Os Últimos Morgenstern

Merecer o Céu


Clary segurou na mão de Sebastian e, juntos, os dois entraram na batalha.

Por alguns instantes, ninguém sequer pareceu perceber a presença deles, mas aos poucos, os Caçadores de Sombras começaram a gritar uns para os outros e indicar a posição de Sebastian, mas logo eram bloqueados pelos Crepusculares. Ela levantou a cabeça para olhar para o irmão, que apenas deu um sorriso em resposta. Ele estava adorando aquilo, Clary pensou. Ser o centro da atenção de todos, mesmo que pelos motivos errados.

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Passaram por um pequeno grupo de Crepusculares que havia imobilizado uma Caçadora de Sombras com cabelos escuros e pele pálida, que se debatia incontrolavelmente na tentativa de libertar seus braços. Sebastian deu um aperto na mão de Clary e a soltou, indo em direção à cena. Ainda com um sorriso cruel no rosto, ele pegou o Cálice Infernal e puxou o rosto da garota, pressionando a taça com força em seu queixo até que o líquido escorresse pela boca dela. A menina berrou tão alto que Clary moveu os pés para ajudá-la, embora não soubesse exatamente como, quando seu irmão barrou seu caminho. Só o que ela pôde fazer foi assistir enquanto a garota caía de joelhos no chão, as runas já desaparecendo de sua pele. A alguns metros dela, um menino com cabelos castanhos que parecia ser da mesma idade gritou um nome que deveria ser o da garota, mas que saiu apenas como um grunhido forte de dor e sofrimento. E tristeza.

– Mate – Sebastian ordenou para a Caçadora de Sombras, que levantou num impulso e agarrou a lâmina que jazia no chão, indo até o garoto em passos calculados. Ele tentou dizer o nome dela mais uma vez num tom suplicante e, com um aperto no peito, Clary percebeu que ele provavelmente deveria ser alguém muito importante para ela, irmão ou namorado. Talvez até parabatai. Quando a menina apontou a arma em direção ao garoto, Clary tentou correr e impedi-la, mas braços fortes agarraram sua cintura e a levantaram do chão. Sem hesitar, a menina morena enfiou a lâmina no peito do Caçador de Sombras que caiu de joelhos, a boca jorrando sangue e os olhos arregalados ainda presos nela, esperançosos.

Clary perdeu o fôlego. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela se imaginava no lugar daquela garota, tendo que matar alguém que ela amava, e do garoto que não perdeu a esperança até o último instante. Era isso que significava amar alguém, não é? Estar ao lado dele mesmo quando tudo já está perdido. Com um gesto brusco, ela se livrou do aperto de Sebastian e o empurrou para longe.

Por que fez isso? – Clary perguntou, os lábios tremendo.

– Estamos em guerra, irmãzinha – ele respondeu, franzindo a testa, impaciente. – Pessoas matam e pessoas morrem. Acostume-se.

Ela balançou a cabeça, desnorteada. Aquilo não era nada certo. Matar pessoas já era ruim o bastante, mas obrigar alguém a matar um ente querido, para que a última lembrança dessa pessoa seja um amigo, irmão, parabatai enfiando uma espada em seu peito de maneira fria e cruel? Aquilo era desumano.

Sebastian tentou puxá-la pela mão novamente, mas ela se afastou e saiu correndo dali antes que ele ao menos tivesse a chance de agarrá-la de novo. Precisava tomar um ar, longe de todo aquele banho de sangue. Correu entre as árvores em chamas e se apoiou em um tronco seco e cascudo, a respiração ofegante. Ela precisava fazer alguma coisa para arrancar Sebastian e os Crepusculares dali, antes que mais inocentes morressem. Mas como faria aquilo? Num momento ele parecia ser capaz de desistir de qualquer coisa por ela, mas em seguida vencer a guerra parecia ser a única coisa que realmente importava para ele. Naquele instante, Sebastian parecia oscilar entre anjo e demônio. Como ele poderia merecer o Céu quando ainda estava tão preso ao Inferno?

