Um Outro Conto de Fadas

Saindo de casa - Parte 2


...

Muito depois de o fogo ter sido apagado. Muito depois da policia ter sido chamada. Na noite do dia seguinte, algo se moveu na escuridão do quarto semi destruído.

Começou com um leve gotejar, como água infiltrada. Do vértice direito do teto daquele recinto – o que ficava mais próximo da janela – gordas gotas negras desciam em direção ao solo, não deixando mais do que uma fina linha gordurosa como pista de seu trajeto. No entanto, quando aquele material chegava ao seu destino, acumulava-se em uma mancha ebânea que podia ser vista mesmo no negrume daquele recinto.

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A cada segundo que era deixado para trás, o fluxo daquele estranho líquido aumentava, contribuindo para a pequena poça no chão que não parava de crescer. Logo uma corrente negra considerável escorria pelo lugar, marcando o papel de parede com uma substancia úmida e mal-cheirosa, como se um exercito de lesmas houvesse passeado pelo local.

Com tal reforço a mancha no chão não se limitou a crescer. Balançava selvagemmente, e formava estranhos redemoinhos. Aos poucos começou a se expandir, não espalhar para os lados como um líquido normal, mas ir para cima, formando o corpo de uma criatura mais negra que o céu noturno.

Primeiro vieram os pés, nada mais do que algo oval, sem dedos. A seguir vieram as pernas – grandes e desengonçadas – logo sendo completadas por um tronco circular e pequeno demais para as proporções da criatura. Mais tentáculos do que qualquer outra coisa eram os braços, quase do tamanho dos membros inferiores e constantemente se contorcendo, como se influenciados até mesmo pelo menor deslocamento de ar, coisa que também parecia acontecer com a cabeça – nada mais que uma bolota escura desprovida de feições – pendendo oras para um lado, oras para o outro. A mancha negra havia desaparecido do chão, era o próprio corpo daquele ser.

A criatura ficou onde estava. Suas pernas se moviam como se estivesse andando, dando longa passadas e ela balouçava os braços cabeça, sem parar. Contudo, a despeito de todo esse movimento, não saía do lugar. Ocasionais respingos da matéria preta caiam no piso, mas eles rapidamente voltavam para sua fonte, como que possuindo vida própria.

Em algum momento o monstro começou a aumentar o ritmo de seus movimentos, tornando-os ainda mais fluidos, logo começou a gingar e dançar através do quarto, em uma seqüência de passos surreais. Aqueles padrões abrangiam longas passadas para pequenas distâncias, saltos amplos e girar de corpo, sempre acompanhados de movimentos ondulados e hipnóticos, que apenas poderiam ser executados por uma criatura desprovida de ossos.

Um zumbido aumentava progressivamente, vindo de algum lugar do quarto. O recinto pareceu tremeluzir e ondular, como a visão de uma pessoa afetada pelo calor ou mesmo uma televisão fora de sintonia. O monstro aumentou a freqüência do seu louco bailar e logo uma luz amarelada – mas que estranhamente não parecia iluminar – preencheu o contorno da única porta do quarto. A matriz da realidade fora torcida e, por menos de um segundo, tudo o que estava ali pareceu ser tão real quanto uma difusa ilusão.

O golem de tinta diminuiu seu ritmo. Os zumbidos pararam.

Havia presenciado todos os eventos do dia anterior. Os reproduziria com perfeição para seu mestre.

Cambaleando abriu a porta, agora adornada com curiosas runas luminosas, e a atravessou...

... Rumo à Immaginária.

...

O Macaco-Rei, sentado em seu trono de mármore, desprendeu um sorriso maroto de dentes afiados diante das notícias que recebeu.

Um plano começava a se formar em sua mente.

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Fim da primeira parte.

Á seguir: O dia seguinte: Spider e o Macaco-Rei.