O resto do dia no restaurante passou bem devagar. Jin e eu não trocamos nenhuma palavra depois do ocorrido. Não porque ele estava furioso, mas porque eu estava chateada demais para falar qualquer coisa, e ele aparentava o mesmo.

Eu já não sabia o que pensar, e não sabia o porquê de eu estar daquele jeito. Sempre presenciei as namoradas de Jin e nunca havia sentido nada, mas dessa vez era diferente. Eu não era mais a única opção do ruivo, eu era uma delas. Eu não era mais sua garota especial, era uma das garotas especiais. E eu não queria dividir o meu melhor amigo.

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Talvez fosse um ciúmes súbito de posse, sei lá, era estranho.

– Acho que terminei por hoje – entreguei a fantasia para a gerente, que pegou cuidadosamente o vestido e o guardou no armário.

– Bom trabalho Amy, as crianças te adoraram – comentou.

– Elas deram um trabalho enorme – dei um sorriso exausto – Principalmente quando jogaram bolo na minha cara...

A gerente riu e pegou um pequeno envelope:

– Aqui está o pagamento do dia, e o bônus já esta incluso – disse entregando-o para mim

– Mas não íamos discutir o bônus depois do expediente? – perguntei confusa

– Jin veio me procurar antes do turno acabar, pediu para que eu deixasse tudo para você.

Olhei para a gerente surpresa, eu não esperava por aquilo.

– Entendo...

Ela sorriu e foi caminhando até sair pela porta.

– Boa noite, Amy.

Acenei para ela e fitei o envelope. O que significava aquilo? Balancei a cabeça espantando todas as ideias da cabeça. Eu precisava ir embora para casa, precisava pensar.

Abri a porta para ir embora, estava tudo assustadoramente escuro. Passei o olhar pelo vestiário de novo, não queria sair sozinha. Jin parecia já ter saído. Suspirei.

Já há algum tempo andando pela rua deserta – alguns metros depois do restaurante-, ouvi alguns passos atrás de mim. Decidi andar mais rápido, por precaução. E à medida que eu acelerava os meus passos, os passos atrás de mim faziam a mesma coisa. Senti um pânico percorrer todo o meu corpo e comecei a correr. Não olhei para qualquer lado, apenas abracei meus braços enquanto corria. Assim que eu parei para tomar fôlego para retomar a corrida, uma mão tocou o meu ombro.

– AHHHHHHHHH!!

– Calma Amy! Relaxa. – disse a pessoa entre risos – Respira.

Olhei para trás e vi Elesis rindo, acompanhada de um cara alto de cabelos azuis. Os dois estavam de mãos dadas.

– Elesis sua IDIOTA! – gritei afobada, tentando recuperar o ar – Como você me assusta desse jeito?

– Você não me deu outra opção, começou a correr que nem uma desesperada – riu a ruiva, ofegante por ter corrido atrás de mim – Alias, por que você estava andando aqui sozinha? É perigoso demais andar por esse lado numa hora dessas.

Suspirei pesado e fiz uma careta.

– Longa história – respondi. Depois passei meu olhar para o azulado ao lado dela. Fiz um sinal para Elesis se inclinar e cochichei – Quem é esse?

Ela olhou para os lados, pensando mesmo se falaria ou não. Fez um sinal para o azulado e agarrou meus braços me puxando para longe.

– Ele se chama Ronan – ela mordeu os lábios – Meu professor de cálculo.

Meu queixo caiu. Ela deu um sorrisinho e olhou para ele novamente.

– Elesis! – disparei em voz baixa, tentando não gritar – Você pirou? Ele é seu professor! Tem ideia do que isso pode causar pra vocês dois?

– Eu sei eu sei – ela começou a andar de um lado para o outro – Mas você sabe como eu adoro não seguir as regras. E além disso, ele é incrível Amy– ela parou e abriu um sorriso meio acanhado – Ele é incrível de verdade.

Fiquei analisando a expressão da ruiva ao me dizer aquilo. Ela esboçava um sorriso sincero, amável. Algo que eu só havia visto uma vez quando ela havia arrumado seu primeiro namorado, e estava mais feliz do que nunca.

Apontei para o banquinho ao nosso lado e nos sentamos. Ela soltou alguns suspiros ao fitar Ronan e se jogou no encosto do banco.

