Dreah

Nossa árdua jornada estava sendo... Árdua. Não tivemos tempo para qualquer coisa antes de continuarmos. Assim, meus machucados ainda doíam – muito – enquanto eu andava. Tudo doía enquanto eu andava. Porém, eu não reclamava – à muito custo - ou deixava afetar-me.

O único problema, ou melhor, o problema maior, que enlouquecia-me aos poucos e enchia-me a paciência, eram Layla e Jenny. Não que eu não gostasse delas. Elas é que estavam com problemas para gostarem uma da outra.

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– Por que você não fica quieta, apenas um momento, para eu poder ouvir meus pensamentos? Isso afeta demais a minha beleza.

– Que beleza?

– Olha, eu sei que você claramente não se importa com isso, então deixe para quem pode.

E lá vamos nós de novo pensei, a cada passo mais desconfortável. No início, eu fora alvo das provocações. Jenny gostava de brincar com minhas habilidades de luta e quando eu gemi de dor ao levantar da cama. Ela parou quando devolvia provocação com um pouco de ironia leve.

É, querida, não adianta, eu sou a rainha das provocações e mestre na arte da ironia e sarcasmo.

Porém, percebi que Layla não possuía esse balanceamento. Ela respondia também com maldade, e a briguinha intimidava-me. Quase acuava. Eu sei. Dreah, a valentona, que não se importa com nada, acuada? HAHAHA. Minhas emoções mudam com as fases da lua. Talvez eu mudasse no dia seguinte. Não tenho controle. E brigas da qual eu não participo me irritam.

A missão não andaria se isso continuasse.

Meus pensamentos foram interrompidos por um arfar. Olhando para cima, notei que ficara para trás. A orla da praia ficava sombria e o mar de um azul escuro. A areia esfriava.

O motivo do barulho: Jenny, com seu jeito, bem, vocês entendem, pegara o espelho de Layla e esta se lançara sobre ela para recuperá-lo. As duas grunhiam e se xingavam, quase caindo ao chão.

Aquilo precisava parar.

Layla conseguiu recuperar o espelho e, com um golpe, derrubou Jenny. A loira irou-se, as bochechas vermelhas de ódio e um desafio no olhar. Antes que eu impedisse, Jenny levantou-se e invocou uma onda enorme do oceano. Eu sabia que o ataque seria pouco efetivo contra um ser da água, mas Jenny atacava por instinto e usava seus poderes para isso. A onda focava diretamente em Layla.

É agora. E suspirei.

Invoquei os poderes do amuleto. O ar estalou com energia. Entre as duas, formou-se pequenos raios violetas. A energia espalhou-se pelo chão e voltou-se para a formação da água, tão forte que dissipou a onda em um segundo.

As duas olharam para mim, surpresas demais para falar. Preparada para não perder a oportunidade, porque senão daria tempo delas brigarem comigo, e isso seria desastroso, eu teria chance de perder a briga, o que seria muito chato. Eu não queria perder uma briga. Jenny podia usar a água contra mim e Layla era uma ótima lutadora. De modo que, talvez, eu não conseguisse prestar atenção nas duas e lutar com ambas ao mesmo tempo. Porém, se Layla viesse primeiro, eu desviaria e enviaria rajadas à Jenny, se ela não escudasse eu teria uma adversária impotente por alguns segundos, e então...

Ah, a oportunidade.

– Certo, isso já está demais! – Clamei – Não podemos continuar desse jeito, ou causaremos um verdadeiro desastre. Se não perceberam, estamos em uma missão, e somos uma equipe. Se falharmos, não seremos nós que sofreremos as consequências.

– Quem é você para... – É necessário dizer de quem foi a tentativa de provocação? Acho que não.

– Importando para vocês, ou não, muitas pessoas estão morrendo e muitas ainda morrerão – Cerrei os olhos em direção à Jenny – E isso vai muito além de seus mundos. Se continuarem com isso, não posso garantir o sucesso da missão. Somos uma equipe e vamos agir como uma!

As garotas permaneceram atônitas. Pensei que partiriam para a briga, porém relaxaram os ombros e isso aliviou a tensão.

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– Tem razão Dreah – Layla suspirou – Desculpem. Eu não devia agir desse modo tão fútil. Temos uma missão em que focar. E desculpe-me pelas ofensas, Jenny.

Ambas olhamos para Jenny, na expectativa.

– Certo, perdoem-me também – ela cedeu – Eu sei que não facilito as coisas. É que isso é difícil para mim. Eu não sou muito boa em arranjar amigos ou fazer as pessoas gostarem de mim. Vou melhorar, prometo. E desculpe-me pelo espelho, Layla.

Ah, graças à velha e boa e linda e ótima e incrível Harmonia. Agora, o próximo passo.

– Ótimo, estamos todas bem e perdoadas agora. Vamos nos abraçar carinhosamente para selar o acordo de amizade e companheirismo. Certo, assim está bem, não precisa tocar. Agora, o sol está se pondo, a temperatura está baixando. Vamos acender uma fogueira e comer. Também aproveitemos para conhecer-nos umas às outras. Contar nossas histórias de vida de como tornamo-nos essas lindas guerreiras.

Nos pusemos a montar a fogueira e os espaços para dormir. Quando Nix chegou, nós nos ajeitamos em cada lado das brasas, hipnotizadas com o calor das chamas bruxuleantes. Arrumei-me na manta um pouco melhor.

