Give Me Love – Novatos

Capítulo 15 – Alabama – AGORA


O voo para Lincoln, Alabama, dura pouco mais de duas horas. Sinto-me enclausurada dentro de um avião. Esconder minhas asas da visão humana sempre é um esforço, mas parece ser fácil quando minha mente não gira em volta disso. Agora, presa numa poltrona razoavelmente confortável, com pessoas razoavelmente arrogantes e crianças razoavelmente hiperativas, só o que quero é sair voando por conta própria. Agir como um humano qualquer exige de mim toda a pouca capacidade de atuação que herdei. Isso ao menos desvia minha atenção do nome latente que chega em meu cérebro junto com o oxigênio. É impossível deixar de pensar no que Conselheiro fará com Henry caso o encontre. E eu sei que ele vai procurar. Caroline Matters. Quem é essa mulher? Talvez uma amiga de Gaia, mas eu não sabia que havia outros anjos no plano terrestre além dos cupidos. E Gaia não me deixaria aos cuidados de uma humana, não uma qualquer. De qualquer jeito, se o ruivo está disposto a cumprir sua promessa, eu estou disposta a não pensar mais nele. Não por enquanto.Vingarei Laura, serei um cupido perfeito com seus devidos méritos. Mas assim que meus deveres estiverem em dia, se eu estiver viva, e espero estar, reverterei a situação de Henry. Entregarei Céu e Terra para que ele possa amar novamente.

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O aeroporto não está cheio e há uma certa dificuldade para pousar por conta da tempestade. Meu destino, no entanto, não é Lincoln. Preciso chegar a Oneonta. A chuva ricocheteia em meu rosto. Algumas gotas d’água são interceptadas por meu cachecol quando alcançam o pescoço. Estou acenando para os táxis que passam. Aparentemente todos já têm passageiros; em meio a esse clima tempestuoso ninguém perde tempo. Exceto por um, que para em frente a minha mão erguida. Um garoto loiro, alto e bastante forte – não posso deixar de pensar que ele parece certo demais, o oposto de Henry – sai de dentro do carro amarelo e me ajuda a colocar as bagagens no banco de trás antes de abrir a porta da frente para mim e voltar para seu lugar. “Obrigada. Sinto muito por encharcar o banco. Estou indo para Oneonta.” Murmuro. Ele me entrega uma toalha de rosto. Não é de grande ajuda, mas ao menos posso secar meus cabelos que não param de pingar. “Ultimamente todos os passageiros têm estado encharcados. Não se desculpe. E fico grato ao destino por você estar indo para Oneonta, moro lá. Estava esperando a deixa para voltar para casa. Chega de trabalho por hoje.” Ele abre um sorriso branco, perfeito. Assim como eu, está coberto por no mínimo umas três camadas de agasalho.

“Sou Igor. Você…?” Ele começa uma conversa enquanto usa outra toalha para desembaçar o para-brisa. “Harriet. Moro em NY, estou aqui para visitar alguns amigos.” Ele assente ao ouvir a resposta. “Você parece muito novo para dirigir um táxi.” Meu comentário abre um sorrisinho no rosto do garoto. “Hm, eu tenho dezessete, não sou assim tão novo. Acontece que eu costumo substituir meu pai às vezes e ganho um pouco por isso.” “Não acho que exista muito com o que gastar em Oneonta.” Retruco. Ele arrisca uma risada. “Estou economizando algum dinheiro para me mudar. Cidade pequena, todo mundo sabe da vida de todo mundo. Eu não gosto disso.” “Nem eu.” Respondo. Para um disfarce humano, viver numa cidade onde tudo vira notícia é uma péssima ideia.

O caminho não é longo e eu nem me preocupo em contar o tempo. A tempestade cessou, mas a ventania bate com força no vidro. Imagino se Gaia está esperando na entrada da cidade. Não me deram informação nenhuma, apenas me enfiaram num avião e disseram o nome da cidade onde eu encontraria o primeiro cupido. Também não disseram quantos são. Dentro do táxi ecoa a música “Wannabe” das Spice Girls, uma das músicas top 10 da rádio local. Já está anoitecendo, afinal, quando consegui parar um táxi já passavam das cinco. “Está com fome?” Ele pergunta. Bem, na realidade não, mas imagino que ele esteja, então faço que sim com a cabeça. Paramos em frente a um hotel à beira da estrada, que conta com uma lanchonete rústica, provavelmente mal frequentada, de iluminação precária. Aconchegante.

Tateio meus bolsos em busca da carteira assim que saio do carro e logo me lembro da recomendação de Gaia. “Você é um anjo, mas precisa de dinheiro quando o assunto é viver num mundo humano. Não perca.” Por isso eu parei de guardar dinheiro em bolsos, perco tudo com muita facilidade. “Pode abrir aqui? Preciso pegar uma coisa dentro da mala.” Peço para Igor, parada na frente da porta de trás. Ele pisca para mim e, com um clique, o carro destrava. Abaixo-me, metade do corpo para fora do automóvel, e começo a vasculhar minhas coisas em busca da carteira de couro. É quando eu vejo um artefato de madeira bem polida, caído atrás do banco do motorista.

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Um arco. Exatamente como o meu. Bem, talvez um pouco maior, para se acomodar ao corpo robusto do loiro. Desvio minha atenção de volta para a bagagem e tomo para mim a pequena bolsinha carteiro. Entro na lanchonete e Igor já está fazendo seu pedido, sentado numa das últimas mesas, exatamente como Henry fazia. Caminho até ele com um sorriso já não tão genuíno. “O que vai comer?” Pergunta, passando o cardápio. “Qualquer coisa muito gordurosa. O que sugere?” Dirijo-me ao garçom mal-encarado parado ao lado da mesa enquanto me sento no banco vermelho estofado. “O especial da casa com bacon e picles vai fazer seu colesterou gritar chega!” O homem finalmente ri, eu também. “Então é isso. E soda.” Respondo e ele anota antes de se afastar.

“Você caça?” Volto a olhar para Igor. Sua franja é engraçada, frisada pela chuva. Nunca me importei com isso, mas imagino como devam estar meus cabelos loiros e rebeldes nesse momento. Ele parece incomodado com a pergunta e me olha com ar de interrogação. Não preciso de uma pergunta para responder à sua dúvida. “Eu vi o arco dentro do carro.” “Ah, sim, claro. Quero dizer, não, eu não caço, mas é, eu sei de que arco você está falando.” Ele se atrapalha ao responder, ainda não disse o que quero ouvir. “É para alguém, eu faço coisas de madeira.” Mentiroso, penso. “Parece um arco perfeito para você.” Afirmo. “O que você entende de arcos, novaiorquina?” O sarcasmo curva suas sobrancelhas. Sinto-me desafiada, mas não quero que ele saiba.

“Para começar, eu nasci em Oklahoma.” Respondo, citando a cidade rural de onde eu nunca nem vi fotos, mas que Gaia introduziu em minha nova identidade. “E, bem, eu não entendo muita coisa sobre arco-e-flecha, mas, se você entende, sabe que aquele arco tem o tamanho certo para o seu corpo.” “Hm, é, pode ser.” Abaixa o rosto, contrariado. “Vou voltar à primeira pergunta. Você caça?” Deixo que meu tom de voz assuma a postura tão desinteressada quanto possível. Ele ri. “É uma caça meio diferente, mas, sim, eu caço.”

É só o que preciso ouvir. Não pergunto o significado da caça diferente. Considero um golpe de sorte que o primeiro cupido seja tão, añh, agradável, mas essa ideia logo muda. Ele é um cara legal o suficiente para que eu lamente seu destino.