#Narrado por Daniel#

– Ei dona Amélia, cheguei! – avisei enquanto fechava a porta de casa.

– Oi filho! Estou terminando o almoço agora. – disse ela.

– E Leandro? Onde está? – perguntei.

– Saiu mais cedo para o trabalho. – respondeu ela enquanto passava da sala para a cozinha.

Salomão estava tentando tirar os sapatos dos meus pés. Eu hesitei para que ele parasse lhe atribuindo um castigo: banho.

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– Anda garotão! – dizia eu enquanto puxava-o pela coleira até o quintal de casa onde alguns baldes de água e sabão lhe fariam bem.

Ele é um cachorro grande demais e raramente a minha avó consegue me ajudar a dar banho nele. Leandro mal toca no cachorro, então essa parte sobre sempre para mim.

– Espero que limpe essa bagunça depois! – grita a minha avó.

São quase duas horas tentando manter Salomão quieto enquanto tento lavá-lo. Haja paciência. Quem tem um cachorro conhece o trabalho. E você sempre toma banho junto.

Sabão por todo lugar e água também.

– Vou deixá-lo aqui no sol pra secar. Não solta ele da coleira viu, dona Amélia?- aviso a minha avó enquanto sigo para o banheiro onde tomo um banho de verdade agora.

Costumo passar a tarde inteira fazendo a mesma coisa. Mas hoje a dona Amélia pediu que eu separasse algumas roupas minhas que estão rasgadas para que ela concertasse.

– Aqui estão. – digo a ela enquanto jogo algumas roupas sobre sua mesa de costura.

– Daniel! Quase todo o seu guarda-roupa está aqui! – exclama ela eufórica.

– Não exagere.

– Exagero sim! Como você consegue andar com essas roupas? Parece um mendigo. Olhe para isso! – diz ela enquanto puxa uma camiseta velha e rasgada. – Parece um pano de chão.

Eu apenas sorrio para aquela situação.

– Você pode “concertar”? – pergunto a ela.

– Posso. – responde enquanto ajeita-se em sua máquina de costura e começa a remendar algumas peças.

– Eu vou ler um pouco. Atividade de literatura. – digo a ela.

Ela para de costurar nesse exato momento.

– Como é? – pergunta ela

– Vou ler. – repito.

– Ler o que?

– Um livro.

– Que livro Daniel? você não lê nem bula de remédio.

– Ninguém lê bula de remédio. – digo a ela ironicamente.

– Daniel... Estou falando sério. Você não costuma ler. Da última vez que estava lendo alguma coisa da escola, foi por conta da sua recuperação. Você está de recuperação de novo?

– Não!

– Então porque está lendo?

– Porque a professora passou essa atividade! Eu não posso querer ler? – digo a ela furioso.

– Pode! É claro que pode! Estou falando assim porque você não lê, e então do nada você inventa de ler. – diz ela enquanto ajeita-se para começar a costurar novamente.

– Olha, eu sei que não fui lá o exemplo de neto que a senhora gostaria de ter. Acontece que eu estou tentando ser diferente. Por mim mesmo! Eu não quero morrer nessa casa. Eu não quero ter roupas remendadas pelo resto da vida. Eu não quero sustentar um bêbado que mal sabe escrever o próprio nome. Eu quero uma vida de verdade! E eu já entendi que nada vai cair do céu. Ou eu corro atrás, ou eu fico parado e morro nessa merda! – saio do quarto da minha avó e fecho a porta com força, fazendo um barulho estrondoso ao bater.

Meu quarto está uma bagunça. Começo a organizar algumas coisas antes de colocar Salomão para dentro de casa. Troco o lençol da cama, organizo os CDs e DVDs das prateleiras. Limpo o guarda-roupa, tiro o tapete e troco por outro. Retiro as caixas velhas debaixo da cama e encontro meu velho violão e lembro-me de quando tocava com o meu avô. Ele me ensinou a tocar até os meus oito anos, e então faleceu. Eu sempre gostei de vê-lo tocar. Qualquer música, não importava qual fosse se significasse que ele iria tocar, eu estava satisfeito.

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Ele e Leandro não tinham uma relação boa, mas quando ele faleceu, Leandro entrou em crise contra si mesmo, e acredito que daí a situação com bebidas pioraram. Não bastava ser largado pela mulher com um filho pra criar, o pai tinha que morrer sem você poder fazer nada porque não tinha condições de pagar um tratamento adequado a ele.

Os dois erraram. Meu avô nunca deu apoio ao Leandro e ele cresceu desacreditado em si mesmo. Talvez essa seja a razão pra ele ser do jeito que é comigo. Porém, eu não preciso que ninguém acredite em mim além de eu mesmo. Eu sei que consigo ser algo além do que Leandro é. Não vou terminar nesse buraco. Não mesmo.

Coloco o violão pendurado de frente para a minha cama. Deito-me e abro o livro para terminar de lê-lo. Daqui a dois dias teremos que fazer uma resenha sobre ele, e eu não sei bem como se faz isso. Talvez Diana saiba, e então eu peço ajuda dela.

Por falar nela...

Di:“Ei Casmurro, terminou de ler o livro?”

Dan: “Não, ainda não. Estou lendo agora.”

Di: “Ah, então eu mando mensagem depois.”

Dan: “Faltam poucos capítulos, vou tentar terminar hoje.”

Di: “Boa sorte então. Eu vou tentar terminar hoje também.”

Dan: “Então, a gente conversa sobre os livros outro dia... Ah, sua amiga é legal.”

Di: “Eu sei, é minha amiga ora.”

Dan: “Hum. Então quer dizer que você só tem amigos legais.”

Di: “Mais é claro!”

Dan: “Então quer dizer que eu sou legal...”

