Garota-Gelo

Hey, Você é Um Pirata?


Quer aprender a acabar com a minha paciência?

Simples: vire a Marcela.

A garota, por puro capricho (ou maldade), decidiu juntar duas mesas retangulares em um canto do salão. Em cada lado das mesas, colocou seis cadeiras e preencheu-as com adolescentes. E, claro, eu, Pedro, Derek e Jonas estávamos inclusos.

Pedro puxou uma cadeira e sentou-se do meu lado. Eu estava sentada na extremidade de um dos lados, o cotovelo em cima da mesa, apoiando meu queixo no punho. Na outra mão, eu segurava uma bolsinha de couro com rum - mamãe pegou-a de um dos caras com quem ela jogava pôquer e deu-a a mim, com um “faça um ‘arw’ para a mamãe”, o que me matou de vergonha.

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Mas no fim eu acabei fazendo - quem sou eu para contrariar a fera, digo, Serena, pelo amor de Deus? Provavelmente ela estava um pouco bêbada para me dar bebida, sendo que disse para que eu fosse ‘discreta’.

De qualquer forma, a realidade ali era deprimente. Ouvi um arrastar de cadeiras perto de mim e virei-me sem interesse para olhar quem era. Várias pessoas com fantasias diferentes sentaram-se à mesa, sorridentes - mas, mesmo assim, tinham cara de nojentos.

Uma garota vestida de joaninha cumprimentou de maneira melosa o Pedro, quase como um miado. Na realidade, praticamente todas as garotas que se sentaram ali cumprimentaram Pedro com ‘miados’.

Revirei os olhos, entediada. Do jeito que elas estavam agindo, parecia que Pedro estava jogando feromônios com uma pitada de ocitocina em suas caras.

Mas, mais importante que isto, era o terrível fato de que: eu estava com fome. Meu estômago havia roncado umas três vezes desde que fui arrastada para ali, pedindo - implorando - por comida. E, já que eu não tinha nada para beliscar e era obrigada a ficar ali, acabei ficando mal-humorada.

Resmunguei coisas parecidas com “a vida é injusta”e “quero esfregar a sola do meu sapato na cara dessa garota”.

Até que, por um incrível milagre da vida, uma tabaca com coxinhas pousou na minha frente. Minhas pupilas se dilataram e eu arregalei os olhos, surpresa. Olhei para trás, completamente boquiaberta.

Encarei um Derek sorridente. Ele segurava uma latinha de refrigerante, que colocou na frente do Pedro, cantarolando. O italiano o agradeceu, abrindo um sorriso; o mosqueteiro sentou-se ao lado de Pedro, apoiando seus cotovelos na mesa e inclinando-se.

– Desculpem, cheguei tarde… Erros técnicos na mesa de doces.

– Socou alguém? - perguntei, devorando com selvageria minha primeira vítima, olhando vagamente para ele.

– Não, mas quase… - O garoto apontou para mim, convicto. - Mas, e aí, Kat Ketchup, como estão as coxinhas?

Em outra ocasião, eu já teria socado a cara dele por ter me chamado por este apelido ridículo. Mas, como eu estava em um momento sagrado, apenas fiz um positivo, sinalizando que estavam divinas - ainda preferia as coxinhas de pobre, mas elas davam para o gasto.

E, bem, assim seguiu-se. Meus conhecidos tentando criar laços de amizade com os conhecidos de Marcela. A oxigenada parecia se divertir, contando casos de sua infância para uma garota vestida de joaninha.

Eu, obviamente, estava entediada. Vira e mexe eu tomava um pouco de rum, e, uau, não posso negar, eu realmente me assemelhava a um pirata.

Mas, o que - de longe - estava me irritando, era o olhar malicioso de um “príncipe” que estava sentado a minha frente. Ele olhava sem pudor para minhas bolas, vez ou outra disfarçando e tentando conversar com o Pedro ou com uma garota ao seu lado.

Mas eu sentia que o desgraçado estava olhando para mim. Meu ponto de explosão estava próximo e eu falaria coisas bem feias ao desgraçado. Isso se uma garota vestida igual a um hippie não tivesse me chamado. Olhei para ela sem interesse.

– Você é a Katrina, não é mesmo? - A garota estava sentada ao lado da joaninha, de frente para o Derek.

– Sim - respondi num grunhido, sem interesse.

Ela sorriu com descaso e apoiou seu queixo na mão, me olhando.

– Ah, uau, você é super famosa.

– Sei - murmurei, olhando para os lados, mastigando minha coxinha. A movimentação estava normal, gente fantasiada para lá e para cá. - Muitas pessoas me falam isso.

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Marcela batucou na mesa, animada, chamando atenção de todos. Ela deu uma pequena piscadela para mim.

– A Katrina tem um ótimo senso de humor, certo? Conte-nos algo engraçado, Katrina! - E isso era, obviamente, uma tentativa de me fazer entrosar na conversa.

Jonas, que estava sentado do outro lado da mesa, fez um “puta que pariu” bem baixinho, virando a cara. Pedro olhou para mim por dois segundos, e constatando algo em sua mente, virou-se para Marcela, pigarreou e sinalizou com a mão um ‘não faça isso’.

– Não, está tudo bem - falei, ajeitando-me na cadeira. O italiano arqueou uma sobrancelha e virou-se para mim, parecendo surpreso - eu vou contar pra vocês… Algo engraçado.

Fez-se um silêncio, todos olhando para mim com expectativa. Estavam, talvez, pensando que eu soltaria a piada do século, mas… Eu não estava com saco para isso. Só contaria uma qualquer que viria a minha mente e sumir dali antes de socar a cara de alguém.

– Era uma vez um mexilhão feio. Ele era tão feio, mas tão feio, que todo mundo morreu. Acabou. - Finalizei, levantando-me e andando, deixando o pessoal ali com cara de songamonga, na esperança de encontrar um local calmo onde pudesse relaxar.

Mas, ao passar pelo ‘príncipe’, ele pegou meu pulso direito, fazendo-me virar para encará-lo.

Tcs. “Puto, desgraçado, cretino, filho de um cavalo, cuzão…” e a lista de pensamentos feios que eu tive naquele instante era interminável.

– Quem é o autor desta história? - Perguntou ele, olhando para meu rosto.

– Clarice Lispector. Agora solta o meu pulso antes que eu lhe meta um soco nessa sua cara lambida.

Ele riu de forma debochada, fazendo A Bomba Katrina entrar em erupção.

– Ha-ha, aposto que não… É uma dama tão delicada, duvido que um soco seu possa me machuc-

E o previsível aconteceu. Mas não foi um soco, e sim uma cotovelada. Uma cotovelada com meu braço esquerdo, o meu braço fraco - mas foi o suficiente para ele me largar e tampar um nariz ensanguentado.

