Skinny Love

In The End.


Duas semanas. Tive que suportar Reyna durante duas semanas.

Sabe, se um dia uma estranha te parar no meio da rua pedindo ajuda e dizendo que precisa de um lugar para ficar, pense bem antes de oferecer a sua casa. Eu achava que Reyna ficaria apenas UMA noite na minha casa, não 14 dias.

Tá, até que sua companhia era legal: Ela não me perturbava. Não me obrigava a comer. Respeitava meu silencio. Fazia alguns dos meus deveres escolares. Me acobertava para faltar na clinica. Se entrosou com a mamãe. Xingava Piper por mim e parecia ter uma paixonite juvenil pelo meu irmão.

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Ela só tinha dois defeitos. 1- Fumava dentro do meu quarto, o que significava que eu tinha de deixar o raio da janela aberta. 2 - Usava minhas roupas. Tipo, ela não voltou pra casa dela nem pra buscar uma muda de roupa, o que me obrigou a emprestar roupas para ela.

Mamãe não achou nada estranho Reyna vir dormir comigo, acho que foi por que ela achava que nós duas éramos amiguinhas e tal. Nós éramos "amigas", mas não era aquela coisa toda. Eu nunca havia nem dado um boa dia pra ela durante essas duas semanas então eu dizia que éramos "colegas" mentalmente. Ela era uma boa pessoa, disso não posso negar.

Creio que Reyna iria ficar mais ou menos um mês hospedada em minha casa, mas isso não aconteceu pois sua irmã encontrou o endereço na lista telefônica e foi busca-la.

Nunca presenciei um barraco como aquele.

Assim que ela foi embora, fiquei pensando no que fazer para que eu pudesse – de alguma forma – não ir ao grupo de apoio. Eu poderia muito bem ligar para Annabeth e pedir para que ela fosse lá em casa, ficasse comigo dentro do quarto enquanto fingíamos estar fazendo alguma lição de casa ou combinando para ir ao show. Porém, eu não queria a presença da Annabeth, não queria ficar com ela dentro do meu quarto e muito menos fingir para minha mãe que eu estava me comportando igual uma garotinha que quer ver três babacas cantando em um palco.

Aquela opção não me parecia a melhor possível.

Voltei para meu quarto e olhei as horas. Normalmente, eu poderia muito bem ficar lá dentro e nunca mais sair, só que, aparentemente, minha mãe tinha chaves reservas. Não poderia fingir estar doente, mamãe perceberia. Então, eu teria que ir para a clinica, encarar aquela psicóloga de meia tigela, enfrentar o grupo de apoio para pessoas problemáticas e ainda ter que ir para um show à noite.

É, a sorte não estava ao meu favor.

Joguei-me na cama, bufando. Fechei os olhos e suspirei, tentando controlar a vontade de socar algo para fugir daquilo. O grupo e a Sra. Jackson tinham dado o que deveria dar, eu estava sufocada, sufocada de ver a Sra. Jackson ficar me estudando por horas e eu não falar nada, ir ao grupo e ouvir o problema dos outros. Eu não me sentia bem lá. Eu não conseguia sentir a vontade de interagir. Estava ficando insuportável encarar aquelas pessoas, até mesmo Reyna, que era a única que salvava meu dia.

Abri os olhos lentamente e observei a mancha amarela em meu forro. Instantaneamente, olhei para o calendário, 22 de outubro, como eu poderia esquecer-me daquela data? Pior, como minha mãe e meu irmão puderam esquecer? Ah é, eles não tem a obrigação de visitar o meu pai todos os meses, eu sim.

Um sorriso mínimo expandiu o meu rosto, tinha a desculpa certa para não ir a clinica. Mas o sorriso logo desapareceu, assim que lembrei que, há dois anos, na mesma data, meu pai havia morrido. Suspirei e alevantei-me da cama, vesti um short mediano, calcei um all star surrado e uma blusa preta qualquer. Fui ao banheiro, passei uma água no rosto e tentei ajeitar meu cabelo da melhor forma possível, eu deveria estar apresentável pelo menos uma vez a cada mês. Peguei dinheiro do meu pote-cofre reserva e desci as escadas.

Mamãe estava na sala, com uma bacia de pipocas na mão assistindo The Notebook. Era sua folga naquele dia, e Jason estava em seu quarto, com Piper, como sempre.

Passei por minha mãe despreocupadamente enquanto ela me encarava. Assim que abri a porta, ela se pronunciou com uma voz autoritária.