Di: “Você se considera meu amigo?”

Dan: “Na verdade, ainda não...”

Di: “Eu imaginava...”

Dan: “Não me leve a mal. Estou tentando rever meus conceitos sobre amigo. Pessoas como você não se encaixam no meu círculo de amizade.”

Di: “Eu sei.”

Dan: “Sabe mesmo?”

Di: “Sei.”

Dan: “Quem sabe um dia. Você é legal.”

Di: “Obrigada Daniel.”

Dan: “De nada, Diana.”

Ela então parou de responder. Talvez o assunto tenha chegado ao fim mesmo. Não entendo porque eu fiquei esperando por uma mensagem dela depois disso. Nada feito. Nenhuma mensagem. Não dela.

Eram sete horas da noite quando Catharina me mandou uma mensagem dizendo que estava na frente da minha casa, esperando que eu fosse com ela à casa do Renan.

– Então, vai comigo? – perguntou ela quando eu apareci na porta.

– Acho que sim.

– Acha ou tem certeza? Eu estou com pressa.

Eu sorri e fechei a porta.

– Você quer fazer exatamente o que lá? – perguntei a ela.

– Ver os dois. Conversar com eles sobre isso.

– Sabe que eles não vão te dar ouvidos....

– Tanto faz. Você vai ou não?

– Eu vou. Vamos. – disse a ela enquanto seguia para o ponto de ônibus próximo a praça da nossa rua.

Ao chegarmos perto da casa do Renan, avistamos Felipe nos esperando na esquina do beco onde pichamos há algumas semanas.

Ele aproximou-se e abraçou Cathy de uma forma que eu prefiro não descrever porque foi um tanto... Inapropriado.

– Saudades Cathy. – disse ele.

– Eu também.

– Olha, acho que devemos ir pra casa do Renan antes de vocês acharam que a rua é um motel. – digo a eles.

– Ciúmes Daniel? – pergunta Catharina.

– De quem?

Ela apenas ignora e segura as mãos do Felipe. Ambos seguem na minha frente.

Renan está na frente de sua casa e acena para nós de longe.

– Tá sozinho aí irmão? – pergunta Felipe.

– Sim. – responde ele enquanto cumprimenta Cathy. – E você mocinha, o que queria com a gente?

– Prefiro falar sobre isso lá dentro. Aqui fora não é um bom lugar. – responde ela.

Todos nós entramos na garagem da casa de Renan onde algumas garrafas de bebidas são logo vistas. Alguns maços de cigarro na mesa e um pó “desconhecido”.

– Senta aí princesa. – diz Felipe enquanto puxa uma cadeira para Catharina.

– Daniel, quer? – Renan me oferece uma bebida.

– Não cara, valeu. – respondo.

Todos ao redor me olham de forma estranha.

– Vamos cara, a única garota aqui é a Catharina, e sei que ela vai aceitar... – ele direciona a garrafa para Catharina e ela aceita a bebida. Eu apenas viro o rosto para aquela cena.

– Eu realmente não estou afim de beber hoje. – continuo.

– Para de frescura, velho! Toma logo isso! – insisti ele.

Eu pego a outra garrafa da mão de Renan e a jogo longe, fazendo o mesmo barulho que Diana fez ao quebrar a minha garrafa outro dia no beco.

– Eu disse que eu não quero porra nenhuma! – exclamo furioso.

Catharina me encara perplexa. Renan vem na minha direção e me puxa pela gola da camisa e me põe contra a parede. Cathy pede para que ele não me machuque, mas é em vão. Eu consigo ver apenas quando ele soca a minha cara com força, e seu punho fechado faz com que eu caia ao chão. Eu tento levantar, mas ele chuta minha barriga com força e muita violência.

– Para porra! Para! – pede Felipe.

– O que você tá fazendo Renan! Para! – grita Cathy.

Renan me levanta do chão com muita brutalidade e grita para mim:

– Quem você pensa que é pra ficar me desobedecendo seu merdinha! – diz ele. Eu o olho e percebo que ele está diferente. Está drogado.

– Me solta! – grito.

Ele me joga no chão e só então se afasta.

– Se não quer que seu amigo morra, tira ele daqui!

– Você tá exagerando Renan! Ele só não quis beber! – diz Catharina.

– Não é só isso. Vi ele um dia desses no beco, bebendo com uma garota. Lá no muro onde a gente pichou. Acho que é aquela garota que passou por lá e viu a gente pichando, você lembra Felipe?

Felipe concorda com a cabeça e se lembra da cena.

– Mas o que é que tem? – pergunta ele.

– A amiguinha deu conselho pra esse merda aí! É por causa dela que ele não quer mais beber!

Eu então me levanto do chão e me limpo.

– Não estou parando de fazer isso por ninguém. Apenas por mim mesmo. – digo a ele.

– Você não faz mais nada de interessante com a gente Daniel. Parece um frangote. - replica Renan.

– Ah, cheirar pó te faz homem? – pergunto enquanto aponto para a droga sobre a mesa.

Todos ficam calados.

– Viu Cathy, o que eu te falei? Drogas. Drogas! Maconha, cocaína. Qualquer coisa aí no meio. Eles não são mais os mesmos. Nem você. Não vou por esse caminho... Eu mereço mais que isso!

Renan então ri da minha cara.

– “Mereço mais que isso”. Disse o filhinho da vovó! O fardo do pai e o abandono da mãe! Você não é NADA!

– Já chega Renan! – grita Catharina.

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Eu me aproximo de Renan. Logo estamos cara a cara.

– Eu vou provar pra você quem é o merda dessa história. – digo a ele que logo em seguida cospe em mim.

– Vou esperar aqui, meu amigo.