Um Outro Conto de Fadas

Uma conversa muito esperada - Parte 5


...

O chão do quarto estava áspero sob o diminuto Allstar rosa que a garota usava –sensação causada pelos minúsculos cacos de vidro que habitavam aquela parte do recinto – . Há poucos minutos ela estava descalça, com a sola dos pés desprotegida, mas, ao levantar de sua cama com o chamado de Owen, acabou por perceber que ainda vestia seus pijamas. Com esta percepção, não demorou para que um rubor tingisse seu rosto de vermelho e, literalmente, empurrasse o caçador para fora do quarto e batesse a porta atrás de si. Normalmente não se sentiria tão envergonhada, mas, nutria estranhos sentimentos por pelo seu salvador. Naquele instante Owen não entendeu por que fora expulso, sem nenhuma explicação. No entanto, esperou. Alguns minutos depois do acontecido, a porta fora aberta novamente e, com um gesto da garota, foi convidado a entrar novamente. Percebeu os motivos e, por reflexo, esboçou um sorriso, achando graça no fato de que mesmo aos onze anos garotas terem sua vaidade.

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Faye agora trajava, além de seus sapatos Allstar, uma saia marrom, com detalhes em dourado, que passava de seus delicados joelhos e uma camisa branca atravessada por três tiras rosa em seu lado direito. Seus cabelos negros haviam sido escovados rapidamente e caiam parte para frente, sobre seus ombros, parte para trás, terminando no meio de suas costas. Uma mochila azul-claro pendia do ombro da garota, estava estufada e continham roupas e outros acessórios. Estava claro que havia se preparado para ir embora do lugar.

O caçador notou este ultimo detalhe, mas não se preocupou em comentar, afinal, sabia que haveria de levá-la dali. Ao invés de questionar a garota sobre o que ela fizera, foi até as garrafas que havia trazido e as arrastou com um dos pés para mais perto do monstro. Ia chamar a atenção de Faye para si, pois iria continuar com algumas explicações, mas a garota já olhava para ele, intensamente e com olhos brilhando tal qual estrelas no negro da noite. Owen não se sentia muito a vontade com essa fixação que a menina demonstrava ter por ele, mas ignorou, podia resolver isso mais tarde. Havia trabalho a fazer.

– Ok... Tenho que fazer algumas coisas aqui. Coisas tão importantes quanto acabar com esse monstro. Como você vai vir comigo... É bom ver por si só algumas coisas. Para aprender mesmo e ver o tipo de loucura que te espera.

O olhar de Faye só foi desviado devido ao vigoroso balançar de sua cabeça. Prestaria em atenção em tudo o que lhe fosse mostrado.

– Ceeeerto, garotinha. Vamos ao que interessa. – Disse com um sorriso e um movimento de mão, apontando para a criatura morta.

Owen ajoelhou-se sobre a perna direita, pretendendo analisar o corpo da criatura de perto. Porem, assim que completou tal gesto, uma dor aguda perfurou a região lateral de suas costelas. Imediatamente uma careta de dor tomou conta da expressão calma e sorridente que normalmente residia no rosto do caçador e ele rapidamente levou uma das mãos até a fonte de sua agonia. A súbita guinada e a falta de apoio o fez perder o equilíbrio e ele quase caiu para trás.

Faye apavorou-se com o súbito ataque. Seus olhos se encheram de pânico e rapidamente venceu a pequena distancia que separava os dois. Colocou suas mãos no ombro do homem, querendo ajudar a se manter estável. Não conseguia imaginar o que havia acontecido. Teria de alguma forma o monstro voltado dos mortos ao ter seu corpo profanado e exigiu sangue como vingança? Faye imaginou que não. Acreditava que não. Mas, por segundos extraordinariamente longos, essa duvida atroz persistiu em sua mente e o medo preencheu seu ser.

O braço desocupado do caçador afastou a ajuda da garota com rispidez, fazendo com que ela recuasse alguns passos e quase caísse, assustando-a mais do que já estava. Mesmo que ele tivesse absoluta certeza de que a criança nunca lhe ofereceria perigo, não tinha como pratica habitual confiar nas pessoas e essa peculiaridade em particular costumava se acirrar quando estava ferido – tal qual um animal selvagem levado pelo seu instinto de sobrevivência –. Porém, voltou a ser dono de si logo apôs tal gesto, percebendo a grosseria vil que havia feito com a doce garota que apenas tencionava auxiliá-lo. Com vergonha de seu movimento impensado olhou para o rosto da companheira e enxergou uma mistura de medo, vergonha, assombro e uma pontinha de decepção. Não conseguindo encontrar palavra reconfortante que fosse, limitou-se a sorrir – ainda com um esgar de dor em seu rosto – e fingir que nada havia acontecido.

