Secret Garden

The garden


Bom... Tudo começou no meu primeiro dia letivo do 1º ano do ensino médio. Tinha quinze anos e não aguentava mais estudar naquela prisão, ou melhor, no Instituto Francesca de Albuquerque, um colégio interno só para meninas. Minha mãe tinha estudado lá e quis que eu também estudasse. Na realidade, não foi bem assim... As circunstâncias fizeram com que eu estudasse lá.

Enfim, como era o primeiro dia, antes de ir para as salas de aula, eu fui para o alojamento, para deixar minha bagagem. Estava cheio de gente, devido às mudanças que o diretor fazia a cada ano, todas queriam saber quem seriam suas colegas de quarto. Eu não tinha do que reclamar, pois todo ano eu ficava com Kateh, minha melhor amiga. O que sempre mudava era o terceiro elemento, que neste ano seria uma tal “Alex”.

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– Amiga! – fui atingida por alguma coisa por trás e logo vi que era Kateh – Finalmente você chegou! Estava com tanta saudade! – ela me apertou.

– Kateh, eu falei com você hoje cedo...

– Mas não é a mesma coisa... – fez beicinho e eu revirei os olhos – Agora tô aqui com você de verdade...

– Tá bom... – fingi enfado – Há quanto tempo, querida!

Ela riu da minha representação e juntas fomos até nosso quarto. Ficava no 4º e último andar daquele prédio. Por mais que eu não gostasse de estudar lá, não podia negar que a vista que tinha da janela era linda, dava para ver os jardins floridos e verdejantes na entrada da escola, o pátio muito bem cuidado, parte da piscina e o labirinto de arbustos que levava ao meu lugar preferido, porém ninguém sabia dele. Ou se soubesse, ninguém fazia questão de ir lá.

– Será que a Alex chega hoje? – Kateh interrompeu meus devaneios.

– Não sei, Kah, sinceramente, pra mim... – dei de ombros – Quero mesmo é me concentrar nas matérias, foi por pouco que não repeti a oitava série...

– Ah não se preocupe, florzinha, este ano nós duas vamos nos dar bem!

E foi apenas um pensamento, um desejo... Porque se dependesse daqueles professores... Eu voltaria para a pré-escola. Já estávamos nos sentindo mortas antes mesmo do final da primeira aula. No intervalo, desanimadas, sentamo-nos num dos bancos do pátio e ficamos a fitar o nada.

– Oi meninas! – vi que Nathalie se aproximou – Tudo bom com vocês? As férias foram boas?

– Não.

– Sim.

Eu e Kateh respondemos juntas e rimos. Eu sequer saí de casa nas minhas férias e Kateh, bem, ela viajou para Fernando de Noronha. Era bem claro de quem era cada resposta... Nathalie também riu e sentou-se ao nosso lado. Ela, como seus cachos loiros, olhos negros e semblante sereno fazia um pouco de contraste conosco, quer dizer, comigo, pois Kateh, por mais que não fosse nenhum pouco “santa”, nunca deixava isso transparecer em sua aparência. Seus olhos e seu jeito pacífico faziam que todos se deixassem levar por ela. E eu, bem... Geralmente minha expressão era de poucos amigos e não eram muitas as que não se abalavam por ele.

– Estão sabendo do novo boato? – perguntou.

Olhamos uma para outra e como não sabíamos, Nathalie continuou:

– O sobrinho do diretor está vindo pra cá.

– O quê?! – Kateh adiantou-se – Mas este é um colégio feminino, como ele pode simplesmente vir pra cá? Onde ele vai ficar? Tem certeza disso, Nathalie?

– Claro que tenho, é o que mais se fala pelos corredores. Eu não sei onde ele vai ficar e nem o porquê de vir, mas posso te afirmar que as garotas estão muito alvoroçadas.

– Pra falar a verdade, elas parecem que nunca viram homem na vida. – ironizei.

E pela expressão das duas, fui um pouco “rude”. Dei de ombros e sorri.

– Sabem que é verdade, meninas. – continuei – Lembra o que aconteceu ano passado nas olimpíadas intercolegiais?

– Como posso me esquecer... – Kateh abaixou a cabeça – Tenho pesadelos com isso até hoje.

– Não é pra tanto, né Kah? – Nathalie levantou uma sobrancelha – Nem foi você que se jogou no colo de um garoto e muito menos você quem invadiu o vestiário masculino. Não foi você que tirou fotos dos garotos comendo, na janela do quarto, treinando na piscina ou fazendo qualquer outra coisa...

