Eu estava sozinha em casa. Não tinha nenhuma alma viva na rua além do meu vizinho italiano.

Óbvio que eu faria uma única coisa.

Dormir.

Subi correndo para o meu quarto e me joguei na cama. O dia estava nublado, ótimo para tirar um cochilo de trinta horas. Você me entende, que eu sei.

Enrolei-me nas cobertas e já senti o sono chegar.

Eu tive um sonho delicioso que ao mesmo tempo foi bizarro.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Eu estava no sofá da sala, e o dia estava frio. Saí para a rua e percebi que a neve cobria a rua inteira. Alguns flocos caíram de leve no meu rosto, e eu passei o dedo neles.

Os coloquei na boca, e incrivelmente, eles tinham um gosto de... De chocolate.

De repente, a rua inteira ficou marrom, e um rio de chocolate se formou. Eu me assustei e olhei para o céu.

Vacas estavam ali, flutuando. De suas tetas, litros de leite saiam, e um pote gigante de Nescau estava derramando o chocolate.

Pisquei.

- Mas gente?

Estava pronta para montar em uma vaca, quando uma música alta tocou e eu pulei da cama, caindo de cara no chão.

- OH! – Eu berrei.

Eu consegui me levantar e dei um passo para frente, mas comecei a ver galáxias, então somente me sentei na cama e esfreguei os olhos.

- Welcome to a new kind of tension. All across the alienation, where everything isn't meant to be ok. Television dreams of tomorrow! – O Billie gritava em alguém lugar.

Quando abri os olhos novamente, Marcela e Jonas estavam parados, e Jonas estava com uma caixinha de som em mãos.

- Sentiu saudade? – Marcela sorriu.

Cerrei os dentes.

- Óbvio que não. Queria você morta, peste.

Ela sorriu e apertou as minhas bochechas.

- Sua mãe disse para você ir ao mercado e comprar três caixas de ovos.

Ela soltou minhas bochechas e Jonas desligou a caixinha.

Bufei.

- Comprar ovos para que, se temos dois aqui? – Apontei para a calça de Jonas.

Ele estreitou os olhos e colocou suas mãos em forma de concha em cima da virilha.

- Esses ovos não são comestíveis. – Ele disse.

Sorri.

- Você tá dizendo isso para mim. Se tivesse um gostoso aqui no meu lugar, duvido muito se você diria isso.

Marcela abriu a boca, incrédula.

- Katrina, você é uma menina, não pode falar essas coisas!

A encarei.

- Teu cu.

*

Só quando as pulgas foram embora eu me levantei para me arrumar.

Foi aí que eu percebi que estava vestindo as roupas de Pedro.

Encarei a camisa por alguns segundos. Definitivamente, era enorme. Só aquele momento é que eu me dei conta que ela estava exalando hortelã.

Sorri e despi suas roupas, colocando as que eu tinha separado.

Eu até as dobrei.

As embolei em volta do braço de qualquer jeito, mesmo. Não me daria a esse trabalho.

Desci a escada e encontrei o bando sentado no sofá, assistindo TV. O dinheiro dos ovos estava em cima do encosto do sofá. O peguei e enfiei dentro do sutiã.

Abri a porta e atravessei a rua. Bati na porta da casa do Pedro e não demorou muito para que ele atendesse.

- Sim, megera? – Ele sorriu.

Empurrei as roupas contra o seu peito. Ele se assustou e as pegou com uma mão.

- Tó. – Fiquei desconfortável. – Valeu pelas roupas.

Ele sorriu.

- Não foi nada. Se quiser as pegar novamente, só fala comigo.

Assenti e caminhei sobre a calçada, pronta para ir para o mercado.

*

Uma coisa estranhíssima – como de costume – aconteceu enquanto eu virei a esquina para chegar ao mercado.

Um dogue alemão que batia na minha cintura estava me seguindo. Ele não tinha a orelha esquerda. Fiquei caminhando e olhando de relance para trás. Apertei o passo, mas o vagabundo continuava a me seguir.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Teve uma hora que eu comecei a correr e olhei para trás, mas o cachorro ainda me seguia com uma cara de feliz desgraçada.

Parei bruscamente e ele também parou, se sentando.

O encarei. Peguei uma pedra do chão e joguei para o quinto dos infernos.

Ele apenas virou a cabeça rapidamente, acompanhando a pedrinha. Mas logo virou a cabeça para me observar.