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– Entradas cinematográficas cobram um preço em qualquer lugar que não seja um filme, garotinha, até nesta história. Anota isso em algum lugar, pode salvar sua vida qualquer dia desses.

Tentou se levantar, mas uma nova explosão de dor acometeu a região machucada e ele acabou por continuar agachado onde estava. A mão direita ainda agarrada ao ferimento no flanco oposto. Olhou novamente para a garota. Agora que a suspeita de um ataque surpresa por um novo inimigo – ou mesmo o antigo, mas ressuscitado – passara, o rosto de Faye assumira um semblante que era um misto de mágoa e raiva. Seus lábios estavam apertados, formando um bico e os olhos semicerrados devido às sobrancelhas que os comprimiam para baixo. Ela parecia decepcionada e uma sensação de culpa atingiu o caçador com tamanha lucidez que sua loucura teve que lutar para se manter soberana.

Confuso devido a essa mistura de estados opostos – que acabavam por gerar forças de direções opostas no turbilhão que era sua mente – permaneceu uns instantes parado, sem nem mesmo lembrar-se da dor palpitante que o acometia. Porém, logo seu cérebro começou a se estabilizar em seu costumeiro caos e sua paralisação foi se esvaindo, na medida em que as poderosas pontadas em sua costela entravam novamente no campo de sua percepção.

Faye olhava para ele, desconfiada. Sua decepção fora rapidamente substituída por estranheza, devido ao tempo em que os pensamentos seu salvador pareceu estar fora do próprio corpo. “no mundo da lua” Sua mãe teria dito. Intensificou o olhar de curiosidade e desconfiança quando ele subitamente se agitou, como que aterrissando no próprio corpo.

Novamente no controle de seus atos, Owen retirou as mãos da área machucada. Ainda doía, com pontadas que acompanhavam o ritmo do fluxo de seu sangue, porém, atento para a dor, conseguia suprimi-la o suficiente para continuar seus afazeres – prática a qual estava acostumado –. Levou a mão para frente do rosto, sentindo-a quente e molhada. Sangue. Claro que havia sangue, a bandagem que fizera fora completamente improvisada. Mas algo na natureza humana parece fazer com que sempre seja necessária a visualização daquele liquido vermelho para que o ferido realmente se convença de seu estado, como que uma segunda opinião fosse imprescindível para a crença de que o corpo está machucado. O caçador olhou para o lado, para sua camisa, e constatou que a mancha vermelha não era tão grande quanto imaginava. Já havia passado por sufoco pior, afinal.

A visão da mancha de sangue na camisa de seu companheiro, Faye logo esqueceu a grosseria que havia sofrido. Seus olhos se arregalaram e então se alvoroçou, temendo o perigo que aquilo representava. Afinal, mesmo sendo a mancha não sendo grande, os fluídos tiveram que atravessar pelo menos duas camadas de tecido e isso era com certeza um mau sinal. A garota fez gestos amplos com os braços – em via de ser notada – e, quando conseguiu a atenção que almejava, apontou insistentemente para o foco de sua agitação. O rosto de Faye dispensava palavras. Estava preocupada, beirava o desespero. Queria saber se Owen ficaria bem.

– Não precisa se preocupar. Já passei por sufoco maior. Acredita, Faye, alguém que vive como eu não vai cair por causa de um vidro. Muito anticlímax, saca? Se eu morrer vai ser em alguma luta épica ou algo parecido. O que aconteceu foi que quando me joguei na janela me cortei quando ela quebrou. Aqui na costela foi pior, mas não tanto quanto parece.

Ele afastou a camisa de botão e levantou a camiseta que usava por baixo, revelando ataduras.

– Eu fiz uns curativo meia-boca quando dei uma saidinha, taquei em cima álcool também, para desinfetar e coisa e tal. A ferida deve ter piorado um pouco quando abaixei de vez, mas nem esta doendo tanto assim. Só fui pego de surpresa. Não precisa se preocupar.

