Intruso

Cena 2


[Maya]

Eu sei. Euseieuseieusei.

Não precisam me julgar com esses olhos semicerrados e frios.

Aceito a verdade de que nos últimos dias eu não estava sendo uma boa mãe. Uma boa esposa. Me tornei coisas tão estranhas que nem eu mesma conseguia mais encaixá-las em mim. Eu era como um quebra-cabeça que, quanto mais peças você acrescentava, mais desnorteado e errado ele se tornava. Porque eram as peças erradas que muitos tentavam inutilmente completar a mim.

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Não bastava eu já estar sentindo o fracasso que se tornava meu almoço - sem dizer do meu casamento! - mas nem Lucian ou Jake abriram a boca para reclamar. Nenhum deles queria estragar aquele novo dia. Eu iria me esforçar para fazer o mesmo também.

Enquanto engolia pequenas garfadas do meu almoço, não parei de notar os olhos de meu filho caindo sobre mim, me examinando e analisando o tempo todo. Um cérebro sem botão de desligar: esse era o Jake. Sabia que suas intenções sempre queriam dizer algo a mais - como desvendar alguma parte de mim que eu não estava mostrando a ele. Mas eram seus olhos, iguais ao do pai, atentos e calculistas - os olhos de um inseto - que muitas vezes chegavam a me arrepiar.

Olhei para Lucian, não conseguindo deixar de lembrar em como éramos quando nos conhecemos. Sua voz grave, voz de lareira. Foi esse o primeiro comentário que disse a ele, quando então sua gargalhada maravilhosa inundou todo o café em que estávamos. Foi esse o momento em que percebi que pela primeira vez depois de muitos anos abri meu verdadeiro sorriso diante de um estranho.

-Querida, já vou indo - Lucian quebrou de repente o silêncio, afastando aqueles pensamentos de mim. Vi ele por os pratos de nós três no lava-louças, junto com os talheres e utensílios, e se retirar da cozinha junto a Jake. Aquele era o dia em que Lucian o levava a escola. Mas mesmo enquanto via os dois partirem, não consegui fazer nada. Nem meus pés conseguiram se mover. A última coisa que escutei antes do carro dar a partida foi uma voz gritada de Jake se despedindo atrasado de mim.

Continuei imóvel, me recusando a até mesmo piscar.

A bolha de alegria que envolvia minha família já havia explodido há tempo demais. Nós é que fingíamos não ver.