Forever Charmed

Doze Semanas


Interlúdio



Shuichi


Abri os olhos ao sentir os primeiros raios de sol penetrarem por entre as cortinas e caírem sobre o meu rosto, aquecendo as minhas bochechas. Sorri, me encolhendo mais sob as cobertas enquanto sentia um calor gostoso às minhas costas. O calor do corpo de Yuki contra o meu.

Quis fechar os olhos e voltar a dormir. O relógio na cabeceira da cama, marcando 6:30 da manhã de domingo, me dizia que era uma hora ingrata para acordar. Mas eu me sentia descansado depois de um jantar maravilhoso feito por Tatsuha na noite passada, um tempo encolhido contra o corpo de Yuki sobre sofá, tomando vinho perto da lareira, e depois ter sido arrastado para o quarto onde nos escondemos sob as cobertas e aproveitamos a noite de final de inverno para dormirmos agarradinhos, somente curtindo a companhia um do outro.

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Um progresso em nosso relacionamento desde que eu descobri sobre a magia de Yuki e que eu estava adorando imensamente.

Todo o fim de tarde Ryuichi me trazia após o meu trabalho na NG para Kyoto, onde Yuki ainda estava para assim conseguir escrever o seu livro como sugerido por seu editor, para Tatsuha e Yuki me ensinarem como bloquear as minhas emoções de modo que, mesmo quando eu tiver um ataque, não causar dor de cabeça em Yuki.

No começo eu estava relutante, ainda tentando absorver todas as novidades e facetas da família Uesugi, mas depois de três semanas nessa rotina, acabei me acostumando e gostando. E diferente das histórias que Ryuichi me contou, desde que eu passei a frequentar a mansão Uesugi que nenhum ataque de demônios ocorreu durante a minha presença. No entanto eu não sabia se era sorte ou se durante o dia Tatsuha e Yuki faziam alguma coisa para impedir qualquer invasão noturna durante a minha visita. E na vez em que eu expressei a minha curiosidade, Tatsuha somente riu.

– Demônios também dormem e muitos já descobriram, de maneira bem dolorosa, que irão sofrer muito mais se ousarem interromper o nosso sono de beleza. Os Encantados não são criaturas muito dóceis quando acordados no meio da madrugada para batalhar.

Não duvidava. Já fui testemunha várias vezes de um Yuki de mau humor por causa da insônia ou uma noite mal dormida e devo dizer: ele era o cão.

Me virei sob o abraço de Yuki, sorrindo ao ver o rosto relaxado e adormecido dele e quis, mais do que nunca, voltar a dormir, mas a energia matinal já começava a tomar conta do meu corpo e cuidadosamente me desvencilhei do braço que circulava a minha cintura e sai da cama. Yuki resmungou alguma coisa assim que eu deixei o calor morno das cobertas, mas não acordou. Somente virou sobre o colchão e encolheu-se mais sob o edredom, voltando a dormir.

Sorri mais uma vez diante da cena fofa que ele fazia agarrado ao travesseiro enquanto os seus cabelos dourados eram um emaranhado de fios sobre a sua cabeça. Ainda com o sorriso no rosto, fui até a poltrona que havia no quarto, recolhendo de sobre ela um roupão e o jogando sobre o pijama que usava, calçando em seguida um par de pantufas e saindo silenciosamente do quarto.

A passos preguiçosos e dando um longo bocejo, segui caminho até a escada, não podendo deixar de me fascinar sempre com a decoração ao meu redor.

A mansão Uesugi, que ficava aos fundos do templo, não era uma construção tipicamente oriental. Na verdade, a arquitetura dela era no estilo vitoriano ocidental e a decoração mais lembrava um antiquário de luxo. Yuki uma vez me disse que era porque as raízes de sua família estavam na velha Europa e que muitos dos móveis eram herança de família, passados de geração para geração. Não duvidei. Afinal, o meu namorado era loiro de olhos claros. E você não via muitos japoneses com essas características. Comigo incluído nesta lista.