Clary olhou para os guerreiros na sua frente e imaginou qual poderia vir a ser o fim daquela batalha. Sebastian vitorioso, seus amigos mortos? O Instituto vencedor e Sebastian morto? De certa forma, ela desejava poder mostrar que a vitória de um lado não precisava depender da destruição do outro.

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Distraída, Clary pulou de susto quando um Crepuscular surgiu diante dela, a espada reluzindo direcionada para seu peito. Ela recuou um passo, balançando a cabeça e tentando gritar que ela era irmã de Sebastian e que eles não deveriam atacá-la, mas sua boca não produziu som algum. Pelo contrário, seu peito se encheu com a adrenalina familiar da luta, que havia surgido repentinamente depois de tanto tempo sem senti-la. Ela agarrou o cabo da espada Morgenstern e a brandiu com eficiência, conseguindo fazer um corte de raspão na perna do Crepuscular antes que ele desviasse. Ele rosnou e avançou para cima de Clary, duas vezes maior que ela, atacando-a com a espada. Num movimento veloz, ela se abaixou e arrastou a perna por debaixo dele, tentando lhe passar uma rasteira, que só serviu para desequilibrá-lo por um instante. Mas ela havia aprendido, com Sebastian, que às vezes um instante era tudo o que você precisava.

Clary levantou a perna e girou, chutando a espada do Crepuscular, que aterrissou no chão a poucos metros deles. Em seguida, ergueu a própria lâmina e a enterrou no peito do guerreiro, que soltou um grito que mal parecia ser, de fato, humano. Ela estava limpando a espada suja de sangue na própria roupa quando algo a atingiu em cheio, jogando-a com força contra a grade de metal, fazendo-a bater a cabeça e sua espada voar longe. Desnorteada, Clary tentou reunir forças para se levantar, mas sua cabeça latejava onde havia batido no ferro. Levou a mão à cabeça e sentiu o sangue escorrendo pela testa, a visão embaçada por conta do impacto.

Quando a tontura diminuiu, Clary tateou em busca da espada, mas não a encontrou em lugar algum. Ignorando a dor de cabeça e o borrão em sua visão, ela se levantou devagar. Puxou a estela do cinto de armas e rapidamente desenhou uma iratze, felizmente alguns segundos depois já sendo capaz de enxergar com clareza.

– Procurando por isso? – Murmurou uma voz familiar perto dela. Ela ergueu o olhar e prendeu a respiração ao ver, diante dela, Alec segurando sua espada Morgenstern.

Alec – ela disse, mal contendo a surpresa no tom de voz. De todas as pessoas que ela esperava ver ali, Alec provavelmente era uma das últimas. – Foi você que me bateu?

Ele deu de ombros e, em seguida, jogou a espada de Clary aos pés dela.

– Não – confessou, apesar do olhar duro. Com um gesto simples, indicou um Crepuscular caído a alguns metros, uma flecha enterrada no pescoço. – Mas queria que tivesse sido eu. Digo, você bem que merecia.

Clary trincou o maxilar e apanhou a espada, prendendo-a no cinto de armas.

– Não sou sua inimiga – disse, tentando soar natural. Com uma sensação ruim, ela se perguntou onde poderia estar Jace naquele momento, enquanto seu parabatai estava ali com ela. Eles não costumavam se separar em uma luta, certo?

– Então pare de se comportar como uma, céus – Alec resmungou. Havia um pouco de sangue escuro no uniforme de Caçador de Sombras dele. – Você pode acabar com essa batalha no momento em que quiser, basta enfiar uma lâmina no peito de Sebastian. Estou certo de que é a única que pode fazer isso sem ser morta e você sabe disso.

– Não posso fazer isso – Clary afirmou pela centésima vez, balançando a cabeça negativamente.

– Francamente, o que é uma vida perto de centenas? – Alec perguntou, indignado. Ele mal havia acabado a pergunta quando uma figura se materializou ao lado dele, as mãos reluzindo em azul e a purpurina brilhando no cabelo escuro.

– Deixe-a em paz, Alec – Magnus disse, os olhos de gato brilhando ao olhar para Clary. – Tenho certeza de que a cabeça dela já deve estar bem confusa. Não é mesmo, querida?