Os seus olhos eram de um marrom claro, cheios de melancolia.

Joguei minhas mãos para a cintura e bufei.

- Fora daqui! – Gritei.

Ele apenas abanou o rabinho e latiu. Seu latido era forte e rouco, como um urso.

Desanimei.

Abanei minhas mãos de um jeito bruto, apontando para o nada.

- Corre! – Gritei enquanto apontava para o outro lado da rua. – “Marché!”

Ele olhou para os lados, parecendo entediado.

Algumas pessoas passavam e davam uma risadinha, apreciando a cena.

Virei-me e continuei a andar. Dei uma olhada para trás. Lá estava o cachorro, caminhando ao meu lado. Coloquei a mão no peito e fui para o lado.

- Até você? Inferno!

Parei novamente e dessa vez ele ficou na minha frente.

Bati palmas.

- Sai! Não me segue, peste!

Ele deu um latido e se aproximou de mim. O cachorro era de um preto forte, escuro para valer. Inclinei-me e o empurrei pela barriga.

- Fora! O único cachorro que amei era o Billy. Vai, tchau!

Ele me olhou com um olhar triste e inclinou a cabeça. Apontei para ele.

- Chantagem não funciona comigo, amigão. – Tentei passar por ele correndo, mas ele era rápido e me alcançou rapidamente. Parei e bufei. – Tá, desisto. Quer me seguir? Siga. – Chacoalhei os ombros. – Nem ligo.

Cheguei no meu objetivo com o desgraçado no meu pé. Entrei no mercado e vi que era Letícia que estava atendendo.

Passei pelo caixa e ela ia reclamar do cachorro, mas fechou a boca quando viu que ele “estava comigo”.

Caminhei até a sessão de queijos e outros derivados de animais e procurei os ovos.

Fui passando o dedo no vidro onde os queijos estavam indefesos e postos de uma forma sexy. Quando o vidro acabou e eu quase capotei no chão, observei os ovos na minha frente.

Peguei a caixa e a abri na maior cara de pau do mundo. Observei se os ovos estavam bons e até os apertei, para ver se estavam moles.

Quando eu vi que estava tudo bem, olhei para o cachorro ao meu lado. Ele estava sentadinho, me observando.

Inclinei a cabeça.

- Já que não tem nada para fazer, segura aqui. – Eu estiquei a caixa para ele. Ele deixou que ela caísse no meio de suas patas negras e deitou em cima da caixa, como se fosse algo importante.

Peguei as outras duas caixas e me encaminhei para o caixa. Atrás de mim, o dogue estava com a caixa na boca, com uma expressão feliz. Ri baixinho.

Quando chegou a minha vez, coloquei as caixas no balcão e cacei o dinheiro dentro do meu sutiã. Enquanto eu estava distraída, procurando a grana, eu quase tive um infarto.

O dogue, como se fosse a coisa mais normal do mundo, simplesmente se ergueu e ficou nas duas patas traseiras. Ele apoiou as patinhas dianteiras no balcão e ficou poucos centímetros maior do que eu.

Eu, Letícia e alguns clientes levamos um susto tão grande, que demos um pulo fenomenal. Ela caiu da cadeira e eu fui para o chão por instinto. Os clientes se afastaram.

O cachorro colocou a caixa de ovos em cima do balcão e começou a abanar o rabo, feliz.

Encarei Letícia, que já estava em pé, me olhando, cética.

- Se não quiser morrer, me dá uns chocolate de graça. – Eu sorri.

*

Aquele cachorro negro é definitivamente um pé no saco.

Ele me seguiu o caminho inteiro. Nada, absolutamente nada, o distraía. Eu sei que eu sou linda, só que isso é de mais.

Trezentos mil gatos passaram por ele, e nada. Um carro saiu da garagem na nossa frente, nada.

Estávamos perto de casa quando eu decidi assustá-lo.

Virei-me rapidamente e gritei:

- AAAAH!

Mas ele somente me deu uma lambida discreta no queixo.

Suspirei com dificuldade.

- Que merda, cara. – Bati minhas mãos na coxa. – Você é jovem! O que você poderia estar fazendo agora? Vivendo sua vida, arranjando aventuras, mordendo o saco de muitos caras da carrocinha, tipo aqueles filmes onde o personagem principal é o cachorro, sabe? Poderia estar procriando nesse exato momento, tendo sua família. Uma dálmata bonitinha de alta-classe. Mas não, o que você está fazendo? Seguindo uma humana chata e sedentária que nem eu.

