Leecher

Acordei com a sensação de que havia um peso em meu peito e eu não conseguia respirar. Tentei abrir os olhos, mas não consegui. Esforcei-me para me mexer, no entanto, isso se provou inútil. Eu não podia mover um músculo e estava ficando cada vez mais sufocado.

O que está havendo? Eu quero levantar! Eu quero respirar. Tártaro, acorda! Acorda!

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Forcei minhas mãos a agirem. Mas o que está acontecendo? Por que não consigo me mexer?

Eu já sentia que estava desistindo, a consciência fugindo com evidente desespero e eu me agarrava à necessidade de respirar com unhas e dentes, mas já não havia nada...

Ariella...

De repente, algo quente tocou meu tórax e eu despertei novamente, abrindo os olhos para a luz. Meu tronco ergueu-se como que por vontade própria e eu inspirei e expirei rapidamente, repetidas vezes. Por um momento, esqueci onde estava ou quem estava comigo, porém, ao ver aquela cachoeira de cachos dourados quase em meu rosto, compreendi tudo.

– O que... O que... – arfei.

Ariella tirou as mãos cálidas de meus ombros. Com uma afastou meus cabelos da face e com outra checou a temperatura de minha testa.

– Havia um demônio no seu peito.

– O q... Co... anh?

– Um demônio do sono. Eles nos atacam à noite para nos atormentar, invadem nossos sonhos e nos impedem de acordar.

– Como sabe disso? – Perguntei, agora mais calmo.

– Uma colega no dormitório é necromante, esse tipo de magia atrai muitos demônios do sono, por isso sempre tomamos cuidado.

Olhei para a face inexpressiva, as feições joviais e os olhos azuis gelados. Desde que chegamos a Esparta, Ariella manteve o mesmo humor passivo e sem reação. Entretanto, ela estava determinada, e pensar isso era mais uma prova de que estávamos num melhor entrosamento.

Aqueles dois dias na caverna serviram para me acalmar, e agora, Ari e eu já cooperávamos mais. Não sei explicar o que aconteceu. Pensei que, ao quase morrer de hemorragia e ela ter salvado a minha vida – e a dela –, mesmo com toda a história de que éramos inimigos, não poderia negar o fato e a necessidade de que tínhamos de trabalhar juntos. Então cedi um pouco na minha resistência de estar ao seu lado.

– Obrigada – agradeci, com sinceridade. Aquilo era estranho demais, mas já sentia-me melhor, o pesadelo esquecido. Enumerei as lembranças, para situá-las: Costelas quebradas na caverna, recuperação durante dois dias, invasão de Esparta pela entrada do rio e a ocupação da casa de campo de um perieco, um estrangeiro livre. Acordei aqui. Ou melhor, acordamos. Ou não. Ariella ajeitou a túnica longa no corpo, que descia até os joelhos, e o cinto trançado que usava para esconder a pequena faca. A veste caía-lhe bem. Conseguimos roupas melhores depois que entramos na cidade.

– De nada.

Passos aproximaram-se no corredor. Ariella adiantou-se e puxou os panos que serviam como cortina, virando-se para mim em seguida.

– Eu cuido disso.

E foi fazer sabe-se lá o que com a dona da casa, que reclamava que não podíamos ficar ali. Eu não a culpava. Mesmo em épocas normais, Esparta raramente aceitava estrangeiros. Era, de certa forma, a antagonista de Atenas, a tão populosa e filosófica Atenas. Com os templos, as pessoas, o comércio, a democracia. Esparta vivia para a guerra, criava soldados, não frases filosóficas.

Aqueles eram tempos de guerra com certeza.

Ainda era mito cedo. Lavei o rosto e me preparei para sair e me misturar aos escravos hilotas. Em Esparta, havia uma infinidade de escravos e estrangeiros livres, porém poucos espartanos, a classe dominante. E, se conseguimos entrar, o que era mais difícil, pensei que seria mais fácil permanecer. Tolo engano.

Já devidamente equipado, de túnica, cinto e sandálias, deixei minhas armas em um canto qualquer e encontrei Ariella no corredor que levava à parte central da casa.

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– Vamos comer, já ia chamá-lo.