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– Agora sou eu quem vai ficar sentindo vergonha alheia? – perguntei.

– Não foi minha intenção... Ok, só um pouco, mas quer saber? Esse tal sobrinho do diretor vai sofrer muito com essas garotas. Era só isso o que eu queria frisar.

– E como frisou, né Nathalie? – Kateh piscou um olho.

O sinal tocou, indicando que era hora de voltar para a classe. Vimos as outras alunas saindo e continuamos sentadas.

– Vamos, meninas? – Nathalie se pôs de pé.

Eu e Kateh nem nos movemos. A loira sabia o que isso significava.

– Entendi. Mas não é um pouco cedo para matar aula?

– Ninguém aqui vai matar aula, Nathalie. Eu e a Kah vamos apenas gastar nosso tempo em algo mais proveitoso e que aumente nosso conhecimento. – ironizei mais uma vez.

Ela se deu por vencida e nos deixou. Como sabíamos que logo alguém passaria pelo pátio atrás de alunas retardatárias, logo demos um jeito de sair dali. Kateh sempre ia para o quarto, a fim de ficar na internet e eu, bom... Eu sempre ia para o meu lugar secreto.

Peguei o celular e os fones em meu bolso, coloquei minha música favorita para tocar e sorrateiramente me dirigi aos corredores que eram formados por arbustos. Enquanto os versos ecoavam em minha mente, eu passava os dedos nas pequenas folhas.

... It's scratching on the walls / ...Está arranhando as paredes

In the closet, in the halls... / No armário, nos corredores...

Sorri ao perceber que era exatamente o que estava fazendo, de uma forma ou de outra. Quando eu finalmente cheguei ao meu refúgio, a música havia terminado e fiz com que tocasse novamente.

The secret side of me / O meu lado secreto

I never let you see / Eu nunca deixarei você ver

I keep it caged but i can't control it / Eu o mantenho preso, mas eu não consigo controlar

So stay away from me / Então fique longe de mim

The beast is ugly... / A fera é feia...

Realmente aquele lugar precisava de mim. Estive fora apenas por uns meses e parecia que nunca alguma pessoa havia pisado ali. As plantas estavam cheias de ervas daninhas, o mato estava alto e rosas cresciam tortuosas demais. Fui até o canto que guardava as ferramentas e me pus a trabalhar. Por mais que houvesse gente que não gostasse de certos trabalhos manuais, a jardinagem sempre me acalmava, na realidade, ela me lembrava de dias felizes, quando eu e minha família sorríamos abertamente, sem nenhuma sombra do passado que pudesse nos entristecer.

...My secret side i keep /...Eu mantenho meu lado secreto

Hid under lock and key... / Escondido atrás de chaves e cadeados...

Sim, ainda estava ouvindo a mesma música. Este era uma das minhas manias, ouvir a mesma canção inúmeras vezes, principalmente se ela tinha algo relacionado a mim. Comecei a cantar junto com John Cooper:

– I keep it caged but i can't control it, cause if i let him out, he'll tear me up, break me down.

“Eu o mantenho preso, mas não posso controlá-lo, porque se eu o deixar sair, ele vai me despedaçar, me derrubar.”

Involuntariamente fiz alguns movimentos com a cabeça, seguindo a melodia, pois o refrão estava se aproximando.

– Why won't somebody come and save me from this? – continuei – Make it end! I feel it deep within, it's just beneath the skin. I must confess that I feel like a monster. I hate what i've become...

“Por que ninguém vem e me salva disso? Faça isso acabar! Eu sinto isso lá no fundo, está logo debaixo da pele. Eu preciso confessar que eu me sinto como um monstro. Eu odeio o que me tornei...”

Parei de cantar quando finalmente percebi que não estava só.

– The nightmare's just begun...

“O pesadelo só começou...”


Maria Clara ficou em silêncio e Anya a observou com seus grandes olhos, pedindo que continuasse.


– Está na hora de dormir.

– Mas mãe! – protestou – Quem falou isso no final? Você nem conheceu o papai! E o meu trabalho...

– É pra amanhã este trabalho? – ergueu uma das sobrancelhas, pronta para dar uma bronca na filha por ter deixado para fazer a tarefa na última hora.

– Não, é pra outra semana...

– Então vai dar tempo, não se preocupe. Agora vá dormir, querida.