As garotas soltaram um grito e foram acudi-lo. A joaninha olhou, apavorada para mim.

– O que foi isto, Katrina?! Então os rumores estavam certos!

– Sim, estavam! - Berrei, bruta, assustando-a. Provavelmente eu estava fazendo uma cara de psicopata. É, eu não aliviava minha própria barra. O meu orgulho era muito maior que minha sanidade. Marcela grunhiu algo, e, parecendo tensa, levantou-se devagar.

– Hã, hm, eu vou pegar uma empadinha, alguém quer?

Derek também se levantou, com cara de quem queria fugir dali para se livrar do problema.

– É, eu também quero… Vamos, Marcela.

– Traz uma pra mim, por favor - pediu Pedro, estendendo um guardanapo para a joaninha limpar o nariz do garoto que eu havia acabado de bater.

Estralei a língua e dei meia volta, esfregando meu cotovelo dolorido enquanto andava.

– Sério, Marcela gosta de me fazer perder a paciência - resmunguei, estreitando as sobrancelhas. - Depois que eu explodo e deixo feridos, o que ela faz? Vai embora para pegar uma empadinha… Oxigenada filha de uma égua…

Um garçom vinha na minha direção, segurando uma bandeja cheia de copos com tequila. Não esperei e assim que ele se aproximou, roubei-lhe um copo.

– Ei, você não pode beber, é de menor… - Ele tentou, desesperado, talvez pensando que iria perder o emprego. Mas quando terminou sua frase, eu já tinha secado o recipiente, colocando-o de volta à bandeja.

– Bom trabalho - desejei, espremendo os olhos e dando-lhe uns tapinhas nas costas. O coitado ficou com cara de tacho, mas acabou sendo forçado a continuar seu trabalho.

Andei um pouco, tentando me afastar de toda aquela falação. Eu estava ouvindo uma música alta, e algumas pessoas passavam à trombadas por mim, correndo para dançar. Encostei-me em uma pilastra, dobrando um pouco os joelhos. Olhei para meus pés, batendo meus calcanhares. Se eu tivesse os sapatinhos de Dorothy, eu poderia imaginar a minha casa, bater meus calcanhares três vezes e me teletransportar para lá. Seria ótimo, mas infelizmente isto não é real.

Porque, na realidade, eu estava me segurando para não sair daqui enquanto metia a voadora em todo mundo.

– HELLOOOOOO!– Alguém simplesmente berrou perto do meu ouvido, fazendo-me voltar à realidade de maneira bruta. Dei um pulo, os olhos bem arregalados, provavelmente pálida.

Quando meus olhos focaram naquela figura gótica e meio mexicana, forcei meu cérebro a raciocinar e lembrar-se daquele rosto carismático.

– Mel… Lany? - Perguntei, hesitante, o cenho bem contraído.

Ela alargou ainda mais o sorriso, mostrando confiança.

– Sim, eu.

Não, espera, o quê? O que diabos ela estava fazendo aqui? Sim, eu estava descrente.

Mellany estava vestida de forma exuberante. Seu rosto estava pintado como se ela estivesse no Dia dos Mortos no México; vestia uma regata azul com um esqueleto, saia preta com babados azuis, coturnos e meias-calças com caveirinhas, além de luvas de motoqueiro.

– O que você está fazendo aqui, doida?

Ela deu de ombros, prática, e respondeu sem pensar muito:

– Vim aqui para comer e beber de graça - e, dizendo isto, virou seu copinho de bebida álcoolica de uma vez, fazendo meu estômago virar.

Provavelmente ela veio acompanhada com alguém maior de idade, já que pegaram uma bebida para ela. Mas, no fim das contas, apenas revirei os olhos e sorri. Em parte, eu também estava aqui para comer e beber de graça. Estiquei meu braço e cutuquei sua barriga.

– Estou vendo. Esses pneuzinhos aí não cresceram sozinhos, certo?

Mellany riu, parecendo sentir cócegas.

– Exatamente. Isso que dá não ir na academia e parar de frequentar aquele lugar lá de lutar boxe, fazer o quê - ela riu, dando de ombros. - Ah, só pra você saber, fui meio que obrigada a colocar essa maldita saia, assim como Marcela te obrigou a colocar este espartilho. Sei como se sente e não quero passar por isso de novo - disse ela, parecendo compartilhar da minha dor - ela disse que eu tinha que "parecer mais uma garota", ou sei lá, não deu muito certo - terminou abrindo um sorrisinho.

– Ah. - Revirei novamente meus olhos; se eu fizesse aquilo de novo, provavelmente cairia no chão com a tontura - nem me diga. Isso aqui tá me matando. Quando eu morrer de atelectasia, quero ver o remorso no rosto de todos. - Grunhi, me sentindo horrível e pronta para morrer. Estreitei os olhos quando lembrei de uma coisa - suas cruzes vieram hoje também?

– Ah, pode ter certeza - Mel respondeu - tão por aí, só não sei onde. O último que eu vi foi Augustus, ele que tinha achado o barzinho e a gente tava bebendo lá de boa, mas acabamos nos perdendo. - ela suspirou - Isto aqui é igualzinho a um baile de ricos que eu tive que vir com Jô, só que mais legal. Aliás, acho que você não conheceu muito bem Augustus, o único diálogo de vocês foi quando a gente entrou no teatro naquele dia. - Mellany tentou dizer, mas tudo saía meio embolado; eu não estava muito diferente.

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“Augustos…” tentei lembrar-me daquela pessoa, mas era meio impossível. Minha cabeça estava dolorida, meus olhos cansados e eu tinha certeza de que dali a alguns segundos eu despencaria no chão, dormindo.

– Augustus… - Verbalizei meus pensamentos, franzindo o cenho, mas de nada adiantou - não lembro. Mas, pera… Não me diga que eu o mandei para lugares inapropriados porque eu tenho uma lista extensa mental, então… - Estralei a língua - não rola… - Me liguei, de repente, no que havia dito - rola… Rola! Acabei de dizer algo bem inapropriado agora!

Mellany também riu, boba. Meu Deus. Bebida afetava o cérebro. Em especial o córtex, mas quem disse que eu estava ligando naquela hora? Mellany, enquanto ria, acabou soltando um “ronc”, o que a fez tampar a boca e quase gargalhar.

– Droga, agora sou o esqueleto de um porco... Um porco bem gato, se você quer saber - e deu uma piscadela… Ou melhor, só tentou, porque ela acabou piscando ambos os olhos de forma meio tosca, fazendo nós duas rirmos um pouco mais.

Paramos de rir aos pouquinhos e eu, completamente fora de mim, decidi fazer uma “brincadeira inofensiva” - pelo menos eu achava que era.

