Um Outro Conto de Fadas

Uma conversa muito esperada - Parte 4


No fim, ainda houve duvida. Agora que chegara a hora, Owen não estava certo sobre se devia ou não terminar de jogar a garota em seu louco mundo. Louco e perigoso. Coçou a nuca duas vezes com o cano de sua arma, ponderava sobre o assunto. Nunca tivera que explicar nada do tipo para ninguém. E, se pudesse, não o faria. Mas dessa vez... Precisava... Não precisava? Em seus pensamentos havia a certeza de que a garota o ajudaria.

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Certo, mas ajudar com que?


Não imaginava. Mas, a certeza persistia. Deu-se por vencido e começou sua palestra.

– Tudo bem... – Disse Owen andando pelo quarto com a mão no queixo, ainda imaginando como iria começar – Imagine um mundo... Um mundo parecido com esse, mas ao mesmo tempo totalmente diferente. Um lugar que em certas partes esta sempre mudando, a cada instante, e em outras que é a eterna mesma droga. Pense em um mundo que pode ser tanto um conto de fadas quanto um pesadelo. O problema é saber diferenciar o quê é o quê. – respirou fundo, como se lembrasse de alguma coisa e então continuou – Esse outro mundo se entrelaça com o nosso, talvez com todos os outros, mas sem fazer parte de nenhum, mas ainda sim há ligações. Existe contato, até mesmo passagem de um lado para o outro.

A garota se mexeu e Owen, que estava virado para a janela quebrada, percebeu o movimento com a visão periférica. Voltou-se para ela, imaginando que estivesse escrevendo alguma coisa em seu bloco de notas. No entanto, indiferente do que fosse, ela rabiscou o que tinha escrito, fechou os olhos com força, querendo mostrar que estava enganada ou arrependida, deu os ombros e fez um gesto para que seu professor circunstancial continuasse. Owen assentiu e seus olhos se desviaram para cima e para esquerda. Estava lembrando-se de algo. Voltou a matraquear.

– É um pouco complicado falar sobre esse lugar... Ele é imenso. Maior que a terra, talvez até mesmo infinito. Não acho que nenhum de seus habitantes ou ninguém tenha passado por todas suas terras, nomeado todas suas matas, ou mesmo feito um mapa que servisse para todos. Por sinal, mapas não funcionam bem por lá. Além de não servirem muito bem... Coisas estranhas acontecem com quem tenta fazer um mapa... – fez uma pequena pausa, para respirar – De qualquer maneira, como eu ia dizendo... Ia dizendo... Porra, o que eu ia dizendo mesmo? Tudo bem, tudo bem, acho que me perdi na explicação... Me dêem uns segundos, tá? E, por favor, não culpem o escritor pela falta de dialética deste personagem.

Owen colocou uma das mãos e olhou para baixo, sério. A garota não esboçou nenhuma reação, apenas continuou sentada em sua cama tentando absorver as informações que haviam sido apresentadas. O caçador não ficou por muito tempo em seu estado de contemplação. Alguns instantes depois levantou violentamente a cabeça, com um brilho estranho nos olhos, e tornou a falar.

– Certo, vou voltar para a última coisa que me lembro... Errr... Lembram da parte que eu falei que havia contato? – A garota assentiu com a cabeça, mesmo não entendendo aquele plural – Pois então. Esse contato com o outro lado... Ele sempre existiu. Ainda existe, mas nos dias de hoje atravessar a membrana, barreira, camada, dimensão, cápsula, ou qualquer que seja o nome que quem estuda sobre aquele mundo esteja usando ultimamente, tem ficado cada vez mais difícil. Talvez seja o eterno clichê de que a tecnologia afasta a magia... Ou simplesmente as pessoas de hoje não prestem atenção no que ocorre à sua volta.

Ele fez uma pequena pausa. Suficiente apenas para pegar o sanduiche que havia feito, mordiscá-lo e colocar novamente em cima da cama desarrumada. Dessa vez preferiu não falar de boca cheia. Sabia que falava algo delicado e queria ser de todo compreendido.