– Serei a primeira a falar – Layla anunciou – Minha história começa com os conflitos dos seres do mar. Os povos aquáticos são muito territoriais, sempre disputando por terras e territórios. Há muitos conflitos por causa disso, e assim é normal qualquer sereia ou tritão ou nereida ou o que for saber se virar na luta ou na arte da cura aquática. Minha mãe começou a treinar desde pequena, e assim entrou para a guarda especial do deus Poseindon, assim como sua mãe e sua avó e bisavó. Portanto, iniciei o treinamento muito cedo, e comecei magia para poder ir à terra e lutar à pé. É por esse motivo que eu consigo lutar aqui e fazer curativos.

“Eu entrei para o exército de Poseidon com quatorze anos e há dois ingressei para a guarda especial, junto de minha mãe. Meu irmão morreu nesse conflito. Há duas semanas recebi a missão de que participamos agora. Passei por muitas áreas de guerra, onde o mar revolto não descansa por semanas e toda a vida fugiu. Nesse momento, minha família inteira está lutando no oceano, e eu não sei o que está acontecendo ou quantos deles vou perder.”

Ela suspirou e arrumou o cabelo negro – que não precisava ser arrumado – e mordeu o lábio cheio e perfeito. Jenny quebrou a tensão e o silêncio:

– Muito lindo, obrigada por compartilhar Laylinha querida. Agora, quem é o próximo? Ah, você – ela apontou para mim – Você enrolada na manta. Diga seu nome e compartilhe sua história.

– Hmm, sou Dreah, e não recordo muito bem. Perdoem a minha memória. Eu morava em um vilarejo próximo de Atenas, com minha mãe, meu pai e meu irmão recém-nascido. Eu era uma criança escrava*. Um belo dia belo, eu tinha uns quatro ou cinco anos, os persas que estavam à caminho de Atenas instalaram-se nas redondezas, arrasando e saqueando tudo o que viam no caminho. A maior parte da população de onde eu vivia morreu. Passei a ser criança de rua, juntamente com outras. Nós ficamos escondidos por um tempo, então corremos para Atenas em busca de proteção e abrigo. Lá eu encontrei Ariella , e nós formamos uma parceria. Sabíamos dos segredos uma da outra. Mas, não havia muito o que fazer em Atenas, ela havia sido atacada e estava cercada. Esperamos ainda alguns dias nas redondezas e vimos chegar um regimento de Circe. Valentina encontrou-nos, foi amor à primeira vista, ela nos levou à Ilha, blá blá blá, fizemos vários amiguinhos e aprendemos Matemática. Atualmente, sou praticante em poções, a magia pura.

Jenny empertigou-se:

– O que quer dizer “praticante”, especificamente?

– É o meu nível. Iniciante, Dominador, Praticante, Especialista, Ancião. Não existe muitos anciões.

Ela aquiesceu e eu continuei.

– Agora é a sua vez, amiguinha loira.

Jennyca limpou a garganta. Perdi-me num momento observando a fogueira, uma vez mais, sentindo-me cansada. Laylinha cantarolou uma canção baixinho e parou quando a voz de Jenny rodopiou no ar.

– Venho de várias gerações de mestres elementalistas, porém só o descobri quando meu pai morreu pelo veneno de uma cobra. Minha mãe não conseguia mais me criar, meu tio e meu avô não me queriam, então meu primo terminou minha educação e me ensinou a dominação de água. Quando cresci o suficiente, saí da casa que conhecia, à procura de um lar. – Ela suspirou e baixou o olhar – Estou à procura de alguma coisa, sempre sinto que há um lugar para mim, apenas não sei onde. Fiz amigos aqui ali, porém nunca aprofundei-me o suficiente para ficar, ou para confiar. Não sei se o que busco é amor ou ouro, mas tento até encontrar.

Janica – que apelidinho infame – a buscadora.

– Torço para encontre o que procura – Orou Layla, em um gesto gentil depois da briga.

Aliviada que os ânimos não estavam mais exaltadas, deixei-me cair sobre o tecido da manta. Sentia que arranjava duas ótimas novas amigas para o círculo de pessoas de quem eu gostava e ficava feliz por isso, como uma criança aproveitando o brinquedo que acabara de ganhar. Ainda tínhamos muito que nos conhecer, porém já compartilhávamos partes importantes de nossas vidas.

– Não sei vocês, mas estou exausta – disse Layla – Dreah, querida, suas ataduras precisam ser trocadas?

– Não, obrigada.

Mais um suspirou.

– Então, é isso? Agora somos companheiras? – Jenny lançou a sonolenta questão. Ela estava deitada em uma posição de modo que ficasse de frente à fogueira.

– Sim, penso que sim – respondi – E amanhã vamos brincar juntas de andar até morrer.

– Estou realmente animada.

Layla recomeçou a canção monótona. Reconheci a melodia familiar da nómos** utilizada à Ártemis, a deusa caçadora da Lua e a acompanhei. Minha voz não tinha uma entonação muito bonita, e eu sabia disso. Mas não havia importância. Logo Jane juntou-se a nós com sua voz fluída e poderosa como a água.

As notas eram-me tão naturais, a música espiralava entre nós, e então estava perdida entre as chamas da fogueira, morrendo e se perdendo no ar...