A garota pareceu pensar por uns instantes. Depois revirou os olhos e deu os ombros, sorrindo docemente em seguida. Acreditara na palavra de Owen. Se ele dizia que estava bem, estava bem. Ela voltou, em seguida, sua atenção para o monstro, já sabendo que ele seria o foco por agora. Já havia praticamente esquecido todo o incidente de ver Owen retorcer-se de dor e sangrar; em sua inocência nem mesmo lembrava-se de quase chegar ao desespero. Curiosidade brilhava intensamente em seus olhos.

– Agora... Finalmente ao que interessa.

Ele aprumou-se e tateou sua calça desbotada. Tirou de um dos bolsos um pequeno recipiente de metal, de formato e tamanho semelhantes a seu dedo médio. Trouxe também uma tira de pano não muito grande que, com presteza, rasgou em dois pedaços de tamanho próximo e os amarrou no indicador e dedão da mão direita. Abriu a tampa do pequeno tubo metálico e volveu sua boca em direção à Faye.

– Tá vendo esse pozinho branco? Sabe o que é isso? – olhou ligeiramente para trás, como se mais alguém estivesse presente no recinto – A dica é: Não é cheirado por ninguém nem colocam bunda de bebê.

A menina balançou a cabeça, em uma negativa.

– Isso aqui é nitrato de prata. AgNO3. Ou seria NO2? Tudo bem, o que importa é que é nitrato de prata.

A garota não sabia do que ele estava falando.

– Hmm... Como explicar para você? – pensou por uns instantes – Que tal assim... Isso é tipo... Tipo sal, mas feito com prata e nada recomendado para por em comidas. Na verdade isso queima um pouco a pele. Tipo um ácido.

Séria, a garota balançou a cabeça. Indicando que havia compreendido. Ou, pelo menos, que pensava isso.

– Mas agora tu vai ver uma coisa interessante. Já que estou com as mãos ocupadas, poderia puxar um dos bigodes do bicho aí?

Faye olhou para o homem com estranheza, como que duvidasse que ele estivesse realmente pedindo aquilo. Sem mais explicações, ele se limitou a fazer um gesto com a cabeça, incentivando-a.

Sem discutir, a garota olhou para o monstro. A criatura estava caída de lado, logo em frente à passagem. Havia morrido encostada na porta, prostrada, no entanto, o vai e vem de Owen acabou por jogá-la para o lado e para frente, onde, agora, jazia como um bêbado em seu coma alcoólico.

A bala havia feito um buraco considerável na testa do monstro e um bolo disforme e avermelhado escapava da abertura. Faye, em sua inexperiência, ficou espantadíssima com os danos que o disparo havia causado, não fazia idéia de que um ser humano estaria totalmente irreconhecível com o poder daquele calibre.

O sangue da criatura formava uma poça atrás e por baixo da mesma, junto com fragmentos de massa encefálica. Embora fosse vermelho, aquele sangue não era normal. Era espesso. Grudento. Faye pode constatar quando chegou mais perto, que pequenas larvas brancas bailavam e produziam ruídos parecidos com estalos em meio àquele fluido. A menina se pôs de joelhos em um ponto onde o sangue não estava acumulado e começou a dobrar-se em direção à cabeça da fada.

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Um esgar de asco tomou a face da menina e ela retrocedeu um pouco. No entanto, com coragem, forçou seu avanço. O cheiro de morte que o monstro naturalmente exalava já não a afetava – seus sentidos se habituaram – e nem mesmo ficara registrado muito bem em sua memória. No entanto, aquela mistura de diferentes materiais que escapara da criatura – levando também a sua vida – exalava algo que Faye nem conseguia caracterizar como odor. Foi como se toda uma nova realidade olfativa houvesse atingido as narinas da garota. De algum modo seu paladar registrava perfeitamente o gosto daquela miscelânea, mas, o esmerado cérebro da garota apagava qualquer registro daquilo imediatamente apôs aquela sensação gustativa voltar, a fim de preservar a própria sanidade. Aquele fedor era tão forte que parecia ter peso perceptível, como que fosse solido, não conseguindo evanescer-se para mais longe do que de três palmos de sua fonte, detalhe que, de certa forma, era uma benção.

A cabeça de Faye zuniu e ela lutou para manter-se consciente. Sentiu seu estomago embrulhar e logo sentiu a horrível sensação de algo quente e quase liquido subir pelo seu estomago. Ela se engasgou conforme aquilo subia e automaticamente sua mão foi até a boca. Contudo, talvez ajudada pelo fato de pouca coisa haver em seu estomago, não fraquejou, conseguiu se controlar e evitar que vomitasse. A menina tremia. Mas, ainda assim, avançava para seu objetivo. A maioria das pessoas teria desmaiado no processo, mas o corpo frágil e inocente daquela garota escondia uma força de vontade que poucos possuíam.