Assenti. Nos dirigimos à mesa, que continha ensopado, pão e um pouco de vinho. Não havia muitos frutos. Pelo que eu via, a agricultura estava um pouco prejudicada. Ariella comeu tudo, seguida por mim. Ela precisava recuperar as energias que gastou tratando dos meus ferimentos e dos dela.

– Aonde iremos? – Perguntei, terminada a refeição.

– Ao templo do Oráculo. É mais provável que o que procuramos esteja lá.

– Como pode estar tão certa disso? Pelo que sei, existem ao menos quarenta templos para divindades, vinte para heróis, uma var...

– Intuição. – Ela não me proporcionou maiores explicações – Aliás, não leve suas armas consigo, elas são chamativas demais e não queremos que nos notem.

– Você levará a sua.

– Eu posso esconder uma faca na barra do cinto. Você não pode esconder uma espada e um escudo enormes. Ainda não acredito que pegou a espada que Licáon usou para lutar contra você.

Revirei os olhos.

– Certo, certo. Mas há a possibilidade do casal que mora aqui nos denunciar e roubar a espada e o escudo enormes. Além disso, eu acredito que armas assim carreguem boas batalhas com elas, por isso a peguei e não quero deixá-la para ser furtada.

Ela negou com a cabeça, o rosto assumia pouco a pouco uma expressão mais compenetrada e determinada. Aquilo aliviou um pouco a sensação estranha de encarar uma face inexpressivamente perturbadora.

– Não vão. – Ela olhou para Penélope, a senhora que era esposa do dono da casa – Não é, Penélope?

– Claro que não. Ninguém saberá que vocês estão aqui.

– Ótimo. Obrigada, Penélope – Agradeceu.

Uma sombra de culpa atravessou os olhos de Ariella por um mísero instante, e, quando prestei atenção, não estava mais lá.

– O que fez a ela? – Questionei, curioso.

– Nada demais, só confundi sua razão.

– Mesmerizou. – Deu de ombros com a minha conclusão. – Acha correto fazer isso?

– Não, no entanto, é necessário. Senão, não cumpriremos nossa missão.

– Concordo.

– Você acha correto?

– Quando é necessário. De resto, não. Não é correto controlar um homem, ele deve tomar suas próprias decisões.

Ela parou um instante.

– Você acredita em liberdade?

– Sim, todo o homem deve ser livre.

Ela bufou e revirou os olhos. Passou os dedos pelos cabelos enrolados e os jogou para o lado. Entendi onde ela queria chegar.

– E quanto às mulheres? – Ela perguntou, incisiva. Sorri com ironia, meu primeiro sorriso em muito tempo, mesmo que não por alegria.

– Você sabe o que eu penso sobre isso, o que a maioria pensa. Seu gênero é obviamente mais restrito. Mulheres não sabem tomar decisões. O comportamento adequado feminino é dedicar-se aos homens.

Ariella sorriu com ironia também.

– Eu sei tomar minhas próprias decisões. E com certeza sou livre para tal. E com certeza meu objetivo de vida não é me dedicar a um homem. Eu sou totalmente livre.

Eu concordei.

– Você, com certeza, é.

Sacudi a cabeça. Se Ariella fosse um garoto e não fosse parte do inimigo, eu a chamaria para fazer parte de meu exército. Ela possuía uma boa percepção e era uma boa guerreira. Mas a realidade era outra. Ela era uma meretriz feiticeira inimiga, pronta para lutar contra mim quando isso acabasse, e eu precisava impedi-la de me impedir.

Uma curiosidade me passou pela cabeça.

– Ariella, poderia responder-me uma pergunta?

– Depende de qual for.

– Vocês adoram algum deus?

– Nós reverenciamos a deusa da magia, Hécate, e a deusa feiticeira, Nyx. Porém não chega ao nível de uma adoração.

Assenti. Procurei em minha mente mais algum assunto que eu devesse tomar conhecimento, e surgiu um de suma importância.

– Você sabe onde fica o templo do Oráculo?

– Deve ser a enorme construção cheia de colunas na parte mais central, onde há o símbolo da serpente de Apolo, O Senhor da Adivinhação.

– Ah, eu não notei.

– Não me surpreende.