Clary assentiu, tentando forçar um sorriso. Havia algo agradavelmente familiar em Magnus, como se ele fosse parte de sua família. Poderia até ser, afinal ele havia visto e acompanhado Clary crescer, conhecendo seus pensamentos e eliminando os resquícios da vida Nephilim de sua mente.

– Você vai acabar causando a morte de alguém – Alec falou, dando um passo, o olhar ameaçador. – E se Jace morrer por causa de você e de suas escolhas estúpidas, saiba que nem mesmo o seu irmão assassino vai me impedir de chegar até você.

E dizendo isso, Alec se afastou, o arco e flecha preparado nas mãos. Clary soltou a respiração, que nem ao menos tinha percebido estar prendendo, e uma lembrança antiga tomou conta de sua mente. Ele acha que tem que salvar o mundo; e morreria por isso com prazer. Às vezes acho até que ele quer morrer, mas você não precisa estimulá-lo.

– Não escute o que ele diz, docinho. Por ser parabatai de Jace, Alec tem sofrido junto com ele todo esse tempo, mesmo depois de nós termos decidido reatar – Magnus disse, embora não tenha servido para Clary se sentir melhor. Sabia que, no fundo, Alec tinha razão. E não o culpava por tratá-la daquele jeito. – Não vou te julgar, Clarissa. Mas realmente espero que saiba o que está fazendo, pelo bem de todos.

Então, Magnus se afastou, saindo pelo mesmo lugar onde Alec havia ido. Mas antes de desaparecer na multidão, ele se virou para Clary e fez um gesto com as mãos.

– Se eu fosse você, iria atrás de Jace e Sebastian – disse, dando uma piscadela para ela. – Algo me diz que a próxima vez que eles se enfrentarem... bem, é melhor você se apressar.

Soltando um palavrão baixinho, Clary correu para dentro da batalha. Empunhou a espada e a brandiu contra qualquer um que a atacasse, mal olhando para ver se era Caçador de Sombras ou Crepuscular. De certa forma, parecia haver um grande alvo nas costas de Clary, os dois lados da guerra atingindo-a o tempo todo. Com o canto do olho, ela viu quando um Caçador de Sombras que ela não conhecia avançou com a arma para cima dela, mas ela desviou dando um giro e o empurrando com a perna contra os outros guerreiros. Antes de se afastar correndo, ela achou ter visto os olhos castanhos do Caçador de Sombras atravessando-a, ilustrando uma ameaça.

Clary atravessou quase a multidão inteira até chegar a uma pequena clareira um pouco distante dos portões do Instituto, cercada por um muro coberto por musgo e plantas mortas. No centro, alguns metros um do outro, estava Jace e Sebastian. Jace tinha o uniforme escuro sujo de sangue, enquanto Sebastian ainda parecia impecável. Ambos tinham as espadas nas mãos.

– Você apareceu – disse Sebastian, subitamente notando a presença de Clary. Ela se perguntou sobre o que eles estariam falando antes de ela chegar. – Fique num lugar seguro, irmãzinha, isso aqui terminará logo.

Jace desviou o olhar para Clary, a expressão indecifrável. Devagar e silenciosamente, ela deu alguns passos e parou um pouco distante dos dois, mas sem escolher oficialmente um lado. Manteve a espada em mão.

– Bem... onde estávamos? – Sebastian continuou a dizer, voltando o olhar para Jace. – Ah, é verdade, eu estava te informando sobre o número de Caçadores de Sombras que já caíram nessa noite. É uma pena, mas nada que não esperávamos, é claro.

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Clary virou a cabeça e se viu encarando centenas de guerreiros Nephilim caídos no chão, alguns agonizando em dor, outros tentando se reerguer. Viu as runas desaparecendo, a cor dos olhos mudando, a frieza ao pegar a espada e atacar alguém que muito provavelmente era um conhecido.

– Nós vamos acabar com essa guerra, eu e você – Jace retrucou, surpreendendo Clary com a frieza. Ele apertou o cabo da espada. – Chega de confrontos que nunca chegam ao final, não é? Um de nós dois não vai sair vivo daqui hoje, eu prometo.

– E vai ser você – rebateu Sebastian, e atacou.

