Garota-Gelo

Não Me Deixe Arrumar Sua Privada


Acordei com um barulho na porta.

Eu estava de bruços na cama, então tive que virar para encarar a pessoa. Há princípio, vi somente um borrão, mas eu esfreguei os olhos e pude detectar cabelos louros e encaracolados na minha frente.

- O que quer, mãe? – Eu resmunguei.

- Bom dia, meu docinho... Fiz torta de chocolate com avelã para você. – Ela disse em um tom altamente falso.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Estreitei os olhos.

- Não tenho grana.

Ela bufou.

- A privada entupiu. Vá lá e conserta.

Ela saiu do quarto e desceu a escada normalmente.

- Isso é uma potaria com a minha cara, vadia. – Eu murmurei.

*

Depois que eu arrumei aquela merda – literalmente –, subi para o meu quarto para me trocar. Eu estava com o meu humor no máximo, o que é estranhamente raro e anormal.

Vesti o uniforme e prendi o cabelo em uma trança sobre o ombro esquerdo. Deixei a franja paralelamente com a trança e me encarei.

Eu estava com cara de boa moça. Sorri e lancei minhas mãos para a cintura.

- Hora de enganar velhinhos, crianças e gente inocente. – Eu ri.

Ouvi um grito horrível lá em baixo. Eu arregalei os olhos.

Mamãe e Isadora começaram a berrar. Camila gritou.

- SOCORRO! – Elas gritaram.

Animei-me.

- Ladrões?

Peguei minha bolsa que estava no chão e desci a escada correndo, para dar um chute no ladrão, mas era apenas... Ai, caramba.

Mamãe, Marcela e Isadora estavam todas marrons. Camila tampou a boca e se escondeu debaixo das almofadas.

Lancei minhas mãos para cintura.

- Diz que isso aí é barro.

- Você sabe que não. – Mamãe grunhiu.

Comecei a dar risada. Apoiei-me nos joelhos e não conseguia parar de rir.

- Agora... Toda a vez que alguém me disser: “vá para a merda!”, eu toco em alguma de vocês, tá certo? – Eu ri.

As três me olharam, furiosas.

- Não quer vir para a merda você também, Katrina? – Me disse Marcela.

Tudo perdeu a graça.

- Não... Vocês... Não fariam isso comigo...

Mas antes de eu tentar me defender, as três avançaram em mim.

Eu gritei e subi a escada. Corri pelo corredor e entrei no quarto da mamãe, onde tinha uma janela que dava para a rua. Não pensei.

A abri e me joguei de lá de cima. Caí no quintal, quase dentro da piscina. Corri para fora, ainda ouvindo os gritos de ódio e outras coisas das moças. Eu ri e saí correndo em direção a minha escola.

Mas tá aí, nunca me deixe arrumar a sua privada. É perigoso.

*

Cheguei à escola mais feliz impossível. É raro me ver assim. Quando me ver feliz, aproveite e me dê um chute nas costelas, eu sei que mereço.

Assim que pisei no pátio externo, fui abordada por Otávio. Ele estava alegre. Sorri.

- O que foi, meu jovem preferido?

Ele olhou para os lados.

- Você está sabendo que entrou uma menina nova na escola, né?

Balancei a cabeça em negativa.

- Bom... Eu acho que gosto dela.

Arregalei os olhos.

- Você está me traindo? – Gritei.

Ele tapou minha boca.

- Não seja idiota! Nunca tivemos nada.

Estreitei os olhos.

- E aquela briga de dois minutos, foi o quê? Você vai deixar nossos momentos felizes para trás e vai me largar por uma qualquer?

Ele revirou os olhos.

- Eu tenho vergonha de entregar uma carta que eu fiz para ela, então... A entregue para mim.

Ele colocou uma cartinha cheia de coraçõezinhos em minhas mãos. Eu tive vontade de rasgá-la.

- Depois eu que sou a sem coração da estória. – Resmunguei.

Ele me pegou pelos ombros e me virou.

- Ela é aquela ali... – Ele sussurrou.

Eu observei com atenção a... Pessoa.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

A menina – querendo eu ou não – combinava com ele. Ela era gordinha, cabelo preto e usava uma roupa decente. Encarei Otávio.

- Só deixo porque gostei dela. Quero ser a madrinha. Mandarei uma calibre 37 cm para você de presente.

Ele riu e me empurrou.

Eu marchei até ela com a cartinha na minha frente.

A letra do Otávio era redondinha. – O bullying começa aí.

Quando eu estava quase a cutucando, alguém me pegou pelos pulsos e me ergueu. Eu andei no nada. Virei a cabeça e encarei um Pedro que parecia estar muito puto. O olho esquerdo dele estava roxo, seu pescoço estava rosa-arroxeado e sua boca estava cortada.

- Oi. – Eu sorri.

Ele conseguiu dar um sorriso.

- Para onde você vai com essa carta? É de amor? É para quem?

Arregalei os olhos.

- Calma aí, cowboy. É do Otávio... Ele quer que eu a entregue para essa menina aqui na frente. – Eu apontei com o pé para ela.

Ele me colocou no chão e me largou.

- Ah. – Pedro tirou um pirulito do bolso e o colocou na boca. Ele parecia nervoso.

- Nossa. Quando eu estou de bom-humor, o pessoal está nervoso. Será macumba? Bom, nunca saberemos.

Cutuquei a menina e ela se virou para mim.

Ela tinha o dobro do meu tamanho, tinha umas bochechas enormes e parecia sempre estar sorrindo. Estiquei a carta.

- É daquele gordinho charmoso ali. – Eu apontei para o Otávio, que estava parado, envergonhado. – Leia com atenção... Se você não aceitar, te quebro na saída.

