Um Anjo (quase) Caído

Capítulo 29 - A realidade


Serena

Eu não era Einstein nem nada, mas quais eram as chances de eu reconhecer o pai morto de Heath na rua enquanto voltávamos para casa, ainda mais considerando que todo o meu conhecimento sobre o visual de Frederick Seeler era uma foto de treze anos atrás?

Por outro lado, Heath não teria corrido atrás do cara se não tivesse visto alguma semelhança também.

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— Érrr... Então... Fred — fitei o tal garoto por um minuto. — Quem era aquele cara que saiu da sua casa agora?

— Você é nova demais para ser da Interpol, ou sei lá — ele estreitou os olhos. Era estranho ver um sotaque britânico saindo de uma voz tão parecida com a de Heath. — Eles estão contratando agentes disfarçados, ou algo do tipo?

— Hã... Não. Por favor, responda. A minha sanidade depende disso.

Acho que Fred viu um pouco de sinceridade no que eu disse, porque suspirou e falou:

— Era meu pai, Frederick.

— Você tem que estar brincando — bufei.

— Érrr... Você parece estar passando por muita coisa.

— Quer uma dica? — fitei-o. — Se não quer que sua vida vire um inferno, não beije um anjo. Mesmo que ele não seja inteiramente um anjo.

—... Você está chapada?

Heath

— Senhor! Senhor! Por favor, se puder me ouvir por um segundo... — eu gritava enquanto o homem se afastava cada vez mais rápido.

Mais tarde, Serena me explicou que só se parava alguém na rua se você tivesse o intuito de assaltar a pessoa ou vender Herbalife, o que explicava muita coisa.

— Meu nome é Heath Seeler! — forcei, aumentando ainda mais o tom de voz.

O homem parou e se virou para mim. Um par de olhos escuros que reconheci se estreitaram ao me ver.

Os meus olhos.

— Não pode ser. Eles estão brincando comigo...

Eles?

— Maureen, ela... Ela disse que Heath...

Maureen.

Eu nem pensei. Só abracei-o.

— A... A sra. Fitzgerald disse que você estava... — minha voz travava e ficava mais aguda, mas eu não poderia me importar menos.

— Escute — o homem me encarou. — É bom ver você, mas... Eu preciso ir.

— Nem pensar, depois de todo esse tempo, eu...

— Escute, se você é mesmo meu filho... O que diabos está fazendo aqui?!

— Na Inglaterra?

— Sabe o que quero dizer.

Pensei em mentir, mas não fazia muita diferença. Não era como se ele tivesse qualquer direito de me julgar.

— Eu... dei em cima de um anjo. Aí meu castigo foi virar anjo da guarda de uma garota, e aqui estou.

O homem fitou-me por um longo momento, e então abriu o maior dos sorrisos.

— Dando em cima de anjos, hein? Você é definitivamente meu filho! — Frederick bateu palmas, e eu não sabia se estava me sentindo mais surpreso ou aliviado.

— Temos que voltar para aquela casa onde você estava.

— Garoto, eu já disse que tenho que ir.

— Me dê cinco minutos. Por favor.

Frederick hesitou, mas por fim suspirou e disse:

— Tudo bem. Por que temos que voltar para a casa?

— A Serena está lá, e eu preciso... — parei de falar quando Frederick ergueu uma sobrancelha. — O que foi?

— Você gosta dela. Essa Serena.

— E você tirou essa conclusão por que...?

— Pelo jeito que diz o nome dela, como se aproveitasse cada sílaba. E seus olhos relampejam em dourado quando fala dela.

— Certo, se isso fosse verdade, tenho certeza de que alguém já teria percebido.

— Os humanos veem o que querem ver. Eu já tive contato o suficiente com o Céu para diferenciar — Frederick murmurou. — Provavelmente todo o contato que vou ter na vida. Ou depois dela.

— O que...?

— Não é importante. Vamos, garoto, eu quero conhecer essa tal Serena.

* * *

Serena estava sentada num dos degraus em frente à casa, conversando com um garoto um pouco mais novo do que ela. Seus olhos vagavam pela rua, e brilharam quando encontraram os meus.

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— Seeler! — ela se levantou. — Você estava demorando, eu pensei que... — seus olhos se focaram em Frederick. — O senhor causou um grande problema, tem consciência disso?

Meu pai — quão estranho era dizer isso? — pareceu se divertir com o tom censurador dela. Depois se virou para mim e disse, sem rodeios:

— Ah, é claro que a garota é linda. Eu deveria ter imaginado. Elas sempre são, não é? — ele suspirou, um pouco melancólico. Então se voltou para Serena e lhe estendeu a mão direita: — Frederick Seeler.

— Serena Argent.

— Hã, e esse é...? — apontei levemente para o garoto com quem Serena conversava.

A garota mordeu o lábio e fez um sinal para que ele se levantasse.

— Heath... Esse é Fred, seu meio-irmão.

Meu queixo caiu e eu me afastei bruscamente por impulso. Eu sabia que não tinha o direito de me sentir ultrajado, mas me sentia.

— Você... teve outro filho?! — encarei Frederick, bufando.

— Sim, com outra mulher. Não estamos mais juntos, mas o rapaz mora comigo.

— O que houve com a mulher?

— Deve ter sido tirada de mim, como todo o resto. Fui sortudo por eles terem deixado o garoto — ele apontou para Fred.

Eles?

— Vocês querem chá? Sinto que temos muito a conversar.

— Que fixação é essa por chá nesse país? — indaguei, mas entramos na casa.