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– Aonde você pensa que vai?

Apenas dei de ombros, não estava com cabeça para aquilo.

– Sua consulta não é agora, ainda faltam 50 minutos.

Revirei os olhos, ela não se lembrava mesmo daquele dia? Virei-me para ela e mexi os ombros, depois passei a mão pela minha roupa e cabelo. Eu sempre fazia isso antes de ir visita-lo, sempre me alisava. Mamãe olhou para o celular, conferindo a data.

Seus olhos ficaram meio melancólicos e ela deixou a vasilha com pipocas de lado.

– Vá – sua voz estava um pouco distante – Mas volte antes do anoitecer, Annabeth passará aqui para te buscar.

Assenti e sai, passei pela garagem e peguei minha bicicleta.

Eu não tinha um carro. Não tinha uma moto. Não tinha nenhum transporte. Só mesmo aquela bicicleta horrenda que aparece nesses clipes clichês da Taylor Swift, essas com cestinhas em que o casal passeia por algum canal ou ruela qualquer. Mas, como eu só tinha aquilo, precisava me conformar.

Assim que sai de casa, percebi o quanto Califórnia parecia estranha. Normalmente, se faz muito sol, um calor de matar e muitas pessoas na praia. Mas, naquele dia, estava tudo um pouco mais... fresco, o sol californiano parecia mais morno e tudo estava mais calmo, as pessoas na praia pareciam quietas e sossegadas, como se já fosse seis horas e o sol estivesse se pondo. É, Califórnia estava realmente estranha.

Não dei muita bola para isso, comecei a pedalar e ir em direção ao cemitério.

Ele ficava há mais ou menos uns sete quilômetros da minha casa, mas eu não me importava com a distancia, não me importava com o transito e muito menos com o olhar que as pessoas me davam. Eu simplesmente não me importava, afinal, aquele dia era o único ao qual eu realmente dava atenção.

Passei pela floricultura da Dona Joanne, ela me recebeu com aquele sorriso adorável de sempre, trouxe-me três lírios brancos e se despediu com um abraço confortável. Ela não tentava puxar assunto comigo, não gozava do fato de eu não falar, ela simplesmente me atendia, perguntava se era o de sempre e dizia que tudo iria ficar bem.

Depois, fui à padaria. Comprei vários tipos de queijos que eles tinham no estoque e coloquei na cesta da bicicleta. Faltando dois quilômetros para minha chegada ao cemitério, comprei uma garrafinha de água, pois do nada começou a fazer calor. É, aquele pequeno momento de “Califórnia-estranha” havia passado.

Minha chegada ao cemitério foi silenciosa. Coloquei a bicicleta na entrada e recolhi as coisas da cestinha. Não tinha ninguém ali, tipo, ninguém. Normalmente, quando eu ia, havia algumas pessoas aqui e ali. Algumas choravam, outras pareciam sérias e outras simplesmente iam por ir, como se aquilo não importasse. Passei pelo coveiro, que me olhou com aqueles olhos esbugalhados de sempre. Passei por vários túmulos, inúmeros túmulos, o cemitério estava realmente deserto e um pouco sinistro, eu tinha uma sensação estranha toda vez que ia lá, as vezes, eu tinha a impressão de que podia sentir a morte vagando por ali. Mas isso não era possível.

Depois de uns cinco minutos, finalmente encontrei o tumulo do papai. Ele era preto, e a lápide era sofisticada. Não tinha uma frase muito chamativa, uma que causasse aquela impressão de “Uau”, era apenas mais um tumulo qualquer. Mas para mim não.

Sentei-me na grama que havia crescido no fim do ano passado. Observei as pequenas rosas crescendo ao redor do tumulo, eu havia plantando-as ali dois meses atrás e parecia estar bem cuidada. Encarei a lápide por um tempo, totalmente alheia a qualquer detalhe diferente.

Estava como sempre: Zeus O. Grace. 1967 – 2010. O céu não é o limite.

Suspirei e tirei os queijos da embalagem colocando-os em um prato, abri a garrafinha e coloquei as flores um pouco afastadas do tumulo, eu nunca gostei de colocá-las em cima.

– Oi, pai. – Minha voz ecoou um pouco rouca, pela falta de costume – Tudo bem aí em cima? Espero que sim.

Meus dedos estavam trêmulos, fechei os olhos.

