O Mistério Da Fera

Capítulo 26 - Preciso admitir que...


Estevão abriu os olhos e se deparou com Gisele.

- Bom dia. – Ela sorriu. – Trouxe para você. – Ela apontou para a bandeja ao lado dele na cama.

Estevão se sentou e começou a comer.

- Não vai comer?

- Eu já comi. – Ela sorriu, balançando a cabeça negativamente.

- Você não sabe mentir, Gisele.

- Coma, Estevão.

- Só continuo se você comer também. Não quero que meu filho tenha problemas.

- Mas...

- Coma... Não aconteceu nada demais ontem.

- Além de você ter sentido dores.

- Mas isso passa logo. Você viu. Agora, se você não se alimentar, o estrago pode ser permanente.

- Mas...

- Por favor...

- É... Até que você tem razão. – Ela abaixou a cabeça.

Gisele havia levado bastante comida. Começou com um lanche, e nada de dor. Ela estava estranhando. Tomou um copo de suco, e nada. Pegou uma das maçãs e comeu, e nada.

- Viu só? – Estevão disse, sorrindo. Gisele sorriu. – E a estufa?

- Eu já enchi todos os vasos.

- Mas você precisa cuidar de tudo.

- Você me ajuda?

- Claro!

Gisele pegou a bandeja.

- Deixa que eu levo. Vá à frente. – Ele sorriu.

Desceram as escadas. Gisele foi até a estufa enquanto Estevão deixou a bandeja em cima da mesa da cozinha. Sentiu uma pontada em sua cabeça.

- Tava bom demais pra ser verdade...

Ele abriu a torneira da pia e jogou água no rosto. Suava muito novamente. Subiu até o seu quarto para colocar suas botas. Foi cambaleando, mas foi. O suor e a fraqueza eram tão intensos que Estevão não colocou uma blusa.

A dor estava passando. Foi até a estufa e, sem que percebesse, já não sentia nada.

- Por que demorou? – Disse Gisele, regando algumas plantas.

- Eu fui colocar minhas botas.

- E o que houve com sua camisa?

- Está calor demais.

- Sei. - Ela disse, desconfiada.

Ficaram por ali por horas e horas.

- Precisamos almoçar. – Gisele disse.

- Eu preparo o almoço.

Foram até a cozinha. Gisele se sentou num dos altos bancos do balcão e Estevão começou a preparar o almoço.

- Gisele, você pode me fazer um favor?

- Posso. – Ela sorriu.

- Ligue para os seus pais e avise que você vai visitá-los amanhã.

- Por quê?

- Precisamos dizer a eles de uma vez por todas o que está acontecendo.

- Um dia poderemos dizer, Estevão.

- Faça isso por mim. – Ele olhou nos olhos dela e não conseguiu resistir.

Gisele foi em direção ao telefone e discou o número de sua casa.

- Alô?

- Gisele?

- Mãe!

- Que saudade, meu amor!

- Eu também estou com muitas saudades!

- Quando vocês vêm nos visitar de novo?

- Vocês?

- É! Você e o seu namorado!

- Não ele não... – Gisele olhou para Estevão. – Amanhã, mãe. Nós vamos aí amanhã. – Ela sorriu para ele.

- Vamos fazer um belo macarrão para você! – Gisele riu. – Seu pai te mandou um beijo.

- Mãe, eu queria adiantar uma coisa.

- O que, meu anjo?

- Promete não ficar brava?

- Ah, meu Deus! O que foi?

- Ontem eu fiz um teste e...

- Teste de quê?

- De gravidez.

- Gisele... Pelo amor de Deus! Qual foi o resultado?

- Positivo. Estou grávida.

- Grávida? Mas você é muito nova...

- Eu sei, mãe. Mas... Aconteceu.

- Estou desapontada com você, Gisele.

- Ah, mãe.

- Não precisava ter dito agora! – Estevão sussurrou, enquanto preparava o almoço. Gisele olhou para ele, arrependida.

- E as conversas que tivemos?

- Eu acho que não foram suficientes.

- O quê? Como não foram suficientes?

- Você sempre buscou me repreender e nunca me ensinar o certo.

- Como tem coragem de dizer isso deste modo? Fiz isso apenas pelo seu bem!

- Pode fazer mais uma coisa pelo meu bem? Ouça-me e me entenda!

- Eu não sei se foi bom você ter ido para essa casa.