– Hey - chamei-a, fazendo-a olhar para mim. Estiquei meu braço e apontei para a gola de sua camiseta - tá sujo aqui… - Mellany abaixou a cabeça, procurando o que era e eu…

É, eu passei o dedo na cara dela. Delineei uma linha invisível por todo o seu rosto, fazendo-a fechar os olhos. Após alguns segundos, Mel cruzou os braços, fingindo estar brava. Mas não deu muito certo, já que ela tinha um sorriso bem presunçoso no rosto.

– Ah, é? Katrina sapequinha, hm - meu Deus. Cadê o botão ‘reiniciar’ aqui na minha frente? - Eis seu castigo! - Parecíamos duas criancinhas birrentas. Mellany esticou seus dedinhos e começou a fazer cócegas em mim.

Me encolhi toda, remexendo o corpo como se fosse uma cobra para tentar se livrar do contato, mas não deu muito certo. Acabei tropeçando no coturno de Mellany e me desequilibrei, agarrando seu cotovelo para me manter de pé… No fim eu só acabei puxando-a, fazendo com que nós duas caíssemos feito sacos de batatas no chão.

Ah, aliás: nós não éramos pesos leves e… Estávamos de saia.

Agradeci internamente por estarmos um pouco afastadas e longe da maioria dos olhares daquele local. A missão ‘não chamar atenção’ foi um fracasso total. Eu tentava me levantar, exasperada, e Mellany também. Mas isso não funcionava, porque toda tentativa de me livrar daquela situação só fazia que com ficássemos mais emboladas.

No fim acabei rindo, completamente fora de mim, e desisti. Eu estava zonza demais para poder fazer alguma coisa útil ali. Mellany ergueu-se por cima de mim, a mesma cara de feliz-de-forma-bêbada que eu.

Já ia avisá-la para rolar para o lado, instruindo-a o que fazer para nos retirar daquela situação quando ouvi vozes conhecidas. Virei minha cabeça, piscando, e percebi que era Derek e Marcela. Ambos estavam de mãos dadas, sorrindo e conversando de forma animada. Pareciam mesmo recém namorados bobões. Eles estavam lá, exalando coraçõezinhos.

Bom, pelo menos, até que o garoto bateu os olhos na nossa situação. Seu queixo caiu e ficou lá, estático. Marcela abriu a boca também, perplexa, os olhos esbugalhados. Mas eu sabia que ela não estava brava de verdade - uma ruga de expressão se formava em sua testa quando ela ficava.

– Katrina, você está… Bêbada? - Perguntou, completamente hesitante, como se esperasse que eu dissesse ‘não, não estou’.

Mas isso não era verdade. Ergui os braços, feliz.

– Pra chuchu! - berrei, fazendo Mellany dar uma gargalhada e rolar para o meu lado, deitando-se de barriga para cima.

Marcela ainda me encarava, e suspeitei que a qualquer momento um sorrisinho iria brotar em seus lábios; Marcela era tão nervosa quanto um bicho-preguiça.

Mellany tentou levantar-se, apoiando-se na pilastra ao seu lado.

– Pois é, Katrina, você tem que parar de beber, isso vai causar muito mal para a humanidade um dia. Você vai ver - tentou dizer, porque tudo saiu embolado.

– Marcela, vamos sair daqui… - Ouvi Derek dizer para a oxigenada, que olhou preocupada para mim. Ele provavelmente só estava preocupado com ela e sua sanidade. Pelo jeito eu sou uma má influência. Quem diria, hã?

– Vem aqui, eu te ajudo - ela disse, caminhando na minha direção e me esticando sua mão esquerda. Marcela deixou um Derek indignado para trás. Dei um suspiro e agarrei seus dedos, me impulsionando, mas sem sucesso. Permaneci sentada no chão, agarrada à mão de Marcela. - Teu cabelo está horrível.

E provavelmente estava mesmo. Cocei a cabeça, sentindo que minha boca estava com gosto de cabo de guarda-chuva. Precisava comer algo urgentemente.

Virei-me, percebendo que Mellany discutia com duas pessoas. Foquei meus olhos em ambos, percebendo que eram seus amigos; mas não conseguia me lembrar do nome deles. Era uma garota, ruiva, mas não era da minha espécie. Seu cabelo era alaranjado, e o meu era bem vermelho mesmo. Ela olhou para Marcela, parecendo envergonhada.

– Desculpem-nos pelo comportamento de Mellany, ela já devia saber que tem que parar de beber muito. Certas pessoas não ajudam - e lançou um olhar ferino ao garoto que estava próximo a ela, provavelmente o tal Augustus.

Percebi que Marcela havia sorrido de canto. Encarei meu pé, sem nada melhor para encarar. Os dedos de Marcela eram quentes e macios, bem diferentes dos meus: calejados e… Frios.

– Tudo bem, sério - a oxigenada disse, olhando para mim. - Já estou acostumada - e fez um gesto de paciência, olhando desta vez para a ruiva.

Olhei, sem interesse, para o casal na minha frente, percebendo que tinha um bicho no chapéu de Derek.

– Tem uma borboleta no seu chapéu… - Grunhi, apontando para ele. O garoto tirou imediatamente o objeto da cabeça, verificando-o. Derek murmurou algo como ‘é uma pena’, revirando os olhos.

– Tá vendo? - Mellany disse de repente para um de seus amigos, apontando para o casal fofurinha - são eles que tão se pegando, não eu e a Katrina - ela cambaleou um pouco, apoiando-se na pilastra.

A ruiva virou-se de forma imediata para Mellany, parecendo descrente.

– Quer ser mais discreta?! - Exclamou, envergonhada.

Sorri, sentindo-me melhor para poder me levantar. Dei alguns tapinhas na minha saia, limpando-a, e olhei de forma duvidosa para o casal à minha frente.

– Nem precisa disso. Eles estão se pegando mesmo - garanti, cruzando os braços.

Marcela abriu a boca, sem argumentos. Seu rosto ficou vermelhinho, como se não esperasse um comentário daqueles. Derek me enviou um olhar de ‘tá na cara, mas não precisa verbalizar, Kat Ketchup’. Sim, eu podia ouvir a voz irritante de seus pensamentos dizendo um apelidinho como esse. Ele deu um aceno breve para todos nós e agarrou o cotovelo de Marcela com sutileza, puxando-a para que saíssem dali o mais rápido possível.

– Não aguenta umas verdades, né?! - Berrei para ambos, que já estavam longe.

– Devem é ter ido se pegar - opinou Mellany atrás de mim, dando de ombros. A outra ruiva revirou os olhos e espalmou sua mão na testa, como se Mel fosse maluca.