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– Você não faz ideia de como é a sensação de sair escondido com ele – deu uma risada travessa, jogando os braços para cima – É a coisa mais excitante do mundo.

E arriscada, completei mentalmente.

– E como que vocês começaram tudo isso? – perguntei me encostando ao seu lado enquanto espreguiçava as pernas. O azulado começou a andar um pouco mais para perto de nós, só para prevenir caso algo acontecesse.

– Bom... – ela abriu um sorrisinho ao começar a se lembrar – Tudo começou em um dia de verão.

“ Eu estava desesperada com a matéria de calculo, mesmo que eu adorasse a matéria de exatas, a grade do Ronan estava me matando. Por mais que eu estudasse, eu não conseguia fazer nada. E a prova dele já estava chegando.

Ronan é muito famoso com as garotas da faculdade, já vi muitas universitárias dando em cima dele. Algumas indiretamente, e outras totalmente descaradas. Eu achava até engraçado a maneira que elas davam tudo de si para chamar a atenção dele, porque afinal, pra mim ele era apenas um professor qualquer. O que ele teria de mais?

Mas dois dias antes da prova eu não estava mais aguentando estudar para nada e decidi pedir a ajuda dele. A maioria dos estudantes naquele dia já tinham ido embora e a noite já estava caindo. Um escurecer quente e tardio. Estávamos apenas nós dois na sala de aula quando a energia caiu. Ronan se levantou rapidamente e iluminou o caminho até a porta com o celular. Ele tentou abrir a porta e suspirou, era o que mais temíamos. A porta havia se trancado e estávamos presos.

Minha faculdade é um pouco... Privilegiada, digamos assim. Como eu ganhei uma bolsa para estudar lá eu não preciso pagar preços enormes que o resto dos alunos paga. Naquele lugar é tudo automático, as portas são ativadas por sensores de movimento, então quando não tem ninguém ela se auto tranca, e quando alguém chega perto ela abre – como as portas dos shoppings. E como a maioria das pessoas já tinham ido embora, aquela ala estava vazia, e ninguém iria nos ouvir. Nem o vigia noturno. Te disse que era véspera de feriado ainda por cima?”

– Qualquer garota pagaria para passar o que aconteceu com você – comentei entre risos

– Na verdade eu meio que entrei em desespero – ela fez uma careta, odiando ter que admitir aquilo.

– Em desespero? – arqueei as sobrancelhas

– Eu estava mais preocupada com a explicação do exercício que eu não ia mais receber do que estar presa sozinha naquela sala com ele – Elesis gargalhou e colocou as mãos atrás da cabeça enquanto se inclinava para trás – Eu nem tinha me tocado da situação

– Tinha que ser você... – suspirei enquanto ela bufava

Ronan estava meio incomodado por não estar participando da conversa, eu tinha certeza de que ele sabia que estávamos falando dele.

– E o que aconteceu depois? – me virei para a ruiva.

Ela olhou para Ronan e ambos trocaram olhares. Ela sorriu.

– Ele se sentou ao meu lado e me explicou que estávamos presos, e que provavelmente só iriam nos achar pela manhã. Eu não sei como explicar a expressão dele naquela hora, mas eu sabia que ele estava extremamente preocupado. Mesmo que nós dois não tivéssemos feito nada todos iriam ter suspeitado de algo. Um professor e uma aluna sozinhos em uma sala escura, trancados durante noite. O que todos pensariam?

“ -Precisamos sair daqui Elesis - disse Ronan olhando pela janela – Não podemos permanecer aqui dentro e arriscar que digam bobagens depois.

– Mas como iremos sair daqui, professor? As portas estão trancadas e estamos no terceiro andar, não há escapatória – suspirei tentando explicar, mas ele não me deu atenção. Começou a analisar cada centímetro da janela e olhar pelo lado de fora. Aquilo já estava me preocupando, o que ele estava pensando em fazer?

– Eu tenho um plano – ele olhou para mim com um sorriso.

E foi ai que eu percebi porque todas as garotas davam em cima de um professor de cálculo qualquer. O sorriso dele era simplesmente incrível.

Ronan se aproximou da janela e a abriu bruscamente. Depois se virou para mim enquanto apoiava sua mão na madeira da janela.