Owen tinha total consciência do angustiante e até doloroso processo que a garota estava passando. No entanto, nada falou. Deixou que ela enfrentasse aqueles odores alienígenas sem nenhuma palavra de consolo. Afinal, se ela queria realmente sair dali com ele, teria que ajudá-lo. O caçador ainda não via como ela conseguiria fazer isso, portanto, imaginou que aquilo que mandara iria ao menos servir como um pequeno teste de resistência. Além de comprovar empiricamente o que ele demonstraria em seguida.

Vencendo as inusitadas dificuldades que apareceram naquele minúsculo trajeto, Faye conseguiu chegar onde queria e, com cuidado para não tocar a carne da criatura –um medo infundado de que esta voltaria a vida se tal feito ocorresse –, puxou um fio do duro bigode da criatura. Contudo, a força que empregou não foi o suficiente para retirar aquele pêlo hirsuto, apenas fazendo com que a bochecha do monstro levantasse em um esboço de sorriso escarnecedor. A garota imprimiu mais força no puxão. Nada aconteceu. Logo ela estava usando toda a sua força e ainda impulsionando com as pernas. Deslocou o monstro de seu lugar original, arrastando-o para trás por vinte centímetros, constatando que a fada era bem mais pesada do que aparentava. No entanto, aquele pêlo não cedeu.

Quando desistiu, ela olhou pra Owen, confusa.

- Difícil, né? Eu até conseguiria arrancar um desses, com bastante esforço. Acho que são tão resistentes assim pra sair porque são importantes. Além de ser tipo o bigode de um gato, que ajuda na locomoção e coisa e tal, serve pra outras coisinhas também. Depois explico melhor. – balançou a mão, tentando passar a impressão de que aquilo era irrelevante no momento. – Agora, dê atenção para isso aqui.

Com um movimento rápido o caçador despejou um pouco do nitrato de prata onde ficavam os bigodes do monstro. Além de uma pequena dilatação em suas narinas – coisa que aconteceu apenas em um instante – não pareceu ser afetado pelo odor indescritível que a criatura estava exalando. Pouco depois de o sal entrar em contato com seu alvo, a carne do monstro começou a escurecer e logo a apresentar sinais de podridão, como se estivesse necrosando em um ritmo alucinado. Pequenas feridas se abriram, aumentando com o tempo e borbulhando um liquido esverdeado um tanto quanto semelhante ao pus, talvez advindo de algo equivalente ao sistema linfático. O processo terminou apôs quase um minuto, fazendo com que o monstro parecesse ter um grave problema de pele na região afetada.

Owen não esperou a reação da garota, se adiantou e puxou com leveza alguns – utilizando os dois dedos enfaixados – dos bigodes da fada, que saíram como agulhas através de um tecido fino. Colocou o que havia adquirido dentro do vasilhame que guardava o nitrato e logo este estava guardado novamente em seu bolso.

A garota entendeu parte do que havia acontecido. Mas esperava por uma explicação mais exata.

– Como eu falei, em mim ou em você esse nitrato de prata só deixaria uma manchinha escura e ardendo um pouco – dizia Owen enquanto desenfaixava as tiras de pano dos dedos. – Na verdade, eu só uso isso aqui por frescura e porque tenho um pouco de alergia. Talvez também por causa de um pouco de medo de atrapalhar na hora de um tiro ou algo assim... Bem, o que importa é que, como deve ter visto, aconteceu uma coisa beeeem diferente com o monstro, né?

Ela cruzou os braços e revirou os olhos para cima. Impaciente. Não queria ser tratada como uma criancinha e preferia que ele fosse direto ao ponto, sem muitos rodeios.

– Certo, certo... Não precisa fazer essa cara. – ele riu – O que acontece é que essas criaturas são, como dizem, vulneráveis à prata, tipo lobisomens. Na verdade não só elas, todos os seres sinistros que eu conheço tem uma fraqueza contra esse metal. Eu não sei bem por que isso acontece. Até tenho algumas idéias, se quiser depois te explico melhor, mas certeza certeza não tenho nenhuma. Sei apenas que funciona e por isso sempre carrego isso aqui...