Era pequena, porém bem bacana. As paredes eram de alguma cor entre laranja e marrom, mas estavam quase completamente cobertas por quadros pintados com tinta a óleo. Serena sentou-se ao meu lado no sofá e entrelaçou os dedos da mão nos meus, porém os soltou quando Frederick voltou.

— Prontinho — o homem colocou uma bandeja com chá e biscoitos na mesa de centro.

Timidamente, peguei uma xícara e um biscoito. Frederick ergueu uma sobrancelha para Serena.

— Pode se servir, querida.

— Não estou com fome — murmurou ela, um pouco seca.

— Garoto, faça sua namorada comer.

— Não sou namorada dele. E mesmo se fosse, o que faz o senhor pensar que o Seeler teria qualquer influência no que eu faço ou deixo de fazer? E, afinal, por que ele deveria obedecer você? Fez com que acreditássemos que estava morto.

Se ali fosse o Céu, eu já estaria implorando para que desculpassem Serena. Mas não era o Céu, e eu não queria me desculpar.

Frederick não pareceu muito abalado.

— Essa coisa de vocês não serem namorados — começou ele. — quer dizer que não estão fazendo sexo? Porque, acredite em mim, nada de bom acontece quando você engravida alguém que não é da mesma espécie que você.

— Eu aconteci — defendi.

— Ele disse "nada de bom", Seeler — Serena provocou. — Afinal, Fred sabe sobre...?

— A coisa toda de anjos? Ah, eu contei a história toda, mas ele acha que eu estava chapado.

— Entendo a sensação — murmurou ela.

— Falando nisso, garoto, será que você poderia voar ou sei lá para provar ao outro garoto que eu não sou pirado?

— Hã... Não — respondi.

— Você é inacreditável — Serena bufou, batendo com as costas no encosto do sofá. — Já sei de onde o Seeler tirou a falta de noção. Afinal, por que a vizinha velha disse que você tinha morrido?

— Porque eu a fiz acreditar que eu tinha.

— Do que está com medo, Frederick? — ela abriu um leve sorriso entretido. — Ninguém simplesmente desaparece.

Serena

— Fred, vá mostrar a casa ao seu meio-irmão — ordenou Frederick, parecendo um pouco aturdido com a pergunta.

Fred Júnior arrastou Heath sob protestos até o andar de cima.

— Pode ir falando — encarei o Seeler Pai.

— Você parece muito interessada na vida do meu filho.

— Não desvie a conversa.

Frederick riu.

— Não estou desviando. Esse é exatamente o ponto principal. Humanos interessados demais em anjos.

— Seeler não é um anjo.

— Acha que isso faz diferença? — ele ergueu uma sobrancelha.

— Espere... O Céu tentou matar você?!

— Não, eles não matam ninguém. Mas já que anjos são o bem em pessoa, a má influência foi toda creditada a mim. Maureen era um anjo importante, foi um pecado muito grande ser a razão da queda dela. Fui castigado. Tiraram a mãe de Fred de mim, meu dinheiro, muita coisa.

— Ela... morreu? — Não. Então, quando Heath fez seis anos...

— Vocês o mandaram para o Céu para ter certeza de que ele ficaria seguro — a verdade me atingiu.

— Sim. O Céu ganhou um recruta e eu perdi um filho. É assim que as coisas funcionam.

— Não pode ser assim — funguei.

— Odeio estragar seu pequeno conto de fadas, mas é assim que as coisas são, mocinha. Se alguma coisa acontecer com Heath, quem você acha que vai levar a culpa? — ele me encarou. Eu estava mal demais para responder. — É cristã? — Fiz que sim com a cabeça. Depois de tudo aquilo, como poderia não ser? — É, isso deve ajudar um pouco. Qual o mais próximo do Inferno que já chegou?

— Hã... Uma vez eu atropelei uma pomba com uma bicicleta, mas foi sem querer.

— Algo mais?

Eu não queria contar, mas se alguém entendia o que eu estava passando, era aquele cara.

— Bem... Teve a vez em que descobrimos que você estava morto. Heath ficou puto comigo e foi voando para casa, só que já fazia duas horas e ele ainda não tinha chegado em casa. Pensei que ele tivesse feito alguma coisa muito idiota.

— Idiota tipo ser atropelado ou voltar para o Céu sem se despedir?

Funguei novamente.

— Os dois.

— Interessante, mas eu estava falando sobre o Inferno literal.

Mordi o lábio com força.

— Érrr... Um meio-demônio me beijou uma vez. E pode ser que eu meio que tenha tido uma queda por ele. Isso conta?

A reação de Frederick foi a menos educada possível: ele riu.

— Beijando demônios e anjos. É realmente o melhor dos dois mundos, não é?

— Não seja tão babaca. O humor sádico do seu filho já é suficiente, obrigada.

Ah, Argent, você ama meu sarcasmo — Heath abriu um leve sorriso presunçoso, sentando-se ao meu lado.

— Você sonha — retruquei.

— Temos que estar em casa para o jantar, mas... — ele encarou o pai com certa expectativa. — Podemos voltar?

— Não tenho certeza se... — começou Frederick, mas eu o interrompi, dizendo:

— Ótimo, estaremos de volta na segunda. Vamos, Seeler.

— Foi realmente ótimo encontrá-lo — Heath sorriu, apertando a mão do pai.

— Claro, claro. Tchau, garoto. Tchau, mocinha.

Acenei e empurrei Heath para fora daquela casa antes que a realidade imposta caísse sobre meus ombros e eu desmoronasse.