Terminei de descer as escadas, passando pela copa e tomando o caminho da cozinha, me surpreendendo ao ver que Tatsuha já estava acordado, sentado à bancada no meio da cozinha e comendo um pote de sorvete.

– Não acha que está muito frio ou muito cedo para esse tipo de dieta? - perguntei enquanto ia até a cafeteira e colocava água, filtro e pó de café na mesma, a ligando em seguida.

– Quem é você? Ryuichi? - ele resmungou, terminando de dar a última colherada em seu sorvete e depois jogou o pote vazio na lixeira sob a pia. - São 6:45 da manhã. - falou ao dar um relance para o relógio na parede. - O que faz acordado tão cedo em um domingo?

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– O que você faz acordado tão cedo em um domingo? - rebati e o vi dar de ombros enquanto enfiava as mãos dentro dos bolsos do seu roupão.

– Quer me ajudar a fazer o café da manhã? - perguntou e eu o olhei desconfiado.

A cozinha era o domínio do Tatsuha, aprendi isso de maneira difícil e dolorosa nas poucas vezes em que tentei ser um bom convidado e ofereci ajuda, apenas para receber um olhar atravessado, portanto era estranho tal oferta.

– Ryuichi come feito um dragão, sem trocadilhos, e daqui a pouco Eiri acorda seguindo o cheiro do café. Sei que sou bom de fogão, mas não faço milagres em tão pouco tempo.

– Você tem ciência de que eu consigo estragar até um simples miojo, não tem?

Tatsuha riu.

– Acho que o complexo processo de colocar o pão na torradeira e apertar o botão até mesmo você consegue dominar. - disse jocoso e eu lancei à ele um falso olhar irritado que apenas o fez rir mais ainda.

Com um bico diante do meu orgulho ferido, recolhi o saco de pão de forma de sobre a mesa e o abri, colocando as fatias dentro da torradeira.

Logo começamos a nos movimentar de maneira confortável dentro da cozinha e enquanto Tatsuha preparava alguns ovos mexidos, eu retirava da geladeira geleias, um jarra de suco e leite. Por alguma razão, naquela casa, o café da manhã sempre era mais no estilo ocidental. Acho que era porque Yuki estava em visita prolongada e depois de viver alguns anos na América, não se desfez de alguns hábitos de lá, principalmente hábitos alimentares, e Tatsuha se divertia em satisfazer os gostos do irmão.

O som de passos arrastados me fez olhar por cima do ombro enquanto eu colocava o prato com torradas sobre a mesa da cozinha e vi Ryuichi entrar, ainda esfregando os olhos para espantar o sono, e ir até Tatsuha no fogão. Ele envolveu um braço na cintura do meu cunhado e sapecou um beijo na nuca exposta dele, o que fez Tatsuha sorrir e lançar um olhar breve para Ryuichi.

Me senti um intruso ao presenciar uma cena tão íntima como aquela.

Sempre me questionei como e por que Tatsuha e Ryuichi terminaram juntos e como que a relação deles funcionava tão bem. Seres mitológicos e magia à parte, ambos não tinham nada em comum para serem tão ligados daquela maneira.

Eu lembro de um Tatsuha aos dezesseis anos, tão ou mais fanático do que eu em relação a Ryuichi Sakuma. Lembro dele fazendo loucuras por um single ou ingresso para um show do NG. Lembro de ouvir K comentar que Tohma fazia questão de nunca permitir que Tatsuha entrasse em contato com Ryuichi, com medo do que o adolescente podia fazer com o cantor, e eu não podia deixar de concordar.

Sendo um jovem movido a hormônios e com uma fixação intensa por Ryuichi Sakuma, não duvidava que no segundo que o visse, Tatsuha fosse molestar Ryuichi a ponto de traumatizá-lo para sempre. Se isto aconteceu quando Ryuichi tornou-se o Inocente dos Encantados, isso eu não sei. Mas sei, pela história de Ryuichi e datas mencionadas por ele, que foi logo depois desse incidente que eu vi o meu amigo e rival surgir na NG com um ar de tolo apaixonado.