Sebastian brandiu sua espada com eficiência, que foi de encontro com a lâmina de Jace, num barulho metálico. Jace girou e fez um corte no ar tão rápido que Clary mal conseguiu acompanhar, mas Sebastian já havia desviado e revidado com a própria espada, causando um ferimento leve no braço esquerdo de Jace. Sangue sujou sua camisa.

– Nunca vai entender, não é? – Sebastian debochou, sorrindo friamente. Parecia tranquilamente calmo, batendo as pontas dos dedos no cabo da espada, despreocupado. – Mais rápido, mais inteligente e mais bem treinado. Eu sempre vou ser melhor que você, irmãozinho.

Jace partiu para cima de Sebastian em resposta e suas espadas se cruzaram mais uma vez, lâmina contra lâmina, irmão contra irmão. Sebastian cortou o ar com a espada, mas Jace já havia desviado, em seguida erguendo a perna e chutando-o com força no estômago. Sebastian recuou alguns passos, enquanto tentava recuperar o ar, e Jace aproveitou-se daquilo para investir contra ele novamente.

Dessa vez, a espada de Jace cortou superficialmente o ombro de Sebastian. Inicialmente, aquilo só causou uma risada sarcástica de Sebastian, como se um simples ferimento daquele não fosse o suficiente nem para incomodá-lo. Mas então, Clary prendeu a respiração quando viu o rosto de Sebastian começar a se contorcer de dor. Sebastian, seu irmão, que nunca se mostrava capaz de ao menos sentir dor. A ferida em seu ombro, antes superficial, agora parecia arder em dourado. Parecia queimar.

– Fogo celestial – Clary sussurrou, alto o suficiente para que os dois ouvissem. Então era por conta disso que o fogo havia desaparecido do corpo de Jace; ele estava impregnado na lâmina de sua espada.

Jace abriu um sorriso ao perceber sua pequena conquista e ergueu a espada novamente, num movimento rápido. Sebastian jogou-se no chão no exato instante em que a lâmina passou por cima dele e então, levantando-se num impulso, girou o corpo e chutou a mão de Jace, fazendo-o derrubar a espada alguns metros dali.

Sebastian estava ofegante, o olhar estava assustado. O peito subindo e descendo conforme a respiração rápida, a pele pálida do rosto havia adquirido uma cor avermelhada, os cabelos prateados grudados na testa. O ferimento em seu ombro havia escurecido a pele ao redor, mas não parecia continuar queimando. Ainda assim, Clary imaginava a dor que aquilo estava causando a ele.

O coração de Clary batia incontrolavelmente acelerado. Sentia-se uma verdadeira inútil ali, parada, sem poder fazer absolutamente nada a não ser assistir enquanto os dois se matavam aos poucos. Ela queria simplesmente se meter no meio dos dois, defendendo os dois, mais uma vez; mas sabia que aquela luta não era dela. Havia muito mais entre Jace e Sebastian do que somente o amor dela; havia um passado terrível que eles tinham em comum.

– Você não é melhor do que eu – disse Jace, finalmente. Ele não havia movido um passo em direção à espada caída. – Você é só mais um guerreiro, um soldado dele.

– Não é isso que todos nós somos, anjinho? Soldados lutando em nossas próprias guerras? – Sebastian perguntou de volta, abrindo um sorriso gélido.

– Você é só um experimento que não deu certo – Jace retrucou, fuzilando Sebastian com o olhar. Apesar de estar com as mãos vazias enquanto Sebastian ainda tinha a espada, ele não demonstrava medo ou apreensão. Na verdade, Clary enxergou um súbito cansaço na expressão de Jace. – Valentim mesmo disse, sabe, que você não era exatamente o guerreiro que ele queria criar. Ah sim, me lembro das palavras dele como se tivesse sido ontem! Faltava humanidade em você.

Sebastian contorceu o rosto de dor mais uma vez, mas Clary não sabia dizer se havia sido causada pela queimadura no ombro ou pela fala de Jace. Com os dedos firmes, ele apertou o cabo da espada Morgenstern.