Revirei os olhos. A ironia foi muito usada no diálogo, e talvez aquilo fosse realmente engraçado.

– Hilário, meretriz de Circe.

Ariella suspirou, porém não respondeu. Nos recostamos nas cadeiras por mais uns minutos, depois ambos nos levantamos.

– É hora de ir.
Partimos da modesta casa de campo, que ficava distante dos demais lugares, e rumamos para a parte mais central, cheia de construções feitas daquela pedra branca, com colunas altas, frisadas e arredondadas, tetos também altos e bonitos. O sol mal nascera, assim apenas alguns jovens guardas caminhavam de um lado a outro, dos quais nos escondemos. Passamos por pequenas casas destruídas na periferia, obra dos aprendizes de soldados, que realizaram a Kripta. Chegamos à base da elevação em que se encontrava o templo e começamos a subi-la.

Dois jovens soldados nos pararam na entrada, mas Ariella, usando sua magia, olhou em seus olhos e perguntou:

– Vocês querem mesmo fazer isso?

Ambos recolheram as armas e disseram, em uníssono:

– Não, porém não podemos permitir que entrem neste recinto.

– Não se preocupem, nós não estamos aqui.

– Não estamos? – A pergunta foi minha.

– Não estamos – Ariella repetiu.

– Não estão. Não há o que se preocupar. Não há nada de errado.

– Nada de errado.

– Isso mesmo. Não é preciso alertar os guardas.

– Não é preciso alertar os guardas.

– Certo – ela se virou para mim – Vamos Lee.

Ari parou um instante e uma brisa soprou seu cabelo em meu rosto, revelando alguns pelos brancos em seu ombro, de um animalzinho pequeno e idiota. Um instante depois ela continuou. Passamos entre os soldados e eles não moveram um músculo. Sempre soube que o intelecto dos espartanos era sobrepujado por sua técnica em batalha, no entanto, não pensei que fosse tão baixo.

O interior do templo era como o de qualquer outro, não entrarei em detalhes sobre ele. Não havia ninguém lá.

– Certo – eu disse – Você checa o átrio esquerdo e eu o direito.

Ela concordou.

Enquanto checava o local em busca de algo anormal, tive um sobressalto. Pensei que todos dormiam em suas casas e acampamentos militares, entretanto, uma sombra aproximou-se descendo as escadas da parte superior. Um pouco tarde para me esconder.

O homem parou bem à minha frente. Era alto, de corpo forte, cabelos curtos castanhos e pele bronzeada. Tinha uma estranha cicatriz no antebraço direito. Parei para decifrar a forma, pois lembrava-me vagamente de já tê-la visto antes, e não percebi quando ele me dirigiu a palavra.

– Não me escutou escravo? Saia daqui antes que eu o castigue como você merece!

Ah, Tártaro, tinha que aparecer um! Não podia procurar minhas coisas em paz? Nããão. Um pirralho precisava surgir do nada!

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O soldado não possuía mais que vinte e poucos anos, ainda não era considerado adulto ou cidadão em Esparta. Com certeza não deveria estar no templo do Oráculo, correndo o risco de ser espancado por algum cidadão mais velho, mas falando-se de autoridade, como estrangeiro eu tinha menos direitos ainda.

É, vou ter que matá-lo.

Comecei a calcular minhas chances – coisa que os espartanos não sabiam, calcular – estando desarmado, quando ele novamente bradou:

– Não me ouviu? Agora receba o que merece!

Mais um espartano esnobe que pensa ser o maior guerreiro por ter matado mais escravos na Kripta.

Ele tirou a espada de bronze de seu suporte e investiu direto no meu estômago. Eu desviei para trás. Ele não estava de armadura, ao menos. Justo quando o garoto estava preparado para o próximo movimento, Ariella surgiu por trás e o chutou na parte de trás dos joelhos. O soldado caiu de joelhos, e eu aproveitei e chutei seu rosto, que foi jogado para trás.

Pensei que o havia nocauteado, entretanto, ele parecia resistente e tornou a erguer-se.

– Preparem-se para receber a punição de Esparta!

– Ah, Tártaro. Isso não parece muito bom.

– Com certeza, é péssimo.