Após alguns segundos, percebi que a garota havia soltado um grunhido, como se estivesse sofrendo de alguma dor psicológica. Já ia me virar e perguntar o que estava acontecendo, mas Mellany agarrou-me pelos ombros, botando-me em sua frente, como se eu fosse uma espécie de escudo.

Fiquei encarando um rapaz. Ele estava vestido de Fantasma da Ópera; um look bem original e com cara de vários amigos. Eu já havia o visto antes, mas não conseguia me lembrar onde.

– Caramba! O Espírito tá aqui de novo! - Disse Mellany, fingindo-se de assustada. - Longe dele, ele é um espírito - avisou-me num sussurro, parecendo hesitante e com certo ódio na fala. A outra ruiva pareceu cansar-se de tentar ter conversas racionais conosco, por isso se despediu enquanto Augustus procurava alguém.

Visei meu olhar entre Mellany e o outro garoto, que parecia avaliar nossa situação por alguns instantes. Por fim, soltou uma risadinha meio debochada.

– Bêbada de novo? Deuses - murmurou, rindo. Senti o olhar-laser de Mellany perfurando-o.

– Algum problema, Espírito? - Bufou, soltando-me, mas ainda ficando atrás de mim. Ele apenas deu de ombros, indiferente.

– Nada, você apenas fez coisas bastante divertidas em seu quarto quando ficou bêbada da última vez - ele respondeu, dessa vez com malícia. - Nunca se sabe, ela estava bêbada, mesmo.

Arqueei as sobrancelhas, não deixando de expressar uma careta que dizia meio que: e a loba ataca novamente! Mas a garota não parecia estar notando, já que estava tão vermelha que poderia facilmente ser confundida com meu cabelo.

E foi aí que tive um pensamento repentino: eu sabia como ninguém o que estava se passando pela cabeça de Mellany; sentir-se envergonhada, sem argumentos para poder rebater. E, mesmo assim, tive minha revanche. Por um breve instante, olhei para a garota, tentando avisá-la para trapaçeá-lo.

Mas desisti. Aquilo estava bom demais para ser parado. Só faltava a pipoca.

– Foda-se… - Ouvi-a murmurar, fitando-o - você é bonito e gostoso, satisfeito? Se você não fosse tão filho da puta, eu já teria te pegado sem estar bêbada muitas vezes, mas, como dito antes, você é um bosta.

O garoto abriu o maior sorriso do universo, mais satisfeito impossível.

– Parece que alguém acabou de admitir - ele cantarolou, provocativo.

– É, grande coisa, criancinha! - Mellany gritou, então virou-se na direção do seu amigo - Augustus, porra! Vamos pegar umas bebidas! - E, dizendo isso, agarrou meu braço com força e me arrastou até o amigo dela; percebi que o “Espírito” ficou olhando-nos, realmente satisfeito.

– Ah, hm, eu tenho que ir também? - perguntei, olhando para os lados enquanto era arrastada.

Mellany não respondeu. Apenas percebi que ela havia dado um sorriso de canto, ainda me arrastando com força.

O.k., realmente, ela tem um ótimo dom de persuasão, não negaremos. Augustus, sendo maior de idade, pôde pegar tranquilamente algumas bebidas, enquanto eu olhava de maneira duvidosa para elas.

Mas todas as minhas dúvidas se foram quando experimentei o primeiro copo. E aí foram poucos segundos para eu já não ter nenhum pensamento.

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Nos sentamos afastados do movimento, atrás de uma pilastra, fazendo piadas de bêbado enquanto enchíamos copos e mais copos - meu subconsciente apitava em algum canto, dizendo alto e em bom som: “para com isso, garota. Quer morrer?”. Mas eu estava mandando-o se ferrar.

Augustus olhou para mim, travesso.

– Katrina, diga, sem gaguejar: “casa suja, chão sujo”.

– Moleza. - Garanti, tentando endireitar a língua - casa suja… São chujo…

Estreitei as sobrancelhas, surpresa por causa daquela magia negra. Os dois riram da minha careta.

E ficamos ali por algum tempo, não sei quanto - quem sou eu para contar, não é mesmo? Fiquei mexendo na minha saia, enrolando a barra no dedo indicador de forma desordenada.

Mellany soltou uma risadinha de repente, que julguei ser meio malvada.

– Eu tive uma ideia - ela falou, e eu senti seus olhos em mim. - Uma aposta.

Ergui meus olhos, tentando focá-los nela.

– Que tipo de aposta? - Perguntei, já pressentindo que iria dar merda.

A garota ergueu a cabeça e vagou seu olhar por entre a multidão. Quando pareceu ter encontrado algo à altura do que pensava, esbanjou um sorriso meio bêbado. Ela apontou vagamente para alguém.

– Ali… Pega aquele gordo.

Abri a boca e ergui a cabeça, procurando por aquele que ela apontava. Senti minha garganta secar quando pousei meus olhos em Otávio. Eu podia estar bêbada, mas mesmo assim sabia que fazer o que Mellany havia dito seria extremamente… Errado. Não queria fazê-lo.

O que era definitivamente estranho, já que ao ouvir ‘aposta’, meu sistema nervoso começou a funcionar em velocidade total.

Olhei para Mellany e recusei com um aceno modesto de cabeça. Não queria fazer porque eu gostava de Otávio. Não, não era do jeito que eu gostava do Pedro, e sim do jeito que eu gostava da Marcela e do Jonas.

Espera, oi?

Juntei as sobrancelhas, fazendo um ‘facepalm’ interno. Era melhor eu parar de pensar quando estava bêbada, ou eu faria mais confissões desnecessárias.

Mellany ainda estava olhando para mim, esperando uma resposta decente.

– Não, eu recuso - falei, simples, cortando o assunto.

Mellany fez uma careta, como se estivesse realmente chateada pela recusa. Então eu comecei a ver as engrenagens movendo-se dentro de sua cabeça, como se algo muito interessante estivesse se passando lá dentro. Ela abriu um sorriso.

– Então vai lá dar um show. Chama a atenção de quantas pessoas puder e começa a cantar e dançar "You are a pirate" - e começou a rir, provavelmente imaginando o absurdo da cena em sua mente. Então Augustus engasgou-se, fazendo Mellany rir ainda mais.

Filha. Da. Puta.

Era óbvio que eu sabia de que música ela estava falando, mas queria ter certeza.

– Espera, o quê? “You are a pirate” de Lazy Town? Que tem a menina com o cabelo cor-de-rosa? Aquele programa infantil com os bonecos e os atores gostosos? - A cada pergunta feita, Mellany assentia com convicção, rindo ainda mais.