– Ta vendo aquela árvore bem ali na frente? – ele apontou para ela, que estava a poucos metros de distancia. Afirmei com a cabeça e ele continuou – Nós vamos ir até lá, é o único jeito de escaparmos daqui.

Comecei a rir ironicamente, aquele era o plano mais idiota que eu já tinha ouvido.

– E como você acha que vamos conseguir chegar até lá? Voando?

Ronan me olhou com uma cara totalmente ofendida, mas ignorou e retribuiu minha cara irônica.

– Diferente de certas pessoas, eu entendo das coisas.

Abri a boca totalmente indignada, onde tinha ido parar aquele professor gentil com um sorriso de arrancar qualquer coração? Cruzei o braços e sentei em cima da mesa.

– E o que o professor gênio pretende fazer? – perguntei com uma expressão sarcástica

– É o seguinte – disse ele, retomando a expressão de sempre. Fiquei abismada em como ele conseguia fazer isso rápido – Em todas as salas há uma pequena escada para os técnicos conseguirem alcançar o ar condicionado. Ela não é muito grande, mas tem o tamanho suficiente para chegar até a árvore.

– Ta, agora que você me contou do seu plano brilhante, deixa eu dizer um pequeno detalhe – cruzei as pernas – Você acha mesmo que a escada não vai cair quando você estiver passando por ela?

– Quem disse que serei eu a pessoa que vai passar pela escada? – ele voltou seu olhar a mim

– Você só pode estar brincando – comecei a rir

Ronan balançou a cabeça negativamente.

– Como eu sou mais forte do que você, eu ficarei segurando a escada enquanto você passa por ela até chegar à árvore, e depois disso você irá descer e pedir ajuda para o porteiro vir destrancar a porta daqui.

– Eu não vou andar por essa escada. Tem ideia do quão alto é isso aqui? E, além disso, eu sou milhões de vezes mais forte do que você – bufei estralando os dedos.

– Elesis, você é mais leve do que eu e tem mais habilidade de se movimentar rastejando pela escada – ele prosseguiu, tentando ser compreensivo – Você quer sair daqui ou não?

Fechei a cara e rosnei. Por mais que eu odiasse, ele tinha toda a razão. E eu não estava nem um pouco a fim de passar a noite naquela sala com ele.

– Tudo bem, eu aceito – respondi enquanto tomava um impulso e saltava da mesa – Mas só estou fazendo isso porque não estou com nenhuma vontade de passar a noite presa com você.

– Como você quiser – sorriu o azulado.

Então Ronan foi até o fundo da sala e pegou uma pequena escada que estava deitada no chão. Andou em direção à janela e a colocou deitada até chegar em um galho firme da árvore. Ele mexeu na escada algumas vezes para ver se estava firme e assentiu.

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– Está seguro – ele disse convicto – Eu vou segurar a escada para que ela não caia enquanto você passa por ela.

Cheguei perto da janela e olhei para baixo. Aquele lugar era realmente alto. Olhei para Ronan um pouco assustada. E ele, pela primeira vez até então, deu um sorriso totalmente sincero. Levou uma mão até a minha cabeça e bagunçou um pouco meu cabelo.

– Não se preocupe, eu vou estar aqui com você.

Apesar de eu ainda estar com medo, aquilo tinha sido acolhedor. Sorrimos um para o outro e respirei fundo.

– Lá vamos nós então.

Subi em um banquinho e pulei em cima da escada – Ela estava firme. Meu coração estava mais acelerado e minha mente a mil. Comecei a andar de quatro pela escada mirando na árvore, e a todo o momento Ronan gritava “ Você está conseguindo!” ou “ É isso ai Elesis!”. Chegava a ser engraçado a empolgação dele.

Estava indo tudo bem - na verdade até fácil – Até que quando eu parei um pouco para respirar, olhei para baixo. Um pânico súbito tomou todo o meu corpo e eu comecei a tremer, não conseguia mais me mexer.

– Elesis? O que aconteceu? – perguntou o azulado um pouco mais preocupado.

Mas quando fui me virar para dizer a ele, meu pé enroscou em um dos degraus da escada e me desequilibrei para o lado. E quando eu fui perceber, eu já estava pendurada na escada com apenas as mãos agarradas a ela.

