O virgem de 19 anos

Capítulo 17


Quando acordo pela manhã, demoro um pouco até registrar onde estou e a razão. Só então me lembro de tudo que aconteceu, então bato a mão instintivamente na cama em que Vanessa dormia. Está vazia e arrumada.

Levanto-me devagar, me espreguiçando e checando o relógio mais uma vez. Ainda são nove e quinze e hoje é sábado. Onde será que Vanessa se meteu? Levanto-me e dobro os lençóis, assim como minha mãe me ensinou que fizesse quando “dormisse na casa dos coleguinhas”.

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Vou ao banheiro, resistindo ao impulso de agarrar qualquer uma das três escovas de dente e usá-la. Sim, quando se vai viver em república você começa a perder o nojo de certas coisas. Limito-me a lavar o rosto e usar o dedo para escová-los, deixando o cabelo de qualquer jeito e passando a mão pelo tórax para esticar a camisa amassada. Quando saio do banheiro, atravesso o corredor. Uma garota de pijama de vaquinhas me olha, assustada. Suponho que seja a tal da Lila, já que não é a mesma garota que estava na sala aquele dia.

– Bom dia. – Sorrio do melhor jeito que posso.

Ela esfrega os olhos e olha para trás, como se eu estivesse falando com qualquer outra pessoa. Seguro um suspiro e continuo falando.

– Hm, eu sou Caio e você é...?

– Dalila. – Ela sorri de um jeito abobado.

– Lila, você viu a Vanessa por aí? – Sorrio de novo, quase gargalhando pela expressão de seu rosto quando a chamo de “Lila”.

Ela franze o cenho por alguns segundos, em seguida indo até a cozinha. Ali, Vanessa pega as chaves do portão na mesa, indicando que estava saindo. Sorri para mim de um jeito que me deixa feliz, ignorando a garota que gesticula qualquer coisa.

– Você já acordou.

– Não. – Reviro os olhos. – Ainda estou no quarto, não está vendo?

– Idiota. – Ela ri.

Aproximo-me da pia e bagunço seu coque habitual, apanhando um copo e enchendo de água. Vejo-a fazer uma careta para a garota na porta, que suspira e se vira para o corredor. Antes que eu possa dizer alguma coisa, Luli abre a porta gritando:

– Eu vou tomar pau em cálculo! De novo! – diz com a voz chorosa.

Nem repara em mim até desabar na cadeira e enterrar o rosto nas mãos.

– O resultado saiu? – Vanessa diz, passando a mão no cabelo dela.

– Não – continua com a voz chorosa. – Só sai semana que vem.

Vanessa então para de acariciar para dar um tapa em sua cabeça. Deus, como eu amo a delicadeza dessa garota.

– A gente sempre toma pau em cálculo, Luli. – Tento tranqüilizá-la.

Ela ergue os olhos para mim como quem diz “de que inferno você saiu?” e em seguida suspira.

– É sério. Você ainda está começando, então essa é só a primeira das muitas vezes em que você vai tomar pau em cálculo. Qualquer cálculo.

Quando a garota enterra o rosto nas mãos mais uma vez, Vanessa me encara como se pudesse arrancar meu fígado com os olhos. Eu me retraio na bancada e me apresso em dizer:

– Mas nesse você vai passar. Vai sim, nesse vai.

Ela resmunga sobre qualquer teorema matemático e se levanta da mesa, quase derrubando a cadeira. Pega um copo e enche de água, terminando de enxugar o rosto com as costas da mão. Depois de respirar fundo mais uma vez, me encara.

– E o que você está fazendo aqui?

Olho para Vanessa, que dá de ombros. Então começo a explicar toda a história. Não a história toda, sabe, só as partes importantes. Como a de quando eu quase tive de transar com uma mulher de sessenta anos de idade, dentro de um tipo de bingo e em cima de um piano, numa sala cheia de móveis antigos. Ah, não pude pular, é claro, a parte em que ela enfartou. De qualquer forma, só contei essas coisas meio fora do comum. Uma coisa boa nessa história toda? Luli voltou a sorrir.

