Agatus - A Descoberta

Brigas Procedem


O banho quente foi mais duradouro do que eu imaginava. Com o chuveiro ainda aberto, jorrando água prateada, que emitia uma fumaça branca, espelhando os azulejos do banheiro, olhei-me pelo espelho enorme, com manchas e pequenas rachaduras nas bordas, que pendia na parede esquerda. O vapor da água o deixava completamente embaçado, com isso, pude desenhar coisas aleatórias, que não faziam o menor sentido. Desenhei um símbolo estranho, parecia ser uma lua invertida, com pequenos raios saindo de suas extremidades. Logo lembrei do sonho vazio que tive. Tinha certeza, já tinha visto aquele símbolo. Mais não me lembrava. Quanto mais forçava para lembrar-me, mais minha mente doía. Eram flashes escuros, borrões negros.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Algo me despertou de meus pensamentos inteiramente súbitos. Eram batidas únicas e ocas. Minha mãe.

– O que é? – respondi, pegando a toalha rosa.

– Você já está aí há quase uma hora. – sua voz era rígida e seca, embora não tinha notado vestígio algum de irritação. – Desça logo. Vou pôr o almoço. – a voz sumiu seguida de passos singelos no piso de madeira.

Escolhi uma roupa qualquer, blusa vermelha, calça preta e a mesma touca. Arrumei o cabelo embolado e desci para o almoço.

Peter estava jogado no tapete persa, ignorando o sofá, com o controle preto em mãos. Os olhos não desviavam um segundo da TV. Joguei algumas almofadas no chão, me sentando junto a ele.

Ele era meu irmão, mais novo do que eu. Tinha 13 anos, e veio ao mundo quando eu tinha apenas 4 anos de idade. Minha mãe soube que estava grávida, alguns meses antes da morte do meu pai. Às vezes eu fico triste por saber que não passei o tempo suficiente com meu pai, mas depois, penso em Peter. Ele não conheceu o pai, pois ele morreu antes de saber que ele viria ao mundo. Agora, estou encarregada de cuidar dele, com a minha vida, mesmo ele sendo um garoto rebelde que não me respeita.

Nós estávamos assistindo um desenho estrando, muito infantil para idade dele, que eu nunca tinha visto. Ele parecia mais pasmo do que eu. Revirava os olhos azuis a cada movimento que os bonecos faziam, que eram totalmente deformados, com roupas loucamente coloridas. Um homem alto e esguio estava prestes a comer um sanduíche gigante, quando minha mãe gritou por nosso nome.

Levantei-me rapidamente do chão, jogando algumas almofadas de lado. Podia sentir o cheiro leve da comida. Reconheci. Era minha comida predileta. Lasanha.

Minha mãe, com pratos empilhados nas mãos, estava rodeando a cozinha, para observar se não teria nada fora do seu devido lugar. A cozinha brilhava e cheirava a lasanha de queijo. A pia estava limpa, os copos não se encontravam empilhados nos pratos, o que era uma surpresa.

Peter estava sentado em uma das cadeiras de madeira, do lado oposto da mesa de vidro, onde eu normalmente sentava. Fiz um sinal para sentar-se em outro lugar, que foi retribuído por uma careta Peteriana em indeferimento ao meu pedido. Não hesitei. Sentei em outra cadeira, ainda encarando Peter, que me lançava um olhar fúnebre.

– Estão com muita fome? – minha mãe largou os pratos em cima da mesa de vidro, fazendo o arranjo, de flores vermelhas, balançar. Enquanto ela servia a comida para Peter, pude ver seus cabelos ruivos caindo sobre o avental vermelho. As unhas descascadas, antes pintadas de um vinho escuro, passeavam pelos cabelos negros de Peter. Ela sentou-se ao meu lado, seguindo um sorriso suntuoso e familiar.

– Peter, como está na escola? – perguntou olhando fixamente para Peter, o que o incomodava bastante.