Antes que Faye pudesse entender que ele iria pegar algo, ouviu um silvo de metal raspando e então o hábil caçador já havia retirado uma longa faca prateada – com uma lamina de quase vinte e cinco centímetros – de um bolso não muito grande que ficava na panturrilha de sua perna esquerda. A garota não pôde ver a peça por mais de um segundo, pois, com um giro de sua mão, ele guardara a arma tão rápido quanto havia retirado.

– Agora vou...

Ele não terminou de falar, pois a menina, com o cenho franzido, estendeu a palma para frente pedindo que ele parasse. Ela puxou o bloco de anotações e a caneta rosa de uma pequeníssima bolsa – feita para guardar justamente estes itens – que estava pendurada em seu pescoço e escondida atrás de sua camisa. Tentou ser tão rápida quanto ele, mas tudo o que conseguiu foi quase jogar o caderninho em cima do sangue da criatura. Fingiu que nada acontecera e então escreveu rabiscou rapidamente algumas palavras, mostrando para Owen em seguida.

“Porque não usou esta espada pra tirar o bigode daquilo se ela é de prata? Como tiro essa espada tão grande de um bolso pequeno? Magia? Meus olhos diz que sim, mas algo me diz que não....”

Owen sorriu para ela e explicou

– Esse algo esta certo, não tem magia nenhuma aqui. A bainha dessa... Faca, pois está a quarenta e cinco centímetros de ser até mesmo uma espada curta, esta amarrada à minha perna e metade esta enterrada no cano de minha bota. Eu rasguei uma parte do lado de dentro do bolso, aí dá para tirar ela sem problemas. Como eu disse, sem magia por aqui. Até porque, magia é algo... Sutil. Nada de tirar bazucas de dentro dos bolsos eu usar bolas de fogo como se fosse canivete suíço. Pelo menos nunca vi gente que podia fazer isso. – Olhou por sobre o ombro – Se quiserem ver explosões mágicas e batalhas épicas melhor lerem alguma coisa daquele Elminster apelão.

Ele voltou a olhar para a garota e, com certa ternura, deu dois tapinhas onde a sua faca deveria estar escondida.

- É de estimação, eu não iria ficar usando para serviços baixos como cortar um bigode! Mas, de qualquer maneira, você esta fazendo as perguntas erradas...

Faye pareceu chateada por um momento, mas sua expressão se anuviou e ela colocou a mão no queixo, pensativa. Logo escrevia novamente em seu bloco de anotações.

“Porque os bigodes??”

- Agora sim algo de certa importância, garotinha. Assim, eu tinha que chegar aqui, não é mesmo? A grande questão é COMO eu sabia que a fada apareceria por aqui. No final é bem simples. Eu uso esses bigodes, o primeiro dente de leite que cai de uma criança e mais umas coisinhas e então faço uma maravilhosa... Bússola. Tudo bem que é descartável, funciona só até chegar perto de outra dessas “fadas”, aí eu tenho sempre que estar repondo o estoque. Mas nada que eu não possa resolver.

Colocou o dedo sobre os lábios e pareceu pensar por uns instantes.

- Esta na hora de adiantarmos as coisas por aqui. Se ficar muito cedo corre o risco de alguém me ver e isso não seria legal...

Ele estendeu o braço e puxou a bolsa rústica que a fada trazia presa à cintura. Não explicou nada para a garota, apenas guardou como se aquilo não fosse importante.

- Agora, finalmente, às garrafas! – fez uma pequena reverência, como fosse fazer uma apresentação em um circo, arrancando risadas da garota.

Primeiro foi o azeite. Ele pegou garrafa e despejou todo aquele conteúdo esverdeado, que caiu pesadamente sobre o corpo morto da criatura. Ele espalhou o máximo que pode, antes do conteúdo do vasilhame acabar. E então, falou, como se aquela palavra explicasse tudo o que a garota precisava saber.

- Azeite.

Depois foi a vez da querosene e da água sanitária, derramou-as da mesma maneira, usando todo o conteúdo. Não se preocupou em encharcar o chão com aqueles líquidos inflamáveis. Até agora nada havia acontecido com o monstro, além de ficar molhado e, incrivelmente, mais feio, devido ao pêlo úmido que colava em seu corpo.

- Podia ter sido álcool no lugar da querosene. Mas querosene funciona melhor... E muito mais rápido, diga-se de passagem. Como muita coisa, não sei os porquês. Mas, para mim, basta que funcione.

Tirou novamente o nitrato de prata do bolso de sua calça.

- Agora, o toque final. Sugiro que se afaste.