– E você era o guerreiro que Valentim queria criar? – Sebastian zombou, soltando uma risada forçada. – Tão fraco que nem ao menos conseguia suportar a morte de um animal. Coitadinho, aposto que até Clary teria sido mais forte e poderosa se tivesse crescido conosco, irmãozinho.

– Não é uma competição, Sebastian – Jace falou, calmo. – Valentim está morto! O que ele fez conosco virou cinzas, assim como ele.

Sebastian balançou a cabeça, negativamente, apertando os lábios.

– Não, menino-anjo, o que ele fez ainda está no nosso sangue – e dizendo isso, Sebastian ergueu a espada e, mais uma vez, atacou.

A lâmina cortou o abdômen de Jace e rasgou o uniforme de Caçador de Sombras, fazendo sangue escorrer pela ferida. Desarmado, a única chance de Jace era desviar dos golpes de Sebastian até encontrar um jeito de tirar a espada do alcance dele. Num movimento veloz, Sebastian brandia a arma contra Jace, que girava e se abaixava na tentativa de escapar, mas não rápido o bastante; a espada cortou o braço direito de Jace, em seguida a perna esquerda, fazendo seus movimentos ficarem cada vez mais lentos. Sangue manchava o uniforme escuro do Instituto.

Sebastian investiu em mais um golpe, mas não antes de Jace jogar-se no chão e chutar a mão de Sebastian, fazendo-o derrubar a espada. Agora os dois estavam completamente desarmados, com exceção do Cálice Infernal que ainda estava preso no cinto de armas de Sebastian. Ele rosnou e se lançou para cima de Jace, agarrando-o pela cintura e fazendo ambos caírem no chão. Os dois rolaram um por cima do outro, numa confusão de socos e mais socos, como se fossem simples adolescentes mundanos numa briga de escola.

Por alguns segundos extremamente longos, toda a cena era um borrão. Quando eles levantaram do chão, havia um ferimento acima do olho esquerdo de Jace e o sangue escorria por todo seu rosto, embaçando sua visão, além de cortes nas bochechas causados pela espada. Sebastian estava tão destruído quanto ele; sangue sujava seu cabelo prateado colado na testa e escorria por um corte fundo na sobrancelha direito e um ferimento na boca. Ainda assim, Sebastian mantinha um sorriso cruel no rosto, os dentes manchados com o líquido escarlate. Por alguma razão, aquela visão fez Clary estremecer. Um de nós dois não vai sair vivo daqui hoje, Jace havia dito. Soltando o ar devagar, ela sentiu um arrepio percorrer seu corpo quando Sebastian ergueu as mãos cobertas de sangue. Sangue de Jace.

Apreensiva, Clary correu o olhar pela cena; apesar da queimadura de fogo celestial, Sebastian ainda parecia capaz de acabar com a vida de Jace ali mesmo, naquele momento. Ela olhou para Jace, percebendo como ele parecia exausto, precisando de algumas runas para curar o grande número de cortes feitos pela espada de Sebastian. Por um instante, ele retribuiu o olhar dela, com ternura.

Sebastian se aproximou de Jace, os passos calculados e ameaçadores, embora mais lentos que o normal. Clary deu um passo em direção a eles, disposta a fazer qualquer coisa para impedir uma tragédia, mas, de repente, seus pés deixaram o chão. Ela foi pega de surpresa quando uma pancada forte atingiu suas costas e a fez soltar a espada desembainhada, derrubando-a no chão. Soltando uma exclamação alta, ela ergueu a cabeça e encarou seu agressor; os olhos castanhos e a feição dura e desconhecida, ela reconheceu o Caçador de Sombras que havia a perseguido com o olhar mais cedo.

Com a espada em mão, ele rapidamente atacou Clary, que se abaixou no mesmo instante e escapou do golpe. Desesperada, ela olhou ao redor procurando por uma solução; como iria vencer um Caçador de Sombras três vezes maior que ela e ainda estando desarmada? Arriscou um olhar para Sebastian e Jace, mas os dois ainda estavam distraídos na própria luta e não haviam percebido a situação dela.