Lazy Town era o programa infantil mais sem nexo já criado na face da Terra. Camila amava aquela joça, obrigando o mundo todo a deixar no programa quando começava. Caso não, ela começava a chorar, gritando: “quero ver o Hércules!” sendo que é o tal de Sportacus, mas ela enfiou na cabeça que se chamava Hércules, então é Hércules.

– Meu Deus… - Murmurei, ainda incrédula.

Agora, ou era aceitar ou era aceitar. Seria um tiro no meu orgulho caso eu não o fizesse. E, como eu sou uma pessoa egocêntrica, seria o mesmo que a morte.

Ergui-me, sendo acompanhada pelos olhos dos dois à minha frente. Dei três passos, saindo de trás daquela pilastra onde eu me encontrava. “É o fim…” pensei, soltando um suspiro e cerrando os punhos “internet, lá vou eu”.

Me embrenhei ali no meio das pessoas, indo até o centro do salão, olhando em volta. Ali perto tinha uma mesa daquelas grandonas; cheguei pertinho e peguei alguns biscoitinhos feitos de chocolate, adoçando a boca. Enquanto mastigava, percebi que Mellany e Augustus me observavam daquele mesmo ponto de onde eu me encontrava há alguns minutos.

O.k.”, pensei “aqui tem gente para caralho”.

O pior de tudo é que eu não tinha ideia de como começar aquilo. Pigarreei, desconfortável, e olhei para a mesa. Entre as comidas, havia alguns espaços vazios perfeitos para meus pés pequenos. Eu havia achado o lugar ideal para meu show…

Se é que eu posso chamar isso de “show”.

Inalei alguns segundos de coragem. Apoiei meus punhos sobre a mesa, fazendo um pouco de força para conseguir subir nela. A pobre coitada balançou bruscamente, e eu tive que abrir os braços para manter o equilíbrio.

Um burburinho se formou de forma rápida, e eu vi um monte de gente parando o que estava fazendo só para prestar atenção em mim. Algumas pessoas cutucavam outras, apontando e rindo para a pirata boboca e bêbada que estava em cima da mesa de comes e bebes.

Reparei também no olhar de “ela é idiota?” de algumas pessoas, então pus-me a explicar:

– Perdi uma aposta! - Gritei, abrindo os braços novamente. - Sério, eu não queria isso! Mas, como já estou aqui… - Olhei com cautela para minha plateia e apontei para um jovem viking desprevenido. - Hey, você é um pirata?

Ele ficou olhando para mim com cara de bunda, sem saber o que fazer, até que, tímido, disse:

– Hm, não… Mas você é.

Ótimo, consegui uma resposta. Sorri.

Yar-har…! – Berrei de repente, assustando o rapaz, que arregalou os olhos. Comecei a “dar uma passeada” pela mesa, evitando o máximo possível encostar na comida.

Comecei a cantar o que eu me lembrava, pulando vez ou outra, fazendo gotas de ponche voarem nas pessoas que assistiam. A maioria do meu público estava rindo. Alguns cantavam comigo também, lembrando-me de partes da canção que eu não me recordava.

Notei, de longe, que uma garota vestida de fada estava me filmando, rindo com as amigas fadas dela. Minha vontade era complementar na música um “enfia esse vídeo no cu”, mas não consegui achar um verso que de fato rimasse.

Continuei cantando, pulando de lá pra cá, até que chegou a parte do refrão final. Percebi, de longe, que Jonas vinha aproximando-se de mim com uma cara de “tô passado”. Me agachei e roubei a concha usada no ponche, usando-a numa espécie de microfone.

Land hoo!– Berrei, observando-o se aproximar da mesa, ficando próximo de minhas pernas. Me agachei e fiquei perto dele.

– Katrina, meu bem… O que está- - mas cortei-o, colocando a concha na frente de seu rosto com entusiasmo, um estranho pedido mudo para que ele continuasse a canção.

Como Jonas me olhou de forma estranha, como se não soubesse o que eu queria, revirei os olhos e continuei por ele:

– Yar-har - fiddle-dee-dee, ser um pirata é certo pra mim! – Gritei bem perto de seu rosto, ao mesmo tempo em que chacoalhava a concha, espalhando ponche na cara dele.

Jonas fechou os olhos como reflexo, e manteve-se assim por alguns segundos. Era como se ele estivesse canalizando paz interior. Enquanto isso, algumas pessoas gritavam a continuação da música, instruindo para que eu continuasse.

Jonas ainda olhava fixamente para mim, agora parecendo bravo.

Desça. - Disse, bem sério, como se estivesse prestes a me pegar e me dar umas palmadas, como se eu fosse uma menina malvada.

Eu até me importaria, mas tinha uma música de pirata para cantar. Ri internamente de sua expressão séria, com direito à marquinhas de expressão na testa, e chacoalhei a concha ainda mais, desta vez espalhando ponche em mim e nele, abrindo um sorriso.

– Se você ama navegar o mar, you are a pirate!

Jonas trincou os dentes, como se estivesse farto daquilo. Ele roubou a concha de minhas mãos, jogando-a em um canto qualquer em cima da mesa.

– Não cante em inglês e português ao mesmo tempo! Venha cá! - E, dizendo, o garoto agarrou meu braço de forma bruta, puxando-me em sua direção.

Soltei um grunhido desesperado quando vi que ia cair da mesa, mas o ombro de Jonas entrou no meu campo de visão, pegando-me bem a tempo.

Sim, fui carregada como uma não-sei-o-quê. Minhas pernas ficaram presas pelas mãos de Jonas, contra seu peito, enquanto minha cabeça pendia encostada em suas costas. Tive um vislumbre de sua bunda que não queria ter tido.

Bêbada! Enferrujada! Escandalosa!– Ele me dizia enquanto me ajeitava de forma brusca em seu ombro.

– Jonas, continue me chacoalhando desse jeito que eu vou vomitar nos seus calcanhares - grunhi, grogue, colocando o punho contra os lábios, ouvindo as vozes dos meus lanchinhos dizendo: “Katrinaaa, voltei!”

As pessoas que antes cantavam comigo agora pediam para que Jonas parasse e me largasse, mas ele simplesmente continuava a caminhar, ignorando-as completamente. Percebi que a menina vestida de fada continuava tirando fotos de nós.

Hm, será que essa é a ‘chefe’ miserável daquele grupo da internet que publicou fotos minhas com o Pedro?

Virei minha cabeça para olhá-la melhor e tentar gravar seu rosto. Mas foi em vão, já que Jonas passou por um grupinho de pessoas, que ficaram no caminho entre mim e a garota.

– Droga… - resmunguei, chateada. Senti uma coisa na minha garganta e decidi arrotar, fazendo minha melhor cara de: ‘que delícia, cara’.

Mas, após a ação, logo percebi que havia feito cagada. De novo.