– De qualquer maneira. Essa ligação entre os dois mundos parecia ser mais consistente ou perceptível do que no passado. O que trouxe à tona uma serie de lendas sobre criaturas fantásticas. Fadas, goblins, trolls, sílfides, banshees, duendes, gnomos, harpias, succubus, inccubus, imps... As lendas, as histórias, os mitos e as fábulas de todos esses provavelmente vêm de encontros com seres vindos desse mundo dentro do nosso mundo, claro que na realidade do lado de lá eles não são exatamente como ficaram conhecidos por aqui... Se bem que... – Mordeu a língua com um dos caninos, tentando se forçar a seguir uma linha de raciocínio – Que... Talvez nem mesmo um encontro físico tenha sido necessário. De alguma forma o que acontece por aquelas bandas está estritamente relacionado com o imaginário das pessoas. Escreva um livro e talvez um de seus personagens ganhe vida lá. Conte mil mentiras e surge uma verdade naquele mundo. Ou talvez seja justamente o contrario. Talvez você tenha usado o personagem, usado a história porque aquilo já existia e de alguma forma tocou sua mente, alcançou seus sonhos, ou, em sonhos, você alcançou essa coisa. Talvez a mentira que você venha a contar, a história de terror sem fundamento que você tente passar adiante já fosse verdade, afinal... Mas eu não sei muito bem, na verdade ninguém sabe, por que diabos isso acontece. Espero que não tenha sido muito confuso... Mas é que tentar falar disso sempre vai ser meio embaralhado.

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Owen estava quase terminando aquele tópico. Tinha consciência que não era dos melhores professores, mas pelo menos imaginou que a garota tivesse captado a idéia do que ele estava falando. Ele imaginou – Sabia – que ela teria mais contato com aquilo futuramente e então tudo ficaria mais claro. Abriu a boca para dar por finalizado aquela parte, no entanto, viu que sua ouvinte segurava o caderno voltado para sua direção. Havia algo escrito. Apurou os olhos e facilmente conseguiu ler. Na pequena folha retangular estava escrito em uma caligrafia corrida: “Qual o nome dessse lugar???”. Owen sorriu para a menina e foi respondido com gesto semelhante. Pensou em uma maneira de sanar a duvida da garota e voltou com seu monólogo.

– Se você não me lembrasse acho que nem chegaria a falar disso. Mas vamos lá. Esse lugar que estamos falando possui inúmeros nomes. Não que seja conhecido exatamente por muitas pessoas. Mas é como eu falei, parece haver uma ligação com o que pensam as pessoas. E varias manifestações de lendas e credos que poderiam vir a ser esse lugar aparecem por todo lado. Os cristãos chamam uma parte dele de paraíso, mas o inferno também é no mesmo lugar, certamente, hoje em dia, esses religiosos não sabem muito bem do que estão falando. Mundo espiritual... É como varias religiões shamanistas e animalistas tratam o lugar. Até que faz sentido. – começou a enumerar com maior velocidade – Shambhala, o reino mítico dos monges tibetanos. Shangri-la em inúmeras histórias fictícias. Avalon, a ilha mágica, dos galeses. Valhalla, Hel, Muspealgumacoisa e outros cinco mundos nórdicos... Hades... Olimpo... Campos Elíseos... Verde do violinista... Hy-brazil Todos esses são exemplos de conceitos que, no fim das contas, fazem parte do mundo que estou falando. Não estou dizendo que os mortos vão para lá, porque eles não vão, mas sim que tudo isso, no final das contas, são apenas conceitos criados por homens comuns, ou não, quem sabe, do que pode ser uma pontinha do que estou falando.

O caçador arfou ao terminar de falar. Dissera tudo aquilo muito rápido. Parou uns instantes a fim de tentar recuperar o fôlego.

Faye estava aturdida, sem nem conseguir piscar. Não conhecia metade do que Owen havia dito em sua explicação. Mas entendera o conceito maior, o quão abrangente poderia ser aquele outro mundo e como suas características fantásticas a muito afetavam o imaginário das pessoas. Forte o suficiente até mesmo para que crenças fossem criadas apenas com partes de seu todo. Aquela estranha definição daquele lugar alienígena havia alcançado as profundezas da alma da garota. Ela não sabia do que Owen estava falando... Mas ao mesmo tempo sabia. Tudo aquilo que não deveria fazer sentido algum – principalmente para alguém jovem e sem conhecimento como ela –... Soava – imitando tambores de guerra ressonando nas entranhas de seu ser, imprimindo com sons poderosos e rítmicos aquelas palavras que trespassavam, em seu intimo, a simplória conotação da “palavra” – como a mais absoluta, universal e incontestável das verdades. E, ela sabia, o era.