Por um tempo eu fiquei curioso em saber quem era a pessoa que estava fazendo Ryuichi suspirar pelos cantos e colocando mais fogo na inspiração já exacerbada dele. Isso até que a resposta veio em um furo midiático e então eu vi o rosto do meu cunhado e do meu melhor amigo nas capas das revistas especializadas que especulavam sobre o relacionamento deles dois.

Na época eu achei que Tohma iria surtar, esganar Tatsuha e proibir que ele entrasse em contato de novo com Ryuichi. Fiquei chocado quando não foi isso o que aconteceu.

Pelo contrário. A fúria de Tohma Seguchi desceu sobre os jornalistas que começaram a perseguir Ryuichi e Tatsuha mas, principalmente Tatsuha, e as notícias que se seguiram foram da NG Records processando vários veículos de imprensa e conseguindo um mandado judicial que obrigava os repórteres a ficaram, no mínimo, um raio de cem metros afastados da propriedade Uesugi e duzentos metros afastados de Tatsuha.

E então, quando o furor da mídia esfriou e a poeira abaixou, eu comecei a me questionar sobre esse relacionamento.

Primeiro que entre os dois havia uma diferença de quinze anos, mesmo que não parecesse. Ryuichi ainda tinha a mesma vitalidade e o mesmo físico de quando era jovem. Tatsuha, mesmo na adolescência, sempre aparentou ser mais velho a ponto de poder se passar pelo irmão. Mas, ainda sim, a cabeça de ambos era diferente.

Mesmo com algumas atitudes infantis, eu sempre soube que o verdadeiro Ryuichi não era a criança que carregava Kumagoro para cima e para baixo, mas sim o profissional que surgia nos palcos. Tatsuha ainda era um adolescente, fã e cuja maior ambição na vida era se formar no segundo grau.

Mas então, pouco a pouco, eu comecei a vê-los juntos, vê-los como um casal, longe dos olhos da mídia e somente entre amigos. Tatsuha olhava para Ryuichi com uma adoração que em nada se assemelhava ao olhar de um fã apaixonado. Ao contrário, era um olhar que dizia que ele seria devotado à Ryuichi da maneira mais pura e sincera pelo resto de sua vida. E Ryuichi compartilhava e retribuía o sentimento.

Fora o fato de que ele era extremamente possessivo.

Sim. Quando eu apostei que Tatsuha fosse ser o possessivo e ciumento dessa relação, perdi feio.

Lembro de uma vez, em uma das poucas vezes em que Tatsuha acompanhou Ryuichi em um evento público, que uma cantora pop cometeu a burrada de dar em cima do meu cunhado. Eu pude jurar que ouvi Ryuichi rosnar e os olhos dele brilharem em um tom dourado e se não fosse Tohma a agarrar Sakuma e arrastá-lo para fora do salão por alguns minutos, aquela cantora teria virado história.

Agora, depois de saber toda a verdade sobre Sakuma e os Uesugi, penso que dragões devem ser bastante territorialistas. Principalmente em relação aos parceiros.

– Vocês dois me dão vontade de vomitar. - a voz rouca de Yuki me fez sair dos meus devaneios e ver Tatsuha dar ao irmão uma careta infantil.

– Se está com inveja, o seu está bem ali. - corei quando Tatsuha apontou para mim com a espátula e Ryuichi riu.

Yuki somente rolou os olhos, veio até mim e depositou um beijo carinhoso em minha testa, o que me deixou ainda mais vermelho. Ainda estava me acostumando com esses gestos espontâneos de afeto partindo dele. Em seguida ele foi para a cafeteira e se serviu de uma xícara enquanto Tatsuha colocava os ovos mexidos em uma travessa.

