Garota-Gelo

Príncipes Ou Cozinheiros?


– Já me perguntaram se uso drogas, mas juro que não uso! – Ela exclamou.

Isso para mim só revelou que ela não bate bem da cabeça.

– Isso foi uma metáfora. – Eu expliquei devagar.

Ela exclamou um “Ah” e cruzou os braços.

– Me conte tudo, sou sua amiga!

– Nunca concordei com isso.

Ela bateu o pé no chão.

– Katrina, eu sou sua amada, me diga!

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– Espera, quando isso virou uma conversa entre lésbicas? – Eu cruzei os braços.

Então uma cabine se abriu. Uma garota vestida totalmente de preto saiu de lá de dentro.

– Desculpe, não era a minha intenção xeretar. É que a conversa ficou meio tensa, então eu decidi sair.

A garota parecia uma Samara Punk-Rock.

– Lygia? – Gritou Marcela.

– E ai, Marcela.

– Katrina, essa é a Lygia. Ela é malvada! – Marcela correu e me abraçou por trás.

– Por que você é idiota e deixa. E me larga! – Empurrei a cabeça dela, mas Marcela continuou grudada em mim.

– Katrina... Não me diga que você é a Garota-Gelo? – Ela se surpreendeu de verdade.

– Não, sou a Avril Lavigne.

Marcela se desgrudou de mim de repente. Ela foi até a pia e pegou seu celular do bolso. Ela olhou para mim.

– Katrina... Depois nós discutimos nossa relação... Tenho que falar para o meu irmão que horário ele tem que me pegar aqui na escola.

Ela saiu do banheiro correndo.

– Ah, uau. – Exclamou Lygia. – Boa sorte com essa ai.

– Vocês se conhecem há muito tempo? – Perguntei sem pensar.

– Não, realmente. Nos conhecemos ano passado. Carmen é apaixonada pelo irmão de Marcela. Ela apenas usou Marcela para se aproximar dele. Na realidade, Carmen odeia Marcela. Nunca aceitei isso, mas tive que ir com ela. A pobrezinha sofre por ser tão inocente.

Eu senti um repuxo no estômago. Ser usada como lixo. Eu sei bem como é.

– Por que você não impediu? – Eu perguntei.

– Não vou lhe contar minha vida pessoal. Foi bom falar contigo, Garota-Gelo. E a propósito, você não é tão gelada assim. Em minha opinião, você está esquentando. – Ela andou até a porta do banheiro. De repente, ela parou. – Cuidado para não esquentar de mais. Pode acabar sofrendo novamente.

E então foi embora, me deixando completamente confusa.

*

O sinal havia tocado a mais de trinta minutos. E nada de Marcela. Eu não poderia estar mais contente. O silêncio me invadia e eu adorava aquela sensação.

O professor de matemática, Aldemir, estava explicando uma matéria de gente filho da puta. Na realidade, para mim a matemática estava perfeita até acrescentarem as letras.

– Bom, agora... Katrina, você pode me dizer a resposta desta equação? – Ele limpou a mão suja de giz em um pano branco.

– Não quero responder.

Enterrei-me na minha touca.

– Oh, curta e grossa. Alguém?

Mas antes que algum ser vivo pudesse responder, bateram na porta. Provavelmente Marcela.

Bingo.

Marcela apareceu sorridente como de costume. Estava vestida com o uniforme. Ela prendera seu cabelo em um rabo-de-cavalo. Ela também colocou um brinco de argolas cor de rosa.

O professor pareceu surpreso.

– Senhorita Agostino, por que está atrasada?

– Eu fui me trocar, a roupa de Pikachu incomoda. Também liguei para o meu irmão. Ele é esquecido, então tenho que lembrá-lo que nosso horário de sair é meio dia e trinta.

Eu bufei.

– Não pode usar telefone-celular na escola, Marcela. – Lhe reprendeu o professor.

– Ah, desencana professor!

Ela entrou rebolando na sala. Quando me viu, abriu um sorriso horrível.

Ela correu pelo corredor de braços abertos, acertando a cabeça de vários alunos com os dedos.

– Katrina, eu voltei, minha amad—

Eu joguei o livro de matemática em sua cara.

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*

O sinal tocou e eu senti uma sensação maravilhosa. Tipo comer um sorvete de flocos com bis em um calor de quarenta graus. Só que melhor.

Eu atravessei o portal quando uma mão com unhas cor de rosa me segurou pelo ombro.

Marcela me virou, e me encarou nos olhos.

– Katrina, quer vir à lanchonete comigo? – Marcela perguntou.

– Sou pobre.

– Eu pago. – Ela sorriu.

Pensei por um instante.

– Tem torta de limão com cobertura de chocolate e morango?

– Um dos meus preferidos. – Admitiu.