Senti um impulso desagradável no estômago, como se algo estivesse socando minhas tripas para cima. Depois só foi uma questão de segundos para que eu visse todos meus lanchinhos indo goela à fora, parando nos calcanhares e panturrilhas de Jonas.

Eita…

O garoto não falou nada por apenas cinco segundos, parando e retesando-se.

– Me diz que o que eu tô sentindo nas pernas não é o que eu acho que seja.

– Depende… - Falei com dificuldade, um pouco rouca, sentindo um incômodo na garganta. - O que é que você acha que seja? - Então prestei atenção na minha ‘obra’. - Olha, não me lembro de ter comido arroz hoje… Interessante.

– KATRINA! NÃO ACREDITO NISSO! - Ele começou a berrar, histérico. Então o garoto apertou mais ainda minhas pernas, começando a pular no mesmo lugar, desesperado para que meu vômito desgrudasse de seus pelos.

E tudo isso comigo no ombro. Eu sentia como se duas coisas estivessem num pula-pula: meu estômago e minhas bolas. Sério, os dois estavam animadinhos demais, como se quisessem se desgrudar de mim, indo parar lá na China. Principalmente minhas bolas. Quer um ponto negativo de ter bolas de boliche no lugar de seios (além de todos os outros)?

Caso você estiver em algo que pule desenfreadamente, eles com certeza irão bater em seu queixo.

Anota isso e fica satisfeita com os seus aí.

Minha sorte era que eu estava de espartilho. E, mesmo assim, eu sentia como se esse carinha fosse abrir de tanta pressão, me deixando seminua na festa.

– JON-AS! - Berrei, mas minha voz saía entrecortada - SER QUER PUL-AR COMO UMA CAB-RITA FAÇA ISS-O SEM MI-M!

– Tem vômito nas minhas pernaaaas! - Ele parou como eu havia pedido, colocando-me no chão logo em seguida, com gentileza. O garoto começou a abanar as mãos do lado da cabeça, choramingando e apontando para a panturrilha. Puxei meu espartilho para cima, olhando feio para ele.

– Calma, porra! - Gritei, tentando fazê-lo ficar calmo. Mas isso só serviu para que as pessoas à nossa volta prestassem ainda mais atenção em nós. Ignorei-os e voltei a olhar para ele - cara, é só um vomitozinho, e ainda por cima é meu. Tipo, não é como se eu tivesse sífilis. E mesmo que tivesse não daria para sua panturrilha absorver a doença, sabe?

Ele ficou me encarando por alguns instantes.

– Sério? Tipo, sério?

Dei de ombros.

– Eu tentei… Mas você é fresco demais! Cara, é só passar uma água aí que já sai.

– Você tá falando isso porque não é com você! - Ele gritou de repente, histérico.

– Se fosse comigo eu já teria ido ao banheiro há muito tempo e já teria passado uma água aí há muito tempo!

Jonas ficou me olhando por uns instantes.

– Então vem comigo até o banheiro.

– Por que tenho que ir com você até o banheiro? - Indaguei, sem entender.

– Porque eu não quero passar vergonha sozinho. E também porque eu quero que você limpe pra mim, sabe… Seus genes…

Estreitei as sobrancelhas, olhando-o.

– Aposto que você fala a mesma coisa depois de transar sem camisinha. - Falei, erguendo o queixo. Jonas ficou me encarando por uns instantes, sem saber o que dizer.

– Você é… Ó, nem te falo! - Ele alterou-se, pegando no meu cotovelo e me arrastando de novo. - Vamos logo, tô sem paciência!

*

No fim o próprio garoto limpou-se. Tive uma vertigem e se eu abaixasse minha cabeça iria morrer ali mesmo. Fiquei apoiada na porta, vendo-o apanhar água da torneira com a mão em forma de concha e despejar na perna, fazendo caretas ao passar a mão pelo meu “gene”.

Ri da cara dele a ação inteira, fazendo-o lançar gestos ofensivos para mim.

Depois de mais ou menos quinze minutos, Jonas me deu um tapinha no ombro, indicando que era para irmos. Percebi que sua meia ainda estava molhada. Não evitei e ri novamente.

– Você é cara de pau mesmo, viu, Katrina. Poderia facilmente sentar a mão na sua cara, mas você é como um urso lutando, então prefiro evitar. - Ele me estendeu seu braço para que eu pudesse me apoiar.

Entrelacei meu braço no dele, pensando no assunto em que falávamos.

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– Se eu sou um urso, então você é o peixe. Ou seja, eu te como.

– Você me come? - Ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.

– Sim, como.

Jonas soltou um muxoxo, fingindo aborrecimento.

– Tcs, sabia que você tinha um pênis. Como esconde? - Perguntou, interessado. Nós atravessamos o salão enquanto eu pensava a respeito.

– Com fita adesiva. É mais prático.

Jonas riu e me empurrou na direção de um local que eu ainda não conhecia naquela casa enorme. Era como se fosse uma sala, mas não era simplesmente uma sala. Era três vezes maior que uma, tinha uma lareira e sofás confortáveis para todos os lados. Alguns nerds jogavam algo parecido com “Pedra, papel, tesoura, lagarto, Spock” em um canto, sentados num círculo.

Pedro estava ali também. Pelo visto, ele havia pego um livro de uma das (quatro) estantes que havia ali. O jovem estava sentado em um sofá com três lugares, vermelho. Parecia bem à vontade, rindo vez ou outra sozinho.

Mas o lugar não estava vazio. Na realidade, estava cheio de gente… Esquisita. Era como se aquilo fosse um lugar onde só os mais reclusos iriam, já que era calmo, aconchegante e com nenhum bêbado à vista.

Eu estreei o lugar.

Yay.

– O que é esse lugar? O recanto dos nerds? - Perguntei baixinho para o Jonas.

– Não - ele riu pelo nariz. - É só um lugar de descanso. As pessoas vêm aqui para relaxar da folia. É por isso que só tem gente de boa. Estão tentando recuperar os nervos, conversando, jogando, lendo…

O garoto me empurrou e me obrigou a sentar ao lado de Pedro, que ergueu as sobrancelhas quando me viu. Logo Jonas sentou-se do meu outro lado, fazendo-me ficar entre eles.

– Katrina… - Pedro disse, surpreso, fechando o livro.

– Oi. O que você tá lendo?

– Hm, Moby Dick… - Ele apontou para mim - você está… Estranha.

– Eu diria bêbada - Jonas resmungou do meu lado, fazendo Pedro abrir a boca, incrédulo.

– Não… Megera, me diz que você não fez merda…

– Fez sim! - Jonas respondeu de novo, desta vez retirando seus sapatos - e das grandes, eu diria! Ou você considera subir em uma mesa e cantar canções infantis uma “merda pequena”?