– Aqui em baixo as coisas estão mais ou menos – Ainda de olhos fechados passei as mãos pelos braços – Mamãe arrumou um emprego e parece estar um pouco feliz, tenho suspeitado que ela encontrou um outro cara. Sei que não deveria dizer isso ao senhor, mas sabe como é né, e eu ainda acho que nenhum homem conseguiria ser igual á você, meu herói.

Ri um pouco, abrindo os olhos.

– Jason... Hum, Jason, queria dizer que ele ainda é aquele pirralho de sempre, aquele pirralho que não entendeu porra nenhuma quando nós dois fingimos fugir de casa para enganar a mamãe, ele deveria ir com agente, mas em vez disso, desmaiou quando mentimos sobre você e ela estarem se separando... A verdade é que, ele tá um tanto quanto... Como a mamãe poderia dizer... “Um Zeus na juventude” É, essa é a palavra. Ele tem uma faminha de pegador, é o bad boy da escola, é popular e tem uma namorada perfeitinha. Aparentemente está tudo bem com ele, não somos mais aqueles irmãos inseparáveis, mas eu ainda o amo muito, é.

Bebi um pouco da água, limpando a garganta.

– Ainda estou sem amigos, não voltei para o balé, não cantei mais e não me interessei por mais nenhum outro cara. Os motivos são os mesmos: Não consigo interagir, não sei se quero voltar ao balé para satisfazer a mamãe, não tenho mais vontade de cantar depois que você se foi e ainda não superei a ida do Charles. É.

Suspirei e senti meus olhos ficarem um pouco marejados.

– Hoje faz dois anos e meio, papai. Dois anos e meio depois do acidente. Eu... eu sinto muito a sua falta, herói. Eu queria voltar no tempo, queria poder ser aquela mesma garotinha de antes, a garotinha do papai, a garotinha que entrou forçada no balé por causa da mãe, a que tinha milhões de amigos, a que ficava com muitos garotos, a que era especial. Mas eu não posso. Eu simplesmente não posso. Se eu pudesse, o senhor estaria vivo.

Algumas lagrimas começaram a cair, minha garganta estava fechada.

– Mas, eu acho que está tudo bem. Tenho frequentado uma clinica e um grupo de apoio, as coisas não melhoraram, mas tudo continua ok. Annabeth não me abandonou, tenho a sensação de que finalmente perdi somente um quilo e as coisas estão como deveria estar. Tudo está ok.

Limpei algumas lagrimas, pegando os lírios.

– Hoje eu trouxe lírios. Eles são brancos e cheirosos. Você gostaria deles se visse. O céu está luminoso, como sempre. Infelizmente, há um bom tempo não vejo raios e trovões, sei o quanto o senhor gosta, mas eles desapareceram. O vento está esquisito, creio que é por causa desse ar que o cemitério transmite. As pessoas continuam as mesmas. Os programas de TV também. Não houve nenhuma alteração em nada que eu esteja lembrando. Então, como eu disse antes, tudo está ok.

Respirei fundo e engoli mais algumas lagrimas. Peguei os queijos e mordiquei um.

– Algum tempo atrás, olhei para a mancha no forro do meu quarto. Lembrei-me de você, herói. Lembrei-me do que você aprontou comigo. Eu poderia ter sorrido, mas Annabeth estava comigo, então ignorei. Hoje trouxe alguns para você, porem se eu deixar aqui irá criar mofo e eu odeio queijos, então vou dar para o coveiro. Sem problemas né? Ele parece ser um cara legal.

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Limpei as mãos e suspirei mais um pouco, antes de voltar a falar.

– Hoje vou a um show. É uma banda de porão, vai ser em um pube qualquer, acho que será legal. Um colega vai tocar/cantar, ele é bonito, e alto, e tem uns olhos bonitos – olhei para as rosas – e é meu vizinho, mas acho que ele gosta da Annie, então... E, além do mais, não estou interessada nele e ele provavelmente não está interessado em mim... Espere, porque estou dizendo isso mesmo?

Sorri um pouco, aquilo era tão cômico.

– Esquece, está tudo bem. – Eu sorri mais um pouco, só me sentia assim quando falava com ele – Bom, eu acho que já vou indo. Estava com saudades, eu sempre estou com saudades.

Alevantei-me e peguei os queijos.

– Até mais, papai.

Encontrei o coveiro um pouco próximo dali, me aproximei e estendi o prato de queijos para ele.

– Você quer? – perguntei, olhando para baixo – Eu comprei, mas não gosto de queijos... A história é longa, enfim, você quer?

Ele estendeu as mãos e recolheu o prato.

– Tchau, Thalia.

