A manhã tinha despontado há pouco na rua dos Alfeneiros, numero quatro. A casa ainda estava silenciosa e calma, mas logo essa monotonia foi quebrada por um choro de bebê.

Petunia abriu os olhos contrariada e reconhecendo o choro bufou, se levantou lentamente da cama e desceu as escadas.

Um menininho de cabelos escuros e olhos verdes bem vivos chorava no armário escuro embaixo das escadas, se mantendo em pé seguro nas grades de um pequeno e velho berço.

Petunia pegou mal-humorada o sobrinho no colo e caminhando até a cozinha o colocou sem cerimonias no antigo cadeirão de Dudley que ele tinha conseguido quebrar alguns meses atrás.

– Para de chorar, Harry. Já vou te dar leite. - Ela falou impaciente.

Harry estava na casa dos tios há pouco mais de um mês. Tão pequeno, sem conseguir entender para onde a amável mulher de cabelos chamativos e o homem alto e sorridente tinham ido.

– Mama! - Ele começou a chamar na esperança de que a mulher reaparecesse.

– Quieto, Harry.

– Papa!

– Já vou te dar comida! Fica quieto!

– Moo-y! Pa-foo! Wo-tai! - Ele continuou chamando e chorando ainda mais. - Papa! Mama!

– Mas que droga! Cala a boca!

Nesse instante um outro choro começou a invadir a casa e Petunia sorriu e saiu feliz da cozinha, deixando o sobrinho sozinho ainda chorando e chamando por aqueles que o tratavam bem. Aqueles que em não muito tempo estariam fora de sua memoria.

Petunia voltou alguns minutos depois com um menino no colo que mais parecia um grande porquinho e o colocou em um cadeirão novo, grande e cheio de brinquedos espalhados em cima.

Harry parou de chorar, observando o primo fazer barulho com um chocalho, batendo-o no tampo do caldeirão e gritando apenas para chamar a atenção. Ele olhava hipnotizado para as fortes cores do chocalho de Dudley, atento ao barulho do brinquedo e alguns segundos depois estendeu os pequenos braços tentando alcançar o objeto e resmungando na esperança de que alguém atendesse seu pedido.

Petunia lançou um olhar de desgosto ao sobrinho quando se virou com um prato de mingau para Dudley e o viu olhando para o brinquedo do filho.

– Isso é do Dudley, não seu. – Ela falou secamente, colocou um outro prato menor de mingau em cima do cadeirão de Harry e se virou para dar o café-da-manhã na boca do filho.

Harry ficou olhando por um tempo do seu prato de mingau para a tia, como se esperasse que ela colocasse a comida na boca dele do mesmo jeito que ela fazia com o menino berrando e cuspindo a comida no chão. Mas ela não fez isso. E alguns minutos depois Harry pegou a colher e, com certa dificuldade, começou a comer sozinho o prato de mingau que a tia, de tão mau grado, tinha colocado a sua frente.

Dudley já estava no segundo prato de comida quando Vernon apareceu na porta da cozinha, o terno com os botões quase estourando em torno da barriga, o grande bigode e a cabeça que parecia sair diretamente dos ombros. Ele deu bom dia à esposa, bagunçou os cabelos do filho e se sentou a mesa, onde abriu o jornal e se afundou atrás dele. Sem nem dar sinal de que tinha notado a presença de outro bebê na casa.

Outro bebê que pedia desesperadamente por um pouco de atenção e carinho. Que sentia imensamente a falta da sua pequena família. Família que ele nunca mais teria igual.

– Petunia, ele está sujando todo o cadeirão dele. – Vernon falou abaixando um pouco o jornal e finalmente olhando na direção do sobrinho.

– Ele sempre faz isso. – Ela olhou para o menino com uma expressão que beirava o nojo.

– Aposto que aprendeu com... gente da laia dele. – Falou com um muxoxo de impaciência. – Aposto que essa gente é toda assim. Suja e porca. – Completou ignorando totalmente a sujeira no cadeirão e ao entorno do cadeirão do próprio filho.

– Deve ser. Ele sempre faz isso quando está comendo.

– E aposto que vai ser sempre assim. Teremos que aturar isso por anos. – Falou bufando e fazendo as pontas do bigode tremerem um pouco sobre a boca.

Petunia apenas lançou mais um olhar feio ao sobrinho e continuou a dar o café-da-manhã para o filho, que continuava a sujar tudo ao seu redor pelo simples prazer de ver a comida voando para todos os lados. Ele bateu com força o chocalho dentro da tigela de mingau, fazendo a pasta quase cor de areia ser lançada na roupa da mãe e um pouco na parte de trás do jornal do pai.

– Pestinha. – Resmungou Vernon com um sorriso torto e passando a mão pela cabeça do menino.

– Ah, Dudoca, sempre um menininho tão alegre. – Petunia falou quase que com lagrimas de orgulho nos olhos.

Do outro lado da mesa o pequeno Harry apenas observava a cena, sem entender por que ninguém o dava atenção. Por que, tão de repente, de tão amado ele tinha passado a praticamente invisível.

– Mama? – Ele chamou mais uma vez. – Mama! Mama!

– Quieto, Harry! – Petunia repreendeu em um tom irritado.

– Mama! Mama! Mama!

– Sua mãe não está aqui, moleque! – Vernon falou, pela primeira vez olhando diretamente para o sobrinho. - Sua mãe e seu pai acabaram se explodindo por se meterem com aquela gente! E ai deixaram você para nós.

– Mama! Mama! – Ele continuou chamando mais alto e agora já chorando. – Mama! Papa!

– Cala a boca, moleque! – Vociferou Vernon, assustando Harry, que passou a chorar baixinho e finalmente parou de chamar pelos pais.

– Vernon? – Chamou Petunia meio hesitante depois que o marido mergulhou outra vez atrás do jornal.

– Sim?

– Nós... nós teremos que dizer alguma coisa para ele. Um dia ele vai perguntar sobre os pais. Temos que inventar alguma coisa quando ele perguntar sobre a Li... sobre os pais.

– É... é... é você tem razão, Petunia.

– Então? O que vai ser? – Ela perguntou abaixando cada vez mais o tom de voz, com medo de que os vizinhos pudessem ouvir, apesar de todas as janelas e portas estarem fechadas.

O homem ficou em silencio por alguns momentos, visivelmente concentrado, até que por fim falou:

– Acidente de carro.

– Acidente de carro?

– É. Perfeito. É fácil até para gente da laia dele entender.

– Tem razão. Acho que é a melhor explicação que podemos dar.

– E é claro que não precisamos entrar em muitos detalhes. É só dizer que foi um acidente de carro e pronto.

– Ele pode perguntar mais coisas.

– Não importa. Nós não vamos responder. E vamos ensina-lo desde cedo a não fazer perguntas.

Harry continuava a chorar baixinho, ainda assustado com o grito furioso e repentino do tio. Os tios olhavam para ele, como se já agora o desafiasse a perguntar mais do que eles achavam que ele deveria saber sobre a morte dos pais.

– É um plano perfeito, Petunia. – Vernon falou por fim. – Ele nunca vai descobrir nada sobre aquela gente. Pronto. Tudo resolvido.