e eu do presente são coisas distintas.

— O meu eu do passado também era melhor. — ele argumentou, agora arrependido por levantar a questão. Dizer que Hermione fora melhor antes era algo cruel e injusto para ela.

— Não. Aí que você se engana.

O búlgaro procurou confortá-la mais uma vez. A jovem o repeliu com mais determinação, levantou e disse:

— Vou para casa,ok?

— Vamos...

— Não. Fique aqui e termine seu treino. Eu quero ir sozinha. — pediu.

Então ele ficou vendo-a se distanciar. Não a pressionou, não insistiu. Completamente perplexo, descobriu que não sabia mais o que fazer para Hermione. Com Hermione.