– Tchau, John.

Dei meia volta. Desde o dia em que John me vira conversando com o tumulo do meu pai, puxou assunto comigo até eu finalmente falar algo. E aí acabamos trocando algumas frases de vez em quando.

Enquanto fazia o percurso de volta para minha bicicleta, saltitei um pouco entre um tumulo e outro. Eu tinha aquela mania horrível, e quando não dava para saltar de um para o outro, eu fazia a volta saltitando, aquilo poderia ser considerado algo desrespeitoso, mas era divertido, eu gostava daquilo, e tenho a certeza de que minha aparência punk se acostumava com a aparência do cemitério.

Faltando uns bons metros até a saída, decidi passear pelo cemitério. Outra mania horrível. Eu fazia aquilo sempre que dava, olhava o tumulo dos outros, o ano que morreu, o nome, as frases, e as vezes até dizia um “oi” para a lápide. Eu sou estranha, eu sei.

Enquanto caminhava distraidamente pelo cemitério, escutei um choro. Aquilo era normal, as pessoas choravam quase todas as vezes que iam ver um ente querido. Mas algo naquele choro me chamou a atenção. Era sufocado, e depois podia-se ouvir murmúrios. Aquilo me surpreendeu, eu achava ser a única a falar sozinha.

Fui em direção ao choro. Alheia a qualquer coisa.

Primeiro, vi suas costas, um pouco largas por ele estar acocado. A camiseta era branca e polo. Tinha umas flores espalhadas pelo tumulo e umas velas também. Aproximei-me mais, sem fazer barulho. O rapaz se sentou, fazendo seus cabelos cor de areia refletirem no sol.

Nunca tinha visto alguém com um cabelo daquela cor, loiro com branco e com um pouco “cor de areia”, mas tinha a sensação de já ter visto em algum lugar e as costas me eram familiar.

– Oi, Miih – ele abraçou os joelhos dando um suspiro pesado e dava a entender que ele estava segurando lagrimas – Ontem fez um ano que eu não a vejo, muito triste, não é mesmo? Eu também acho. – O vento batia contra seus cabelos, alevantando-os para cima, ele não aprecia se incomodar – Eu venho pensado muito em você... acho que todos os dias. Não sei se te contei antes, mas eu me mudei. E, ah, a banda vai se apresentar hoje naquele pub que você adorava. Conheci uma garota nova, Annabeth, ela é legal e sei que prometi a você que iria superar e tentar me relacionar com outras pessoas, mas te esquecer tá meio difícil. – Um bolo surgiu no meu estomago, o que ele estava fazendo ali? Quem era Miih? – Estou pensando em comprar um apartamento só para mim, nada muito luxuoso, você iria adorar. Porém meu pai não deixa e minha mãe não me autorizaria a isso tão cedo. Samantha sente sua falta também. Já peguei ela encarando a porta, esperando você entrar. Toda pessoa que bate ela abre rapidamente, achando ser você. Eu também faço isso. – ele choramingou e no momento seguinte, estava chorando compulsivamente. Acho que ele tentou evitar, mas não se importou. O cemitério estava vazio com a minha exceção. Ninguém o veria, somente eu.

– Conheci outra garota, também. Mas essa é diferente, ela é um pouco... você. Não sei como dizer isso, mas de alguma forma ela me lembra você. Ela é calada, tem um olhar sinistro e diabólico, ela dá medo, aparenta gostar da Sam, curte rock e não gosta muito de mim. Tem os cabelos repicados e olhos azuis, devo ressaltar que ela se veste como uma punk. Já disse que ela me lembra você? Creio que sim. Não sei se quero amizade com ela, ela é muito... na dela. Às vezes, me dá incomodo. Já disse que ela me lembra você? É obvio que sim.

Remexi-me um pouco desconfortável. Ele estava falando de mim.

Ele se escorou um pouco e tocou a lápide. Ficou um tempo nessa posição, limpando as lagrimas descontroladas, até que por fim, o choro cessou. Alevantou-se e foi em direção há um taxi, estacionado a alguns metros dali.

Observei, paralisada, ele entrar no taxi e ir embora. Fui até o tumulo da garota.

Michele Mason Paskin. 1995 – 2012. Nada se conquista com lagrimas.

Olhei para os lírios amarelos que Luke Castellan havia colocado na lápide. E foi, naquele momento, que eu soube que Luke Castellan tinha muito mais segredos do que qualquer um que eu havia conhecido.

E eis a pergunta: No fim, quem Michele realmente era?