Virei-me e andei até Otávio. Pedro veio atrás.

- Mission successfully completed. – Eu sorri.

Ele riu.

- Te devo uma, Katrina.

Fiz um aceno com a cabeça para ele. Virei-me para Pedro.

- O que houve? Está parecendo um marshmellow. Todo roxo e rosa.

Ele olhou para os lados.

- Briga de rua.

Ri.

- Você e a sua gangue perderam? – Fiz aspas no ar quando citei sua gangue.

Ele sorriu e me deu um peteleco na testa.

- Ganhamos, cobra.

Sorri.

- Eu queria te ver detonado, cortado e esquartejado. – Eu sussurrei.

Ela abriu um sorriso e se aproximou de mim.

- Acho que sabe que você é a única que pode fazer isso comigo, não sabe? – Ele pegou minha trança e enrolou os fios soltos.

Eu ri.

- Sim, eu sei.

Ele sorriu.

Pedro ia dizer alguma coisa, mas eu o interrompi.

- Cadê a fantasia de leãozinho?

*

Cheguei à sala atrasada.

O professor de pinto pequeno, o de matemática, me olhou com severidade.

- Senhorita Dias, a senhorita está atrasada.

- O senhor disse “senhorita” duas vezes. Eu estou atrasada porque... Tive uns baguios para resolver.

Ele riu.

- Você teve uns “baguios” para resolver? Entra logo, arroto de Fanta. – Ele voltou a escrever na lousa.

Abri a boca.

- Arroto de Fanta. Poxa, essa magoou. – Eu fechei a porta atrás de mim e andei até o meu lugar.

Ele começou a explicar umas coisas do diabo.

Ah, matemática para mim é dois mais dois, o resto é falta de porrada.

Quando o sinal da segunda aula bateu, o professor nos avisou pela quadragésima vez sobre a bosta do trabalho. Bateram na porta.

Ele foi até ela e a abriu. Marcela estava ali, mais brava do que nunca.

Eu ri.

- Marcela, por que chegou atrasada? – O professor sorriu.

Ela olhou para ele, totalmente raivosa.

- Não te interessa.

E entrou marchando na sala. Ela bufou uma última vez para mim e se sentou no seu lugar.

Comecei a dar risada. Enfiei-me nos braços.

- Katrina, sabe por que a Marcela está brava hoje? – O professor perguntou.

Levantei a cabeça, ainda rindo.

- Ela... – Eu respirei. – Ela foi para a merda.

E comecei a gargalhar de novo.

*

No intervalo, Marcela se sentou longe de mim. Eu respirei, aliviada.

Espreguicei-me e comi sossegada o prato de macarrão com molho branco.

Pedro se sentou ao meu lado, comendo uma manga.

O encarei.

- Não quero que sente aqui.

Ele riu.

- Vou me sentar ao seu lado porque eu estou nervoso. Se você estiver perto, acho que não conseguirei fazer alguma besteira.

Tossi.

- Mas é aí que você tem que fazer algo, mesmo. Vou ficar feliz se você socar alguém.

Ele riu.

Pedro ia dizer algo, mas foi interrompido por uma bolinha de papel. Ele a amaçou mais ainda e eu pude ver seu maxilar se contrair. Ele pousou o olhar em um garotinho. Ele estava acenando, alegre.

Pedro bufou.

- Desgraçado. Agora... – Ele se virou para mim. – Fiquei aqui. Tenho algo para te dizer.

Ele se levantou e caminhou até o garotinho.

Virei-me para o prato. O comi por inteiro e o empurrei para longe.

Espreguicei-me e olhei as horas. Faltavam dez minutos para bater o sinal.

Alguém me agarrou pelo pescoço. Olhei para cima, assustada. Marcela estava esfregando seu rosto no meu cabelo.

- Katrina... Sentiu saudade?

- Ah... Droga. Pensei que tinha me livrado de você. O que quer? E, aliás, tomou um banho para se esfregar assim em mim?

- Claro que tomei um banho. Eu vim aqui para um acordo de reconciliação. Voltamos a ser amigas, certo?

- Nunca fomos.

- Aceito isso como um sim.

Bufei e revirei os olhos.

- Katrina, vem comigo ao banheiro? Preciso trocar o absorvente.

Ri.

- Vá sozinha.

Ela me puxou pelo braço e eu quase caí do banco. Levantei-me com certa dificuldade e fui levada por ela até o banheiro.

Fiquei esperando por ela pelo lado de fora da cabine. Depois de alguns segundos, ela saiu sorridente lá de dentro.

Marcela lavou as mãos e nós duas saímos do banheiro.

Quando eu cheguei lá, tomei um susto.

Jonas estava parado, olhando as unhas. Quando me viu, abriu um sorriso.

- Katrina, preciso conversar com você! – Ele disse.

Fui para trás.

O rosto dele ainda estava inchado e vermelho.

- Quer apanhar de novo? – Eu disse.

Ele sorriu.

Jonas andou na minha direção e pegou minhas mãos.

- Não estou interessada em você, flor. Eu sou gay.

Eita. Essa foi direta.

- Então por que tentou me beijar? – O olhei desconfiada.

Ele riu.

- Ah, só para ver se aquele pão realmente... – Mas ele foi interrompido pela mão de Marcela, que voou em sua boca.

- Se realmente é tão bom de luta como dizem, certo? – Ela riu meio debilmente.

Ele levantou as sobrancelhas e assentiu.

- Sabe, eu sou gay e masoquista... Então adorei aquela surra. – Ele agitou as minhas mãos. – Katrina, estou disposto a ser seu amigo, você despertou algo em mim!

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ai, sério. Alguém lá em cima não gosta muito de mim.