Sento-me à mesa, puxando Luiza pelo braço. Ela senta ao meu lado, brincando com o açucareiro. Vanessa permanece em pé.

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– Preciso ir à padaria. Não tem nada comestível nessa casa.

– Acabei de tomar café – ela diz. – Na verdade, eu acho que vou pra casa fazer uns exercícios. – Ela se levanta, deixando um beijo na bochecha de cada um de nós.

Ficamos sentados, curtindo o clima sonolento. Até que Vanessa deposita a mão direita sobre o abdômen e diz:

– Preciso comer. Tipo, agora.

Eu rio e me levanto, estendendo a mão para ela.

– Padaria agora. Eu pago, já que esses hoteizinhos baratos não têm café da manhã.

Ela ri, agarrando minha mão e apanhando as chaves.

– Eu gritaria com você se não fosse verdade.

Saímos abraçados como um casalzinho, enquanto Vanessa vai me apontando as pedras maiores na ladeira e dizendo os apelidos carinhosos que deu a elas ao longo dos anos. Certo, então eu não sou o único louco por ali.

– Vai ficar me abraçando mesmo? – ela pergunta enquanto entramos no estabelecimento.

– Estava com saudades de você.

Ela suspira, olhando o espaço em volta. O lugar cheira a misto quente e a fumaça que vem da chapa atrás do balcão esquenta todo o lugar. Ao fundo, quadros históricos da cidade. Ela enfia as mãos nos bolsos dos shorts jeans, ainda sem me dar uma resposta.

– Onde quer sentar?

Dou de ombros, indicando o balcão com a cabeça. Ela escolhe um dos assentos giratórios negros e pede um achocolatado e um misto quente. Limito-me a segui-la.

– O que foi? Por que ficou tão quieta?

Ela brinca com o porta-guardanapo de alumínio enquanto observa o queijo fritando na chapa.

– O que eu te disse quando estava bêbada?

Agora ela me olha e eu correspondo ao olhar, sem entender. Nós já não tivemos essa conversa antes?

– Nada demais – digo.

– Eu quero saber. Tudo o que eu disse.

Ela gira o corpo, ficando com as pernas na direção da minha coxa. Prende o cabelo num coque frouxo e continua me fitando, os olhos âmbar pedindo algum tipo de explicação.

– Hã, nas primeiras ligações? – começo, tentando ganhar tempo. Ela dá de ombros. – Você disse que me odiava. E que eu era um virgem idiota.

– O que mais? – pergunta.

– Bom... Disse ter dúvidas sobre o tamanho também. – Sorrio.

Ela solta uma risadinha nervosa e volta a me olhar.

– E nas últimas ligações? O que eu disse?

Franzo o cenho, tentando entender onde ela quer chegar.

– Daí você incorporou a bêbada chorona – digo. – Disse que sentia muito e que não queria ter dito todas aquelas coisas horríveis sobre mim. Disse também que se lembrava dos meus olhos chorando quando via a praia, porque era azul e tinha água. Mas disso você já sabe. – Eu sorrio. – Acho que só.

– Caio. Isso é importante. O que mais eu disse?

– Foi só isso – digo, grato pela garçonete colocar o achocolatado e o misto na minha frente.

A expressão de Vanessa permanece indecifrável.

– Foi só isso? – pergunta, colocando uma colher de açúcar no copo e mexendo devagar.

– Sim.

Ela suspira mais uma vez, tomando um gole do líquido e mordendo o sanduíche. Permanece em silêncio, me deixando ainda mais curioso. O que ela ficou com medo de ter dito? Seu celular vibra e ela checa a nova mensagem de texto.

– Tem uma reunião com o pessoal da Biologia hoje – diz. – Saíram uns estágios pro nosso período e eu preciso ir.

– Que horas?

– As cinco – responde. – Acho que a coisa vai ser mais como um coquetel. Parece que um pessoal do sul veio, estão querendo fazer uma social. Eu vou estar praticamente fora do estágio se não for à essa reunião.