– Se você está disposta a pagar, por mim, até casa pegando fogo.

Eu me soltei dela e andei pelo corredor devagar. Atrás de mim, Marcela deu pulinhos histéricos.

– Se pensa que pode me fazer se tornar sua amiga somente com isso, pode tirar seu pônei da chuva. – A avisei por cima do ombro.

E então deixei uma loira dando gritos de puro ódio para trás.

Na realidade, eu não tinha intenção nenhuma de ser amiga justamente dela. O fato é: Não quero nunca mais ter amigos.

Esbarrei em alguns garotos do terceiro ano.

Então eu me lembrei de algo. Parei na ponta da escada.

– Ei, Marcela. – A chamei.

Ela parou de dar seus chiliques e veio correndo até meu encontro como um cachorro.

– Sim?

– Onde fica esse treco de bolo?

Lanchonete, Katrina. Fica aqui pertinho. – Ela desviou seus olhos e começou a descer as escadas.

– Eu quero saber onde. – Gritei.

Ela murmurou algo.

– Não me desafie. – Eu estreitei os olhos.

Desci as escadas pesadamente e a agarrei pelos ombros. A virei para me encarar.

– Diga.

–... Lista... – Murmurou.

– Hã?

– Avenida... – Ela abaixou os olhos.

– Diga mais alto! – A chacoalhei.

– Na Avenida Paulista! – Ela gritou.

Meu rosto provavelmente ficou vermelho. Quando fico nervosa, pareço um pimentão.

– E você acha que eu tenho dinheiro para ir nesse quinto dos infernos?! – Eu berrei. – Não tenho dinheiro para pagar o busão, Marcela! Tenho que repetir isso quantas vezes? Eu sou pobre!

Algumas pessoas nos observavam lá de baixo.

– O que vocês estão olhando? Vão cuidar da vida de vocês, seus xeretas! – Eu berrei.

Eles abaixaram a cabeça e foram embora.

Marcela corou.

– Eu vou te levar de carro. – Cochichou.

Eu esfriei.

– Ainda bem.

*

Quando vi o “carro” de Marcela eu congelei. Aquilo não era um carro. Era uma limusine.

Ela entrou naquilo ali como se fosse absolutamente normal. O pior era que um homem saiu do carro e abriu a porta para ela. Eu só fiquei olhando aquilo tudo como se eu fosse uma banana: dura, seca e amarela. Novamente, vários flash de câmeras me atingiram nos olhos.

– Katrina, entre! – Ela me chamou.

Ah, eu não perderia aquilo nem que Chris Evans aparecesse na minha frente e me chamasse para dar uma “volta” com ele.

Entrei correndo na limusine.

O banco era feito de couro preto, muito fofinho e quente. Havia outro banco postado paralelamente com o que eu estava sentada. No meio dos bancos, várias garrafas de Coca-Cola, Guaraná e Pepsi estavam colocadas no meio de um pote de isopor, no meio do gelo. Tinha televisões por todas as partes.

O carro deu uma guinada e eu quase caí no chão

Apertei algum botão não identificado. De algum lugar da limusine, uma música começou a tocar.

– Esse carro é mais caro que minha casa. – Observei. – Com todos os móveis. Mais todas as minhas roupas.

Marcela me olhou e deu um risinho.

– Tá... Junto comigo e com a minha mãe. – Continuei. – Mas sério, você assaltou isso onde?

Ela deu risada.

– Esse carro é do meu pai.

Ah, saquei.

– Então você é rica.

– Não gosto desse termo... Mas sim.

– Já te odeio mais. Odeio gente rica.

Ela corou.

– Não diga isso, Katrina! Não sou malvada... Eu dou metade da minha mesada para que os mendigos construam casas para eles. Papai doa cerca de dois terços do lucro de sua empresa para instituições de caridade.

Eu olhei para a janela. Pessoas e coisas passavam como se fossem um simples borrão.

– Não me olhe agora. – Eu embacei o vidro com o meu hálito e escrevi bitch.

Ela riu e pegou minha mão. Sua mão estava quente.

– Nossa, Katrina. Sua mão está gelada.

Então ela fez algo assustador. Pegou minha mão e a colocou em seu bolso. Eu a encarei como se ela tivesse virado um donut gigante.

– Não faça isso, Marcela. Isso não é uma história entre lésbicas. Eu acho. – Olhei para os lados.

Ela sorriu.

– Não, não é uma história de lésbicas. Mas sim de amigas. Certo?

– Errado.

Tirei minha mão de seu bolso e a coloquei quieta em cima de minhas coxas.

Marcela suspirou.

– Como você é difícil.

Você não viu nada ainda.