– Conseguiu me acompanhar até agora?

A frase tirou Faye de sua quase paralisação, como que jogando ela do alto de uma torre para uma queda fatal contra o solo. E por uns instantes realmente se sentiu em uma queda vertiginosa de algum lugar para lugar nenhum. Ainda estava desnorteada. Concordou fracamente com a cabeça, como se não soubesse direito onde estava e o que fazia. Mas prestava total atenção no que era dito e temia, com medos secretos que não se deixavam chegar à sua mente, que poderia ficar louca se ouvisse mais. Porém, recantos mais escusos, inacessíveis mesmo para seu ID, já sabiam tudo o que seria dito. Concordou novamente. Dessa vez com mais força.

– Tudo bem, vou tentar terminar. – Olhava com estranheza a reação autômata da garota – Existem, tipo eu, algumas pessoas que sabem da existência desse lugar e, diferente de mim, levam a vida à estudar. Esses estudiosos e outros simples aventureiros, como eu, chegaram a uma gama de nomes. O problema é que nem essa nerdaiada de ratos de tomos proibidos e volumes arcanos chegaram ao verdadeiro nome... Isso por que ele não existe. Não existe um nome verdadeiro, pelo menos não que seja de nosso conhecimento. Mas temos que chamar de alguma coisa, não é verdade? Terra dos sonhos é bem aceito, mas o termo não traz a exatidão e passa uma idéia completamente diferente. Wonderland... Como no livro da Alice. É um nome que faz sentido, esse empréstimo chegou a ser “oficial” em certos círculos. Mas as pessoas queriam mais. Queria algo novo e especifico. Somnium Terra, Somnia ou Terra Somniare, são uns dos nomes mais usados. Comum ouvir os conhecedores chamando assim. Mas... Immaginária... É assim como eu chamo. É assim que parece certo chamar, não sei se é esse O nome... Mas... Immaginária.


Owen ficou calado por uns instantes. Pensando na força que aquele nome lhe passava. Em como aquela nomenclatura parecia ser certa. Viu um brilho de reconhecimento nos olhos da garota. O nome também parecia significar algo para ela.

Faye estava boquiaberta. Tudo o que ele falara. Tudo o que a confundira. Tudo o que não entendera e ao mesmo tempo compreendera – de um modo mais fundamental e intrínseco que a palavra “entendimento” denota – podia ser substituído por uma coisa Immaginária.


Agora tudo, não fazendo sentido, tinha um sentido. Esse conhecimento estava acima dela ou de Owen. Era algo que estava impresso... Em sua alma? Em seu código genético? Nenhum dos dois sabia. Mas pareciam ter nascido com aquele nome contido dentro de seus seres. Por alguns momentos ninguém falou ou se mexeu. Olhavam para baixo, com os olhos arregalados e a certeza de saber exatamente o que o outro estava pensando. Immaginária.


Owen foi o primeiro a sair daquele estado de confusão. Afinal, já estava acostumado com pensamentos díspares – causados pela sua loucura – e efeitos desconhecidos de variados tipos. Começou a falar, novamente chamando a atenção da garota.

– Certo, certo. Já te falei de onde veio aquele bicho. Acho que esta na hora de falar mais o que é ele e... – Parou de súbito. Como se algo em seu cérebro houvesse estalado – Tudo bem... Não vai dar para falar sobre isso agora. Vai ter que ficar pra depois. Depois que sairmos daqui.

Faye fez um muxoxo. Queria saber que criatura vil era aquela que quase a assassinara. Poderia ficar extasiada por ouvir o “sairmos daqui”, mas, sua mente nem registrou o fato, já que sua alma há muito sabia que os dois iriam embora daquele lugar juntos.

Ele piscou em direção à garota e, com um gesto da mão chamou-a para perto. Ela prontamente atendeu e, levantando seu corpo diminuto da cama, foi em direção a seu salvador. Ele não ficou calado enquanto ela caminhava graciosamente – evitando os cacos de vidro, com uma agilidade felina.

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– Desculpa aí, Faye e pessoal. Sem mais explicação por agora... Mas... – Fez força para alterar a voz – o próximo capitulo de Dragon Ball Z será: “Que-merda-owen-vai-fazer-com-as-garrafas!”.

...