Ele não respondeu. Sabia que, se falasse, ela acabaria de vez com suas regalias exageradas.

Ele olhava para o prato, tranquilamente, brincando com o garfo brilhante, assim como uma criança de 3 anos de idade. Ele ergueu os olhos, que passearam por mim como se eu estivesse invisível.

– Por que não pergunta isso para a kat? – perguntou com uma desconsideração constante.

– O ano já acabou para mim. Passei direto – falei. Minha mãe me ignorou do mesmo modo como sempre fazia.

– Peter? – perguntou, como se não tivesse me ouvido.

Peter a olhou.

– Por que quer saber? – perguntou. Eu podia ver um ponto de ira em sua face. – Você nunca se importou. – seu rosto estava enrijecido, principalmente nas bochechas.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Me importo porque sou sua mãe. – a voz dela era calma, totalmente diferente da situação que ali ocorria.

Peter largou o garfo, que brilhava como uma bala de prata, impetuosamente, fazendo com que se chocasse com o prato. Achei que iria quebrar.

– Eu não sou a Kat! – sua voz se alterou. Minha mãe arregalou os olhos intensamente azuis. Já era de se esperar isso. Peter sempre ficava irritado quando ela tocava nesse assunto do colegial. Ele não gostava de estudar. Ele não gostava de mim, mesmo sendo meu irmão.

– Eu sei. – ela estava prestes a chorar. Eu podia ver em seu olhar de desapontamento. - Você é diferente. Sua personalidade é única.

Peter parecia enojado com aquilo tudo.

– Não estou nem aí. – ele se levantou da cadeira. – Como você. – seus ombros estavam rígidos e os punhos cerrados. – O que vai adiantar? Você não se importa mesmo.

– Peter! – minha mãe gritou quando Peter já estava subindo as escadas. Ela levantou ainda me ignorando. Seu olhar era de pura irritação – Ah, esqueça. Não estou com fome.

Ele recolheu os pratos, ainda cheios de comida, exceto o meu.

Acabei de comer e fui para o meu quarto bagunçado.

As janelas estavam cerradas, do jeito que tinha deixado antes, permitindo pouca luz entrar. As roupas estavam espalhadas por toda a parte. Livros estavam empilhados no chão. O guarda-roupa estava completamente cheio, a ponto de explodir. A cama roxa, estava repleta de roupas. Devo admitir, estava uma bagunça.

Joguei algumas roupas de lado. Necessito de um armário novo – pensei – E de uma arrumação. Joguei-me na cama, pegando o celular na cômoda. Havia uma mensagem não lida. David.

Abri a mensagem rapidamente.

Mudanças de planos. Encontre-me às 15h.

Desculpe.

Olhei para o relógio, que marcava 14:30h da tarde. Levantei. Direcionei-me ao espelho da cômoda. Vesti a jaqueta preta e calcei as botas marrons. Não queria me arrumar muito e me encher de perfume. Assim eu assustaria David. Afinal, não era nada, apenas um singelo encontro.

Desci as escadas e encontrei minha mãe sentada no sofá. A TV estava desligada. A sala estava escura, ainda sim podia vê-la.

Ela estava descalça, com os pés brancos em cima do estofado vermelho. Os braços envolviam os joelhos, repousando o queixo neles. Repousei ao seu lado, ela pareceu não me notar ali.

– Mãe? – ela me admirou com um olhar vago. Estava cansada. As olheiras eram visíveis e assustadoras. A magia de seus olhos, azuis esplendidos, havia se ofuscado em nuvens negras.

Ela passou uma das mãos frias por meus cabelos, ainda me olhando, com olhos semicerrados. Ela parecia estar sóbria.

– Como você cresceu nos últimos 4 anos. – sua voz era calma e cansada.

– Creio que você nunca reparou nisso. – ela abriu os olhos por completo.

– Não. Eu só não tinha tempo para observar as coisas maravilhosas que você fazia.