*

Quando chegamos à lanchonete, eu tive minha vida quarenta por cento concluída. Agora só faltava eu ver a cabeça de Pedro arrancada por um cavaleiro-sem-cabeça, ver Jason estripando Camila e ter o Jason, Chuck, Deadpool, um serial killer e Drácula reunidos no meu quarto me esperando para tomar chá. Obviamente isso iria acontecer. Não estrague meus sonhos.

A lanchonete era um tipo de transformista. Eu deduzi isso porque sou muito esperta. Não. Estava escrito em uma placa cheia de “sangue”:

Tema da semana: Vampiros.

Cuidados, queridos clientes, vocês podem estar tomando sangue ao invés de suco de melancia. Tenham um bom dia.

Cardápio especial: Carne malpassada, sopa de alho e torta de maçã com recheio de morango e cobertura de cereja.

Tá, eu sei... Sopa de alho é horrível.

Entramos na lanchonete e eu tive um ataque do coração. Todas as mesas estavam com uma toalha preta com renda vermelha nas pontas. As luzes eram fracas, o que tornava o lugar sombrio. As cortinas eram todas pretas rendadas. E o melhor: as garçonetes. Todas elas estavam vestindo um vestido vermelho de época. Seus cabelos estavam presos em um coque com uma flor gigante preta. Elas usavam dentes de vampiro.

Nos sentamos em uma mesa com três lugares. Peguei o cardápio e vi Marcela chamando uma garçonete. Rápida no gatilho. Ao meu lado, estava uma senhorinha comendo uma sopa de alho. Eu a encarei.

– Você realmente gosta... Disso? – Apontei para a gosma.

– Não tenho dentes... Não posso mastigar... – Ela sorriu. Apenas três dentes apareceram.

Oh... Droga. Eu não sabia o que dizer.

– Por que não pega um sorvete então? – Perguntei.

– Meus dentes são sensíveis. – Ela explicou.

Ah... Uau. Virei meu rosto.

Então uma garçonete veio até nossa mesa.

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– Senhora, você tem que pagar. Tem dinheiro? – Ela perguntou mastigando um chiclete maldito.

Já a odiei. Odeio pessoas que falam mastigando chiclete.

– Não, filha. Não tenho dinheiro. – Seu olhar se tornou triste, melancólico.

A garçonete suspirou.

– Bom, então você lavará pratos.

Marcela bateu na mesa.

– Eu pago para ela. Quanto é?

– Ela só tomou essa sopa. São três e oitenta.

Eu tossi.

– Três e oitenta um prato de sopa de alho? Que mundo é esse? Roubam-te e ainda exigem que você lave pratos. – Resmunguei.

A garçonete me olhou.

– Só trabalho aqui. E quer saber? Concordo contigo. – Ela olhou para Marcela. – Irá mesmo pagar?

Marcela estava fuxicando sua bolsa. Ela sorriu triunfante quando tirou uma nota de dois reais e uma moeda de um. Ela as colocou em cima da mesa e caçou os oitenta centavos.

Eu nem me mexi. Não me meto nos problemas dos outros. Apenas opino. Só me meto quando esse problema pode me prejudicar. Aí o couro come.

Marcela acabou de pagar a garçonete e olhou para a senhorinha.

– Hoje, você não lavará pratos. – Ela sorriu.

– Nossa, que reconfortante. – Murmurei.

– Obrigada, querida. – A vovó sorriu e se levantou da cadeira. Ela mancou devagarzinho até a saída e desapareceu na multidão.

Marcela suspirou.

– Você não adora velhinhos? Tão fofos e tão sensíveis.

Eu ri.

– Fofos? Para mim eles apenas servem para atrapalhar sua passagem quando estão na sua frente. Você tem que se dar o trabalho de circundá-los e passar. Se não fizer isso, fica ali por horas. E quando viu, andou dez passos.

Mas Marcela não estava prestando atenção. Eu odeio quando me chamam e me deixam no vácuo.

Seus olhos estavam vidrados. Nem piscava. Ela apenas olhava em uma única direção. Eu abanei na frente de seu rosto. Mas ela estava com cara de boi sonso.

Tentei olhar onde ela estava olhando. Encontrei o cozinheiro. De vez de uniforme branco, ele estava com um uniforme preto. Seu cabelo era escuro. Seus olhos tinham um tom de azul. Ele era alto e forte. Eu chuto uns dezoito anos para ele.

Cuidado, meus chutes são certeiros. Pegam bem nas bolas. Tanto nas debaixo tanto nas de cima. Não discrimino.

– Marcela, uma carruagem parou ai na frente. Ela é todinha cor de rosa. Olha só, um príncipe saiu dela. Ele está do nosso lado, Marcela! Quer pedir sua mão em casamento! – Eu a testei.

– Uhum... – E continuou a olhá-lo.

Eu saquei.

– Marcela, você está apaixonada por esse cara?