– O quê? - Ele agora parecia mais interessado do que cético. - Não, não, não, deixa eu colocar isso aqui… - Ele colocou o livro sobre uma escrivaninha que tinha ao seu lado e voltou-se para nós dois com a atenção redobrada. - Me explica isso direito. Katrina Dias cantando Xuxa?

– O quê? Não! - Gritei, ouvindo o som da gargalhada de Jonas atrás de mim. - Não, Pedro, eu não cantei Xuxa, pelo amor de Deus. Cantei “You are a pirate”...

O que, definitivamente, não era melhor.

Pedro ficou me encarando por alguns segundos.

– De “Lazy Town”?

– Sim - respondi, encostando-me no sofá.

Pedro riu novamente.

– Se alguém tiver gravado isso, já tenho meu presente de Natal adiantado.

Revirei os olhos, sentindo minha barriga mover-se dentro de mim, suplicando por comida. Seu ronco foi alto e um pouco vergonhoso, fazendo Jonas inclinar-se para frente e ficar me olhando, cético.

– Ah, tô com fome. - Soltei, pressionando minha barriga.

– Tá de brincadeira com a minha cara! - Ele gritou, chamando a atenção das pessoas à nossa volta. - O que é? Perderam alguma coisa aqui?! - Ele berrou, rude para o pessoal.

Pedro deu uma risadinha.

– Por que está surpreso, Jonas? A Katrina é um saco sem fundo, todos nós já sabemos.

– Não, Pedro, não é essa a questão… - Ele abaixou consideravelmente o tom de voz, me dando um pedala. - É que essa garota aqui vomitou na minha perna… - Ele grunhiu a última parte, parecendo puto internamente.

Pedro ficou encarando a gente por alguns segundos, como se tivéssemos de estar em um manicômio.

Oddio… – Ele murmurou mais para si mesmo do que para nós. Então Pedro chacoalhou as mãos, como se quisesse mudar de assunto - hm, bom, megera, você quer um copo d’água? Sei que a sensação pós-vômito é desconfortável...

– Quero - aceitei. - Aproveita e me traz algumas coisas para beliscar.

– O QUÊ? - Jonas berrou de repente, assustando todo mundo de novo. - A garota vomita nas minhas pernas, me faz ter vergonha na frente de várias pessoas, e aí, quando eu conto essa triste, triste história para alguém, o que essa pessoa faz? Mima ela! Isso não é justo!

O italiano começou a dar risada, provavelmente surpreso com o comportamento de Jonas. Ele esticou o braço por trás da minha cabeça e apertou com força a bochecha direita do birrento, fazendo-o soltar um grunhido de dor.

– Tudo bem, Jonas! Vou te trazer um copo d’água também, tá bom? Sem estresse!

Pedro levantou-se, cantarolando, deixando uma marca enorme e vermelha na bochecha de Jonas. Ele começou a acariciá-la, mal-humorado.

– Ai, tá doendo.

– Onde? Aqui? - E cutuquei com força o avermelhado, fazendo-o soltar um grito e me dar um tapa na mão.

– Você nem vem! - Ele grunhiu, fazendo-me rir de sua careta.

– Você faz as melhores caretas, sabia?

– E você e o Pedro fazem um casal do mal, sabia? - Ele retrucou, massageando com mais intensidade o local do beliscão e do cutucão (bônus).

Arqueei uma sobrancelha.

– Não fazemos um casal do mal. Por que faríamos, aliás?

– Não faço ideia, só sei que fazem. Acho que é por causa de suas personalidades opostas. Isso dá um atrito. Um atrito, que, no caso, é jogado em cima de seus amigos, não em vocês mesmos. Filhos da puta.

Comecei a rir ainda mais, mas logo parei, porque senti uma pontada no meu cérebro.

– Ai, droga, minha cabeça tá doendo… Eu preciso de mais bebida, mais coxinhas ou uma cama. Qualquer um desses serve agora… Ai, merda.

– Você sabe que tá ferrando com seu córtex, né? Desse jeito você só vai pensar porcaria.

– Mais? - Brinquei, olhando-o. Jonas revirou os olhos enquanto apoiava seu pé em cima de uma mesinha de centro, bocejando logo em seguida. Mas ele sorriu e estendeu a mão ao ver Pedro chegando.

– Ah, valeu.

O italiano sorriu e deu a ele um copo de vidro com água. Ele sentou-se ao meu lado devagar, apoiando na minha perna uma caneca de plástico com desenhos aleatórios - daquelas que você dá para uma criança.

– Por que uma caneca?

– Não sou doido a ponto de dar algo de vidro para alguém bêbado, Katrina. - Então, do nada, Pedro tirou uma maçã do amor de não-sei-onde embrulhada em um saquinho, estendendo-a a mim. - Agora, coma.

– De onde tirou isso? - Perguntei, surpresa, pegando o doce pelo palito. Coloquei minha caneca entre minhas pernas, desembrulhando o saquinho.

– Tenho Nárnia no bolso - ele brincou, abrindo um sorrisinho que Jason nunca abriria.

Sorri também, pegando o saquinho plástico, todo melado, e jogando na cara de Jonas. O garoto jogou-o para fora do sofá, com raiva, e colocou seu copo gelado sobre meu ombro. Dei um grunhido e tentei me afastar.

– Vem de novo - ameaçou, estreitando as sobrancelhas.

Sorri de canto, já pronta para dar uma mordida colossal na maçã. Eu faria isso se Pedro não tivesse tirado-a das minhas mãos, me deixando com cara de ponto de interrogação.

– O quê? O frete não é grátis - ele explicou, mordendo a maçã com vontade. Mas isso só fez com que sua boca ficasse toda suja de melado.

– Agora tá babada - avisei, apontando para a cratera que ele havia deixado na fruta.

– Babado? Onde? Aqui? - Pedro passou a mão sobre sua boca, fazendo logo depois uma coisa tão nojenta que nunca pensei que ele faria de fato.

Sim, ele passou o melado que segundos antes estava na boca dele contra a minha boca. Jonas soltou um “isso não tá acontecendo”, enquanto eu xingava o Pedro.

– Ai, que nojo vocês dois! - Jonas exclamou com sua melhor cara de ‘mereço’.

Tentei limpar minha boca com as costas da minha mão, mas não tive sucesso. Usei a barra da minha saia mesmo.

– Ainda terá vingança, aguarde. - Ameacei-o, olhando-o bem nos olhos, pegando a fruta antes que ele me roubasse novamente. Pedro fingiu dar uma risada diabólica enquanto eu mordia a maçã. Não estava ruim, mas também não estava tão boa.

As maçãs do amor que fazem na festa junina são mais gostosas que essa, por exemplo.