O Caçador aproveitou-se da distração e desvantagem de Clary e bateu nela com força, jogando-a contra o muro coberto por plantas mortas. Ela sentiu o gosto metálico de sangue encher sua boca e levantou o joelho, chutando-o fortemente no estômago duro. Ele se desconcentrou por um rápido instante e Clary moveu-se para o lado, tentando fugir. Se conseguisse correr mais rápido que ele, talvez conseguisse alcançar a espada de Sebastian do outro lado da clareira. Talvez conseguisse sobreviver àquela luta.

Mas então, o guerreiro impediu seu movimento novamente. Dessa vez, ele encostou a ponta da espada no pescoço de Clary, fazendo-a encostar de volta contra o muro. Não tinha como escapar dele estando desarmada daquele jeito, não havia saída.

E foi então que aconteceu. Quase em câmera lenta, Clary engoliu em seco e fechou os olhos com força, esperando calma e pacientemente pelo fim. Mas ele não veio. Ainda com os olhos fechados, ela escutou barulhos do que parecia ser uma luta física, mas que não durou muito. E então, o silêncio.

Não houve impacto, não houve dor. Talvez morrer fosse simples assim, afinal.

Devagar, Clary arriscou abrir os olhos, esperando encontrar o Paraíso ou algo assim, mas ela ainda estava na batalha do Instituto que, naquele instante, parecia ter congelado no tempo. Na sua frente, de cabeça abaixada, estava Sebastian; as mãos apoiadas contra o muro atrás dela, uma de cada lado da sua cabeça, formando uma gaiola de proteção ao redor de Clary. Confusa, ela juntou as sobrancelhas.

– Sebastian – Clary sussurrou o nome dele baixinho, para que apenas ele pudesse escutar.

Lentamente, Sebastian ergueu a cabeça e voltou seu olhar para ela, o rosto contorcido de dor. Em seguida e repentinamente, sangue começou a escorrer de sua boca, num volume muito maior do que o normal numa luta. Clary correu o olhar pelo corpo dele e sentiu seu coração fraquejar quando viu a ponta da lâmina de uma espada se projetando para fora do peito do irmão, enterrada numa poça de sangue escuro. Ela sufocou um grito.

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– Clary – Sebastian sussurrou de volta com a voz fraca, cheia de dor. Seus olhos negros tinham um brilho triste, como se ele quisesse chorar, mas não conseguisse. – Acabou.

Sebastian caiu de joelhos no chão e Clary imediatamente se apressou em segurá-lo. Tentando controlar as mãos que não paravam de tremer, ela retirou devagar e cuidadosamente a espada suja de sangue escuro do corpo do irmão, tentando não o machucar ainda mais, e a jogou para longe dali, fora de alcance. Em seguida, apoiou gentilmente o corpo dele no seu colo e olhou ao redor, buscando por alguma ajuda, mas não havia ninguém. Alguns Crepusculares haviam perdido o controle e começado a atacar uns aos outros, outros haviam parado junto aos Caçadores de Sombras para observar a cena. Ninguém falou nada, ninguém fez nada. Poucos metros de onde ela estava, Jace estava abaixado no chão, com uma adaga banhada de sangue na mão e o corpo do Caçador de Sombras que havia apunhalado Sebastian caído ao lado, morto. Jace também não se moveu, somente olhou para ela por um longo tempo.

Clary estava desesperada. Por que ninguém fazia nada para ajudar? Por que ninguém se importava? A visão dela estava embaçada por causa das lágrimas que agora não paravam de cair, suas mãos estavam sujas com o sangue de Sebastian e seus lábios tremiam como se a qualquer momento ela fosse congelar. Mas ela não sentia frio. Simplesmente não sentia nada.

Ela tentou puxar a estela do próprio cinto de armas, mas se atrapalhou com as mãos escorregadias e enfraquecidas. Talvez pudesse canalizar toda sua energia numa iratze ou até mesmo criar uma nova runa mais poderosa. Mas então, a mão de Sebastian cobriu a dela e a apertou, fazendo-a voltar o olhar para o irmão. Ele balançou a cabeça e, no mesmo instante, algo aconteceu. Os olhos negros de Sebastian foram tomados por uma luz incandescente dourada e o corte fundo em seu peito começou a brilhar em linhas douradas-amareladas que pareciam flutuar. Com um súbito choque atingindo-a em cheio, Clary procurou com o olhar a espada que estava cravada no peito dele há poucos minutos e a localizou do outro lado da clareira. Quase sendo capaz de ouvir seu coração partir no meio, ela reconheceu a espada de Jace. A mesma espada cuja a lâmina estava impregnada de fogo celestial.