- Está feito, não está?

- Olha, Gisele... Eu errei, mas isso não justifica que... - Gisele a interrompeu.

- Não justifica, eu sei. Mas eu te imploro que você me perdoe por isso. Mas eu nunca me senti tão bem. E está feito... Não está?

- Sim... Desculpe a sua mãe...

- Você não precisa pedir isso. Afinal, você é a minha mãe.

- Eu devia ter lhe dado mais atenção. Eu e seu pai. Nós vamos ajudar vocês, mas sempre antes de fazer algo assim, me avise antes!

- Pode deixar. – Quando Estevão ouviu o riso de Gisele, entendeu que ficaria tudo bem.

- Mas... - A mãe de Gisele retornou ao tom repreensivo. - Amanhã nós conversaremos melhor.

- Ta bom, mãe. - Fez pouco caso.

- Fiquem com Deus e, o que precisar, é só ligar.

- Vocês também. Obrigada.

- Nunca se esqueça que te amamos.

- Eu também os amo demais.

E desligou.

- Agora, só falta você falar com seus pais.

- Gisele, - Estevão tampou a panela e se apoiou no balcão, olhando nos fundo dos olhos dela. – são situações diferentes. Não falo com meus pais há anos.

- Como conseguiu viver tanto tempo tão sozinho, Estevão?

- Eu também não sei. – Olhou para baixo.

- Eu quero que você faça isso por mim. – Ela sorriu e pegou na mão dele.

- Eu não vou ligar para eles. - Ele tirou a mão dele de perto das dela.

- Faremos uma visita surpresa depois do almoço na casa dos meus pais. Isso. – Ela sorriu.

- Eu não confirmei nada.

- Estevão! Por favor!

- Gisele, não acho uma boa ideia.

- Por favor! – Ela disse, pausadamente.

- Não!

- Não vai fazer isso por mim? - Deu ênfase no "por mim".

- Está bem. Mas se algo der errado, a culpa é sua.

- Tudo bem. Eu assumo toda a culpa. Você vai ver como vai dar tudo certo. – Ela sorriu. Gisele estava certa.

Os pais dele admitiam para si mesmos que foi o maior erro da vida deles ter prendido Estevão naquela mansão. Mas eles sentiam a falta de Estevão. Sabiam o quão cabeça dura e arrogante o filho era. Pensavam o mesmo que Estevão: “Não vai dar certo se formos até ele”. Mas tudo daria certo se tentassem.

- O almoço está pronto! – Ele disse.

Estevão desligou o fogo, pegou dois pratos, colocou sobre o balcão e colocou o que estava na panela. Era macarrão com molho vermelho.

- Já comeu com molho vermelho?

- Não.

- Como não? – Gisele riu.

- É bom? – Ela disse, fazendo careta.

- Muito!

Gisele colocou uma garfada na boca.

- É bom sim. Mas ainda prefiro o branco. – Sorriram.

- Depois do almoço, nós vamos ao médico.

- Não acho necessário.

- Claro que é necessário!

Terminaram de comer e Gisele mediu o rosto de Estevão. A barba mal feita, os olhos pequenos negros, a sobrancelha marcante, os lábios grossos, o cabelo... Era um homem muito bonito. Ele percebeu que estava sendo admirado e sorriu. Gisele, pela primeira vez, não se sentiu constrangida.

Estevão sentiu uma forte pontada na cabeça. A pontada era mais forte do que as outras, por isso, não conseguiu disfarçar. Ele caiu no chão com a intensidade da dor. O banco em que ele estava sentado fez um grande estrondo ao se quebrar, parcialmente, no chão.

- Estevão! – Gisele desceu do banco e foi até ele. – Diz alguma coisa!

- Gisele, caso aconteça algo, saiba que eu te amo. – Estevão suava e tremia.

- Não vai acontecer nada! – Estevão ameaçou fechar os olhos. – Não feche os olhos!

- Eu não estou aguentando, Gisele. – Estevão respirava rápido.

Estevão fechou os olhos e desmaiou.

- Estevão! – Ela o balançava. – Acorda! Eu não vou aguentar te perder! – Gisele enlaçou o pescoço dele. – Eu admito. – Ela disse, em meio a tantas lágrimas. - Eu te amo demais pra viver sem você. – Ela olhou para o rosto dele. – Acorda, por favor!