Colocaram a mão no meu ombro.

Eu me virei, assustada.

Pedro estava contendo uma risada, enquanto Derek e Rodrigo davam boas gargalhadas.

- Kat-Kat, você é maluca! – Derek gritou enquanto enxugava os olhos.

Só aí eu percebi que os três estavam jogando futebol, com um gol improvisado, o quintal de Pedro.

Derek e Pedro estavam sem camisa, com um short de praia. Pedro estava de óculos. Rodrigo era o mais normal dali. Usava calça e uma camisa azul-celeste.

Pisquei.

- Apenas estou conversando com um cachorro. – Eu gritei para Derek. – Você não conversa com cachorros?

Ele balançou a cabeça em negativa.

Revirei os olhos.

- Katrina, pergunta: por que você está passeando por aí com um dogue alemão? – Pedro me perguntou. Ele observou o cachorro por alguns instantes. – Que está sem uma orelha?

Pisquei.

- Não estou passeando com ele. O infeliz somente está me seguindo para cima e para baixo. Tentei espantá-lo, mas ele é persistente que nem uma cabra.

Ele sorriu.

- Ele deve ter gostado do seu cabelo. Animais amam o seu cabelo.

Assenti.

- Deve ser isso. Ou macumba, mesmo.

O contornei e entrei no meu quintal.

O maldito se sentou do meu ladinho, no tapete de entrada. O encarei.

- Fora. – Eu disse duramente.

O cachorro me olhou com melancolia. Ele começou a latir e eu fiquei chocada. Ele inclinou a cabeça para trás e começou a uivar.

Lei da vida: quando tem um cachorro latindo, é óbvio que mais cachorros vão começar a latir.

E assim começou a orquestra do diabo, onde o desgraçado ao meu lado era o maestro.

Tapei a cara, descrente.

Abri a porta e o cachorro parou de uivar. O encarei.

- Nem brinca. – Resmunguei.

Fechei a porta. Ele inclinou a cabeça e começou de novo. Abri a porta. Silêncio. Fechei a porta. Latido. Abri a porta. Silêncio.

Eu fiz isso umas trezentas vezes. Era bem legal. Toda a minha diversão acabou quando minha mãe escancarou a porta e eu fui para trás quando eu a vi.

Creme de pepino no rosto. Isso assusta.

- Pode parar com essa porcaria! – Ela berrou.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Apontei para o cachorro.

- Culpa dele.

Au.

*

E foi assim que Marcela e Camila viram o cachorro. Fim.

Elas o atentaram e ele correu e subiu em cima do meu sofá e começou a lamber o rosto de Marcela.

Ela o abraçou e me olhou.

- Onde o encontrou? Ele é enorme!

Bufei.

- Ele me seguiu o caminho inteiro.

Coloquei a caixa de ovos no chão.

Mamãe já havia limpado o rosto quando se sentou ao lado dele. Todo mundo, isso mesmo, todo mundo começou a abraçá-lo.

Eles olharam para mim.

- Podemos ficar com ele?

Fechei a cara.

- Não.

- Por favor! - Imploraram.

- Ele vai cagar no meu sofá! - Eu berrei apontando para o pestinha, que no caso, estava com cara de Santo.

- Não vai, não! – Marcela chorou. - Olha a carinha dele, Katrina. Não tem coragem nem de machucar uma mosca!

Bufei e relaxei os ombros.

- Minha opinião não vai mudar nada, então tá, né.

Eles abriram um sorriso e o abraçaram com força, enquanto ele balançava o rabinho, feliz.

Sentei-me na pontinha do sofá e observei enquanto Camila assediava o coitado.

- Qual vai ser o nome dele? – Ela perguntou.

Mamãe me encarou.

- Katrina o encontrou, Katrina decide.

Pensei por um instante.

- Cu.

- Katrina... Leve isso a sério. – Mamãe riu e me deu um tapinha na cabeça.

Ri e pensei por um instante.

- Hércules. – Eu sorri.

Eles arregalaram os olhos e fizeram uma expressão de surpresa.

- Desde quanto você tem nomes tão bons na cabeça? – Isadora quis saber.

Ri baixinho.

- É só para deixar claro que ele precisa da sorte de Hércules para nos aguentar.

Ou talvez mais.