Nem terminei de comê-la quando senti minhas pálpebras pesarem. Dei um bocejo, erguendo os braços enquanto me espreguiçava. Me contorci toda, jogando o palitinho da maçã em cima da escrivaninha, ao lado do livro do Pedro.

– Com sono? - Perguntou Jonas, enquanto eu assentia.

– Pra cacete. Acho que eu vou dormir, na boa.

– Quê? Tá louca, menina? Vai simplesmente ir dormir, abandonar a festa e tudo mais?

– Sim. É isso que os preguiçosos geralmente fazem, sabe? Minha cabeça tá explodindo e meu humor está piorando.

De repente, assim, no meio da conversa, Pedro colocou sua mão sobre meu ombro esquerdo, puxando-me de forma sutil em sua direção.

– O que tá fazendo? - Perguntei, arqueando uma sobrancelha e olhando-o.

– Hm, oferecendo meu colo.

O.k., isso havia sido ridículo. Meu primeiro movimento foi erguer minhas mãos e apoiá-las em seu peito, numa tentativa de empurrá-lo.

Mas aí eu pensei melhor.

Sabe quando a coisa na sua cabeça parece ser completamente ridícula, mas aí você, enquanto faz, vai percebendo que não é tão ruim quanto pensou?

Bom, era eu naquele instante.

Estralei a língua e deitei a cabeça com tudo no colo dele, antes que me arrependesse depois. Ouvi Jonas dar um grunhido.

– Meu Deus do céu, tá doida? Vai com calma, menina, não é como se não tivesse nada aí.

– Ele me ofereceu mesmo sabendo das consequências - rebati, bocejando novamente.

Fechei os olhos devagar, sentindo os dedos do Pedro escorregarem para dentro do meu cabelo. Ele começou a me fazer um cafuné, o que eu, de jeito nenhum, não neguei. Ainda sentia que estava alcoolizada demais para falar alguma coisa, então decidi responder com monossílabas as seguintes questões.

– Me ajuda a tirar os sapatos dela - ouvi Pedro dizer para Jonas, e logo senti mãos apressadas retirando minhas botas. Meus pés se ergueram do chão, indo parar num colo que logo reconheci como o de Jonas. - Melhor agora?

– Sim - respondi num cochicho, retirando meu braço de debaixo do meu corpo.

Aff… - Ouvi Jonas ralhar. - É folgada mesmo, hein? Vomita em mim, se apropria do meu colo… Quer mais o quê, querida?

Sorri, mas logo percebi que eu ouvia cada vez menos o som das pessoas à minha volta. Era como se eu entrasse em um transe quando tentava dormir bêbada - isso sempre acontecia. Em algum momento, ouvia apenas a voz de Jonas e de Pedro conversando sobre o jogo dos nerds na frente deles.

– Tosco. - Ouvi a voz de Jonas, debochada como sempre.

– Eu diria, hm, incomum.- Pedro disse, argumentativo. - Deve ser divertido, já que ainda estão jogando depois de tanto tempo.

Houve um silêncio. Dei um suspiro, respirando devagar. Até que Jonas começou a tagarelar novamente.

– Pedro, tenho uma dúvida… - Disse ele, e, mesmo quase dormindo, já imaginei que viria uma grande merda daquela boca.

– Hm?

– Esses dias eu tava comendo macarrão na casa da Katrina, e aí eu vi o nome do bicho… ‘Pene’. Logo pensei que é uma palavra em italiano. Mas, o que significa?

Pedro riu pelo nariz, como se estivesse constrangido. Seus dedos voltaram a me fazer um cafuné.

– Significa… Hm, como posso dizer de uma forma menos constrangedora…

Pênis… - Murmurei, fazendo as risadinhas de Pedro se intensificarem.

– Num sentido literal, é isso mesmo.

– QUÊ? - Jonas berrou, pelo visto (ou ouvido) completamente surpreso. - Quer dizer que eu tô comendo, todo domingo, VÁRIOS disso? Ah, não, depois dessa, vou até pegar um copo d’água!

Ao julgar pela dor que senti nos meus calcanhares, Jonas de fato levantou-se e saiu de perto. Resmunguei, desconfortável. Até remexi meus pés, tentando aquecê-los, e percebi que o italiano havia os pegado e os apertado, protegendo-os do frio.

– Assim como suas mãos, seus pés são gelados, Katrina… - Ele sussurrou, apertando meus dedinhos. Senti cócegas e chutei sua mão no automático. - Mas, o mais engraçado é, sem dúvidas, o tamanho deles. Até minhas mãos são maiores que seus pés, megera.

– Tenho pés de gnomo… - Murmurei de novo, sentindo uma onda de calor desnecessária. Devia ser porque a respiração dele estava batendo na minha orelha.

E foi naquele exato momento, com Pedro massageando meus pés, que pensamentos que já rondavam minha mente afloraram. Já, há vários dias, peguei-me pensando, assim como o prometido, no pedido que Pedro havia feito para mim.

Katrina, namora comigo”.

As palavras dele estavam bem fresquinhas na minha memória. Mesmo eu não citando-as, elas estavam. Estavam e, infelizmente, parecia que borbulhavam na minha testa. Além da dor infernal na minha cabeça, eu ainda tinha, de brinde, esses pensamentos que me deixavam sem locomoção.

Eu gostava dele. Muito. Mas acho que ele ainda não sabia disso.

Ótima oportunidade para dizer a ele, certo? Um sinal vermelho apitou dentro do meu cérebro. Ele dizia, como num outdoor: PARA. VOCÊ TÁ BÊBADA. NÃO FALA MERDA.

Mas eu peguei esse outdoor desnecessário e colei em cima da frase uma foto de cavalo. Muito melhor.

Voltei aos meus assuntos pendentes, ignorando esse ato piscante e colocando-o num canto obscuro do meu cérebro, casualmente chamado de: pensar.

– Pedro… - Chamei-o, tentando abrir os olhos, mas estava com sono demais para isso.

– Hum? - Ele me respondeu, afastando os fios vermelhos que estavam em cima da minha testa.

– Eu gosto de você.

Ouvi uma risadinha de sua parte.

– Eu também gosto de você, megera. Sabe, a Marcela também gosta, o Jonas finge que não, mas ele gosta…

Ah, não. Ele entendeu errado. Não é esse gostar. Eu gostava dele desde que nos conhecemos, mas só recentemente comecei a gostar.

Dei um bocejo, colocando minha mão sob a cabeça, usando-a de travesseiro. Agora, sim, já não havia volta. Eu estava entrando no décimo quinto sono só de imaginar.

– Não, Pedro… - Tentei ser direta. - Eu gosto de você do mesmo jeito que eu gosto de dormir, entendeu?

Senti seu corpo ficar tenso de repente.

– E eu amo dormir, Pedro.