–ELESIS! – gritou Ronan desesperado – NÃO SE MEXA!

– Ronan! – segurei o mais forte que pude na escada, me forçando a não olhar para baixo – Me ajuda!

Fechei os olhos e comecei a gritar pelo nome dele.

Ronan correu rápido pela escada e agarrou firme meu braço ao me puxar para cima e me prender em seus braços. E em questão de segundos, ele deu um pulo para a árvore enquanto a escada caía dezenas de metros a baixo.

– DROGA ELESIS! – gritou Ronan respirando fundo enquanto me abraçava – O que foi isso?

Eu não conseguia responder, estava tão apavorada com o que tinha acontecido que coloquei as minhas mãos no rosto e comecei a chorar. Ronan respirava com dificuldade, aparentemente assustado com o que tinha acontecido também.

Passamos alguns minutos em silêncio e ele passou sua mão sobre as minhas lágrimas e deu um sorriso torto.

– Desculpa... – ele começou a falar em voz baixa – Eu estava tão preocupado em não perder meu emprego que te coloquei em risco só pra salvar a minha pele. Eu sinto muito mesmo.

Balancei a cabeça afirmando que não tinha sido nada. E então ele me abraçou mais forte.

– Nenhum emprego vale tudo isso.

Depois do ocorrido, Ronan ia falar comigo todos os dias pra ver se eu estava bem. Perguntava como havia sido o meu dia e se eu ainda precisava de ajuda em alguma coisa, e com o passar do tempo eu fui descobrindo que ele não era apenas um cara gentil e atencioso, era também um cara que adorava piadas, gostava de ir a shows e cantar as músicas bem alto. Não tirava o foco dos estudos, mas também não dispensava um jogo de vez em quando. Um cara que odiava ficar na cozinha, mas que adorava ver as outras pessoas cozinharem. Mas o que eu mais gostava, era que ele me fazia feliz.

Eu adorava ter ele por perto, e incrivelmente ele demonstrava o mesmo.”

– Meu Deus Elesis, isso parece história de romance clichê – sorri para ela.

– E não é? Nem eu acredito que isso aconteceu! – ela sorriu, então deu uma pausa e me encarou por alguns segundos – E por que a senhorita estava aqui sozinha hein?

Fiz uma careta com preguiça de contar, mas acabei cedendo depois que ela me convenceu. Elesis é minha melhor amiga desde o fundamental, contar tudo para ela não seria problema nenhum.

Depois de ouvir tudo, Elesis gargalhava e balançava a cabeça.

– Vocês não tem jeito, quando vão se dar conta que realmente gostam um do outro?

– Pare de piadas, Elesis – protestei pondo as mãos na cintura - Somos apenas melhores amigos

– Claro, melhores amigos que viraram noivos...

Quando eu ia retrucar, Ronan se aproximou de nós com um sorriso terno.

– Desculpa interromper a conversa de vocês, mas ta meio tarde não acham?

Elesis olhou para o relógio e arregalou os olhos.

– Ele tem razão Amy, melhor irmos embora. A gente vai acompanhar você até o seu prédio ta bem?

Esfreguei minha mão no meu braço ao me lembrar que todas as minhas coisas já estavam na casa do ruivo.

– Er... Eu vou pro apartamento do Jin. – virei o rosto.

Elesis me olhou com uma cara óbvia me mostrando que seu argumento estava totalmente certo. Apenas rejeitei a ideia e balancei a cabeça.

Alguns minutos depois eu já estava na frente do prédio. Acenei para os dois ao entrar pelo portão e os ver indo embora.

– Eu já te disse pra não me chamar de ruivinha! – ouvi Elesis gritar no final da rua, e pude ouvir a risada de Ronan logo depois. Aqueles dois por incrível que pareça, combinavam direitinho.

Subi as escadas o mais devagar que pude, estava na esperança de quanto mais tempo eu demorasse a chegar, mais chances eu teria de entrar com Jin já dormindo. Abri a porta do apartamento o mais silenciosamente possível, estava tudo escuro e quieto. Decidi acender a luz do abajur para não despertar o ruivo, mas foi em vão. Quando liguei o pequeno objeto, lá estava ele, sentado no sofá esperando por mim.

– Amy... – ele se levantou – Precisamos conversar.