– Não mãe. Apenas Peter importa para você. – ela me olhou apreensiva, sem o que dizer.

– Filha, Peter é mais novo que você. – disse – Por isso, é uma obrigação minha dar uma atenção maior para ele.

Eu parecia incrédula.

– Peter já é um adolescente. – ela sugeria não me escutar – Sabe se virar sozinho.

Ela desviou os olhos de mim.

– Tenho que te contar umas coisas. – desejei que ela não tivesse dito isso. Toda vez em que ela queria me contar algumas coisas, era porque nós iriamos nos mudar ou nossa avó iria nos visitar, depois de anos sem aparecer ou ao menos ligar.

Olhei para o relógio verde que pendia na parede dos quadros velhos da mãe. Já estava atrasada. Peguei a bolsa de couro e levantei do sofá.

– Depois. – abri a porta. Ela me fitava com olhos impassíveis.

– É sobre seu pai. – em um instante, parei ainda com a as mãos na maçaneta da porta. Seu olhar era fixamente direcionado a mim.

Hesitei por um instante. Ela sabia que aquilo me interessava. Afinal, era algo a propósito do meu pai. Nós não tocávamos nesse assunto já fazia anos. Em fim, não poderia deixar David me esperando.

– Quando eu voltar. – fechei a porta atrás de mim. Meu coração pulsava, as mãos tremiam.

David estava encostado em uma mureta amarela. As mãos se encontravam nos bolsos da jaqueta e o olhar azul perdido no horizonte. A me ver, disparou um sorriso admirável e familiar.

– Katharine Jones. – ele estendeu a mão – Tudo bem?

– Sim. – correspondi com um aperto de mão modesto. – Atrasada?

David mordeu o lábio.

– Não. Acabei de chegar. – mas sabia que estava mentido. – Vamos? Não quero chegar tarde. – segui atrás dele, que saiu em passos apertados pela calçada.

O lugar cheirava a café velho e era pouco iluminado, embora houvesse janelas sobrepostas nas paredes onde os assentos vermelhos se encontravam encostados. Um ventilador velho e imundo que pendia no teto, circulando vagarosamente.

Sentamos em um dos assentos no fundo do lugar, onde era mais escuro. David sentou a minha frente.

– Então, o que vai ser? – perguntou. A pouca luz, deixava seu rosto escuro, ainda sim admirável.

– Café. – respondi brincando com um vidro vermelho de ketchup. David olhava pela janela.

A Srta. Colins, a tia de David – adona do lugar – se aproximou de nossa mesa, acariciando o cabelo dele. Ela usava um avental florido, os cabelos loiros tingidos, presos em um rabo de cavalo.

– O que vão querer meus amores? – ela tinha nos lábios vermelhos um sorriso de dentes brancos. Sua educação me irritava.

– Para mim um chocolate quente e para minha amiga aqui um café. Nada de hamburgers. Eu estou de regime e minha amiga é vegetariana, eu acho. – David ironizou. Em seguida, deu uma piscadela para uma moça alta e morena que passava, com uma bandeja recheada de copos sujos. Ela usava o mesmo avental que a Srta. Colins usava.

– O.K, só isso? – ela anotava em um bloquinho de papel amassado.

Ele agitou a cabeça em sinal de sim. Ela sorriu e afastou-se, quando David a segurou pelo braço.

– Espere. – ele parecia desesperado. – Não esqueça dos marshmallows. – soltei uma risada discreta, ainda sim, eles me ouviram. Eles me olhavam como se eu fosse doida.

Ela revirou os olhos azuis, como os de David.

– Tudo para o meu sobrinho lindo. – ela sorriu, embora não estivesse mais aguentando aquela coisa toda. Em seguida, retirou-se. Ela andava de uma forma graciosa, demonstrando belos quadris largos. Lembrei da minha mãe.

– Esse lugar não é incrível? – ele parecia exaltado. – É um pouco quente no verão, mais a comida é muito boa. – ele estava feliz, eu podia ver em seu rosto formoso.