– Se for bom pro seu currículo, é melhor que você vá.

Ela assente, dando um último gole no chocolate enquanto eu termino de comer o segundo misto. Enquanto eu pago a conta, ela me dá um abraço apertado por trás. Aperto sua mão com a mão livre, ainda sem entender muito bem o que há de errado com ela.

– Eu acho que vou para casa, vestir roupas limpas.

Ela sorri.

– Aposto que as minhas toalhas são mais limpas.

– E mais cheirosas – completo e ela ri mais uma vez. – Quer que eu te leve em casa?

– Não precisa, eu já sou crescidinha. – E dá uma piscadinha. – Obrigada pelo café.

Abraço-a de lado, aproveitando a oportunidade para desmanchar o coque. Ela estreita os olhos para mim.

– Obrigado pela hospedagem.

Ela sorri, desprendendo-se de mim e passando a mão pelo cabelo.

– As portas estão sempre abertas.

Beijo sua testa, pronto para ir embora. Atravesso a rua de pedras, chegando à pracinha. Quando começo a atravessá-la, ouço uma voz.

– Caio! – Vanessa grita. Viro-me e percebo que ela está na mesma posição que eu deixei ao atravessar a rua.

– Que é?

Ela baixa os olhos e sorri, mandando um beijo por entre a mão.

– Senti saudade também.

Viro e atravesso a rua correndo, agradecido pelo trânsito confuso e cheio de faixas de pedestres. Ela me olha perplexa enquanto eu arfo com as mãos sobre os joelhos. Quando estendo a mão para ela, como que pedindo um tempo para respirar antes de falar, ela ri. Recomponho-me e não espero mais um segundo.

Puxo-a pela cintura, segurando o cabelo com a mão livre e guiando sua cabeça enquanto a beijo. Num primeiro momento Vanessa trava os dentes, mas em seguida abre a boca, soltando uma risadinha antes de juntar sua língua à minha. Quando tento segurar seu bumbum, ela ri sobre o beijo e puxa minha mão para cima, de volta à base de suas costas. Tudo bem, afinal, não se pode ganhar todas.

Ficamos nos beijando por alguns minutos, o quanto nosso fôlego permite. Ela afasta sua cabeça da minha e eu a olho, percebendo o quanto a pirralha irritante cresceu e ficou bonita.

– O que foi isso? – pergunta.

Dou de ombros, olhando o quanto sua boca está vermelhinha.

– Meu jeito de dizer que estava com saudade.

Ela sustenta meu olhar, mordendo o lábio inferior e sorrindo.

– Gosto desse seu jeito de falar. – Deposita um beijo na minha bochecha, segurando minhas mãos nas suas.

Sorrio.

– É, eu esperava que você gostasse.

Passo a mão em sua cintura, ainda sem puxá-la. Em volta, tudo está silencioso como se espera numa manhã de sábado que se passa longe do centro. O vento joga um pouco do seu cabelo no olho e eu o tiro instintivamente. Eu nunca tinha reparado, mas olhos da cor dos olhos de Vanessa ficam incrivelmente mais claros e bonitos no sol.

Encosto minha boca na dela mais uma vez, voltando a pedir passagem com a língua. Dessa vez, porém, ela afasta a cabeça e suspira. Desprende minha mão direita de suas costas e sorri, se afastando um pouco com um sorriso enorme no rosto. Ah, qual é, venha cá logo, eu quero te agarrar.

– Preciso ir agora – diz.

Checo o relógio de pulso. Quase onze da manhã.

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– Quando posso te ver de novo?

– Caio, você nunca precisou de convite. Mas de preferência, não num hospital esperando a velhinha que você tentou comer, ok?

É a minha vez de rir.

– Certo.

Então ela volta pelo caminho por aonde veio, o cabelo castanho-claro ondulando sobre as costelas. Sorrio, tomando o caminho de casa. Não, eu ainda não tenho capacidade para entendê-la.