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A menina atendeu a sugestão dele assim que abriu o recipiente. Ele retirou os bigodes do monstro – curiosamente sem se importar com seus dedos desta vez – e despejou todo o conteúdo no meio do corpo do monstro, sem nem mesmo espalhar. Em seguida tornou a depositar os bigodes no vasilhame e guardar o mesmo no bolso. Então esperou.

Nos primeiros instantes nada pareceu acontecer e Faye começou a se perguntar se de fato aquilo serviria para alguma coisa ou se era alguma maluquice de seu estranho príncipe. Porém, quando pensou em se valer de seu bloquinho para que pudesse se comunicar, sem aviso prévio, uma chama azulada apareceu no amontoado de nitrato e em um piscar de olhos havia tomado todo o corpo da criatura.

Faye nem teve tempo de se assustar, pois o belo efeito a cativou instantaneamente. Espirais branco-azuladas esvaneciam daquele do corpo em chamas. Formando padrões serpentinos que mais pareciam fazer parte de uma obra de arte. Aquele fogo não parecia ser quente. E, mesmo que não emitisse calor a garota sentiu que era reconfortante e terno. O quarto foi invadido por uma belíssima coloração esbranquiçada, que parecia sobrepujar a luz da lâmpada. Figuras e desenhos estranhos se formaram nas paredes, não como se estivessem sendo desenhados, mas como se sempre estivessem ali e aquelas chamas tivessem o poder de revelá-las. E aquilo não era apenas bonito, parecia emanar uma aura de calma e paz que tirou qualquer resquício de medo que havia no coração da garota.

Owen já havia visto aquilo algumas vezes. Ainda se impressionava. Mas não deu atenção para nada que podia ser visto. Fechou os olhos e embrenhou-se naquela paz, que nunca mais conseguiria sentir em momentos normais, e sentiu-se livre conforme sua mente parecia libertar-se de toda a loucura e mostrar-se leve como nunca fora. Sabia que quase poderia voar... Faltava muito pouco.

Nenhum dos dois pôde aproveitar muito bem, pois as chamas apaziguadoras se foram assim como vieram. Os desenhos sumiram. A luz da lâmpada voltou. A calma sobrenatural se foi. A loucura novamente se fez. Tudo estava como antes, com a diferença de que o corpo do monstro não existia mais, nem seu sangue maculava mais o quarto e nenhuma mancha que fosse parecia estar presente. Nunca houve o risco de que o quarto pegasse fogo, pois, mesmo que os comburentes encharcassem parte do chão, o efeito pirotécnico se limitou a corpo da criatura.

– Legal, não é mesmo? – Owen começou e a garota prontamente voltou-se para ele – Isso é tipo um... Ritual de purificação. Tira o corpo do monstro daqui. Limpa as profanações que deixou por onde passou e evita que alguém use suas partes amaldiçoadas para alguma coisa. Claro que não era só querosene ali, coloquei umas coisinhas a mais dentro da garrafa, mas, quando uso álcool demora quase uma hora para esses bicho ser consumido... E também, não importa o que eu use, com álcool nenhuma dessas belas coisas acontecem... Vai saber...

Suspirou.

– Até eu não me habituei... – Parecia um pouco triste, taciturno, como se arrependido de alguma coisa, mas com um minúsculo sorriso de resignação nos lábios – É uma pena para os leitores que isso não possa ser descrito em palavras tão bem quanto é visto... Ou sentido.

Não existia espanto para Faye, talvez se fosse mais velha tentaria negar tudo aquilo que acontecia. Mas ainda era jovem, inocente, principalmente inocente, e tivera pouco contato – fosse com crianças ou adultos –. Portanto, coisas que fugiam da lógica racional e do senso comum nada representavam para ela. Tudo aquilo era algo novo como qualquer outra coisa e ela gostava de aprender. Absorvia tudo o que aquele homem falava como a mais absoluta das verdades. Mistérios como os que presenciara aquela noite já haviam sido incorporados à sua idéia de mundo e sua visão do que era e o que não era real.

- Agora, a parte principal. Vamos precisar de seu...

Ele não terminou sua frase. Algo chamara sua atenção. Algo que alarmou tanto Owen quanto Faye. Um frio percorreu a espinha da garota.

Fora do quarto uma porta foi batida, chaves caíram ruidosamente contra uma mesa de vidro e duas pessoas, um pouco bêbadas, conversavam.

Os pais de Faye haviam chegado.

...