Fiz que sim com um movimento de cabeça. Ele pareceu não entender.

– Você está bem? – perguntou. Seus olhos estavam abertos e vermelhos, como uma bola de fogo. – Amanhã é a festa de 17 anos da Ashley. Você vai? – perguntou sem demandas.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Ela não me convidou. Ela não gosta de mim.

Seu sorriso se desfez.

– Ela não gosta de ninguém.

– Eu sei. Você vai?

– Claro. – confirmou – As pessoas mais populares da escola e do bairro estarão lá. – ele se aproximou de mim. Daria para nos beijar. Descartei esse pensamento. – Você precisa ir. Eu vou ficar sozinho. – ele fez aquela carinha de choro, exalando fofura e lindeza. Ele sabia que eu não resistia. – Diga que vai?

Fiz que sim com a cabeça, finalmente concordando.

David disparou um sorriso.

– Então ás 20h. – ele parecia estático – Irei passar na sua casa.

Ele continuava a falar, mais eu não o ouvia. Estava tonta. David, derrepente, virou um borrão escuro. Imagens brancas surgiam subitamente em minha cabeça. Era como o sonho que tive na noite passada. Eram borrões escuros num lugar claro e nítido. Um homem alto e familiar dançava comigo gentilmente. Relapsos, como relâmpagos em fúria, atravessavam minha mente. Pude notar um símbolo estranho, que já teria visto antes. Mais cedo, no banho, desenhava algo no espelho, semelhante a esse que vi agora. O homem segurava um colar, que pendia em seu pescoço pálido. Seu medalhão era detalhado com o mesmo símbolo estranho.

– Kat? – era David me despertando de minha alucinação. – Está tudo bem?

Olhei para os lados. A Srta. Colins se encontrava a minha frente, com uma jarra de café em mãos. Ela me olhava fixamente, com uma expressão intimidante.

– Você está bem menina? – perguntou.

Fiz que sim.

Ela e David se entreolharam, e em seguida ela se retirou.

David me olhava.

– O que aconteceu? – ele parecia preocupado. – Beba o café, vai esfriar. – ele apontou para o copo de café a minha frente, que por sinal, não notei.

– Eu estou bem. – confirmei. – Só estou cansada. Só isso.

– Tudo bem. Amanhã, ás 20h da noite esteja pronta.

Quando cheguei em casa, as janelas estavam cerradas, as luzes apagadas. Minha mãe estava sentada no sofá. Dessa vez, a TV estava ligada.

Tentei não chamar muita atenção.

– Está tarde. – sua voz era normal. – Onde foram?

– Tomar um café. – ela não estava acreditando em mim. – Da Srta. Colins.

Ela estava irritada. Aposto que, depois que eu sai, ela e Peter tiveram uma briga.

– Isso não é desculpa.

– Mãe, eu só fui me divertir um pouco. – minha voz estava estranha. – Você não liga para mim. Eu sei que estou sendo exagerada mais... Eu gosto da sua atenção. Mais parece que você não liga. Há quanto tempo agente não conversa? – ela me olhava com olhos atentos, embora ainda estivesse cansada. – Nós não saímos já faz tempo. Nós nunca mais montamos a árvore de natal. – eu estava prestes a chorar. – Me diga mãe, aonde quer chegar com isso tudo? Diga-me!

Ela arregalou os olhos.

– Está de castigo. – ela foi fria e curta. Senti raiva. – E não saia daquele quarto até que eu permita, ouviu mocinha?

Eu não acreditava no que estava ouvindo.

– Então agora alegar uma coisa, que está errada há anos, é crime?

Ela não suportava mais ouvir minhas palavras.

– Vá para o quarto. Agora!

– Você devia ter vergonha. – subi as escadas correndo, sem me importar se Peter estaria dormindo.

Estava com raiva da minha própria mãe. Eu sei. Isso é patético.

Mas eu tinha meus pretextos.