– Não, Clary – murmurou Sebastian, abaixando a mão da garota que segurava a estela esperançosamente, como se o objeto representasse um milagre. Ela olhou para ele, atônica. – O fogo celestial queima o que é mau. Não existe bondade suficiente em mim para prevalecer e fazer com que eu sobreviva.

– Deve haver alguma outra maneira – Clary choramingou, balançando a cabeça, desesperada.

Sebastian tossiu, expelindo mais sangue escuro. Em seguida, fez um gesto negativo com a cabeça, apertando os lábios até ficarem brancos. Clary soluçou.

– Você não pode morrer – ela disse, acariciando uma mecha prateada do cabelo dele. – Eu preciso salvar você... o Inferno não...

Clary balbuciava as palavras sem ao menos saber se faziam sentido, perfeitamente ciente de que uma legião de guerreiros a observava de perto, silenciosos. Mas só o que importava, naquele momento, era que seu irmão estava morrendo ali, nos seus braços. E não havia mais nada que ela pudesse fazer para salvá-lo.

– Certamente eu não mereço o Céu, irmãzinha – Sebastian sussurrou, levantando a mão devagar e tocando o rosto dela. Ele tentou sorrir, mas o que saiu foi mais uma careta de dor. – Mas acho que, de certa forma, já conheci o Paraíso.

Clary engoliu em seco, sentindo as lágrimas invadirem a garganta. Delicadamente, ela abaixou a cabeça e encostou a testa na dele, fechando os olhos e depositando um beijo leve em sua boca, apenas um toque de lábios. Ergueu a cabeça de volta e apertou a mão do irmão sobre o peito dele, sentindo as batidas fracas de seu coração, enquanto a outra mão livre ainda acariciava seus cabelos carinhosamente. Então, o silêncio prevaleceu novamente, sendo quebrado vez ou outra pelos gemidos de dor de Sebastian.

Sebastian abriu a boca para dizer alguma coisa, mas engasgou de novo e mais sangue foi expelido para fora de sua boca. Ele olhou para Clary e ela quase pôde enxergar uma mistura de sentimentos ali; medo, desespero, tristeza e até o que poderia ser o mais perto de amor que Sebastian jamais conhecera. E então, durante os segundos mais longos de toda a existência de Clary, os olhos negros de Sebastian perderam o brilho da vida e o coração dele sob sua mão lentamente parou de bater.

Clary olhou para ele. O rosto ainda sujo de sangue, a pele mais pálida que o habitual, os olhos escuros fitando o vazio e sua mão gelada ainda sobre a mão dela; e o simples ato de deixar as lágrimas caírem até que não houvesse mais o que chorar se tornou difícil de evitar. Sendo assim, Clary chorou, desesperadamente e dolorosamente. Chorou pelo irmão que havia sido tirado dela mais de uma vez, o irmão mais velho que ela deveria proteger dele mesmo.

Ave Atque Vale, Jonathan Christopher Morgenstern – Clary sussurrou, tendo em mente de que, apesar de tudo, Sebastian ainda era um Caçador de Sombras e merecia a benção final. Ao menos, merecia a dela.

Clary tirou a mão do cabelo branco dele e a desceu delicadamente pelo rosto, fechando seus olhos mortos, para que parecesse que ele estava apenas dormindo, apesar do buraco sangrento em seu peito. Olhou para o céu, meio que esperando que anjos descessem e levassem seu irmão para o Paraíso. Mas os anjos não vieram.

No entanto, quando Clary voltou o olhar para Sebastian ainda deitado em seu colo, teve a leve impressão de ter visto asas prateadas reluzindo em suas costas, como se ele fosse um anjo caído. De certa forma, aquela visão fez o coração de Clary se despedaçar.