Ryuichi recolheu os copos, os colocando sobre a mesa, e Yuki trouxe a jarra de café, a acomodando entre a de leite e suco. Logo, com todos os itens arrumados, nos sentamos e começamos a nos servir.

Vi Tatsuha colocar uma porção generosa de ovos em seu prato, junto com três torradas e alguns biscoitos doces. Misturar o café com leite em uma xícara e servir-se de suco.

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– Como você ainda pode estar com fome depois de ter comido um pote de sorvete? - meu comentário fez Ryuichi largar a faca sobre o prato e lançar um olhar de reprovação para Tatsuha.

– O quê? - Ryuichi perguntou em um tom nada amigável e que me confundiu. O que Tatsuha tinha feito de errado?

– Eu estava com vontade de comer sorvete. Tive que satisfazer essa vontade imediatamente. - Tatsuha se defendeu.

– Eu já te disse que sorvete não é comida! E a quantidade de gordura acumulada nele... - Tatsuha rolou os olhos.

– Essa conversa de novo não! Me poupe Ryuichi. Faça o seguinte: fale com a minha mão. - e ele estendeu a mão com a palma virada da direção do rosto de Ryuichi.

– Tatsuha! - Ryuichi segurou o pulso dele e tirou a mão do caminho. - Uma dieta equilibrada no seu estado é fundamental. O curandeiro falou... - e ambos começaram uma discussão sobre o que o tal curandeiro disse ou deixou de dizer que valia a pena seguir ou ser questionado, para a minha completa confusão.

– Eu não entendo. - virei para Yuki que parecia alheio ou mais do que acostumado com aquela cena. - Tatsuha está doente? - a minha pergunta o fez pausar a xícara de café a meio caminho da boca e Tatsuha e Ryuichi ficarem quietos prontamente e olharem para mim.

Yuki trocou um olhar com o irmão e depois com Ryuichi e voltou a me encarar em seguida.

– Ele vai ter que saber mais cedo ou mais tarde. - Tatsuha disse e Ryuichi concordou com um aceno de cabeça.

Saber? O que mais eu tenho que saber? Há alguma coisa errada com o Tatsuha? Não éramos muito próximos, mas eu gostava dele.

Lancei um olhar para ele do outro lado da mesa. Tatsuha não me parecia doente, pelo contrário. As suas bochechas estavam rosadas, os seus olhos e cabelos brilhavam, ele parecia ter ganhado mais corpo nos últimos tempos e denotava ser a epítome do homem saudável. Então, que história era essa de dieta balanceada e curandeiro?

– Shuichi. - Yuki depositou a xícara sobre a mesa. - Se lembra quando Ryuichi te contou sobre a família dele? Sobre o Clã dos Dragões do Tempo? - assenti positivamente. - Lembra que ele disse ser o último da espécie? - assenti mais uma vez. - Os Dragões do Tempo são criaturas extremamente poderosas e, portanto, uma grande perda para o mundo mágico se a linhagem se extinguir. Então...

– Então – Ryuichi cortou Yuki. - o Conselho dos Dragões resolveu que isto não poderia acontecer.

– E em sua infinita sabedoria. - Tatsuha continuou em um tom de deboche. - Decidiu alterar uma lei da natureza que existe desde que o mundo é mundo e me concedeu uma habilidade a mais.

– Habilidade a mais? - em que adicionar mais um poder na lista de poderes de Tatsuha iria ajudar na não extinção do clã de Ryuichi?

Mirei Yuki que deu de ombros, mas não esclareceu nada, depois voltei o olhar para Ryuichi cujos olhos desviaram do meu rosto e foram para Tatsuha. Mais especificamente a barriga de Tatsuha coberta pelo pijama e o roupão.

– Não. - falei em um tom desacreditado, empurrando a cadeira para trás em um gesto instintivo.

Os demônios, poderes e magia eu já estava começando a digerir. Mas isso já era demais.

Tatsuha era um homem, eu tinha certeza disto. Já o vira, acidentalmente é claro, nu uma vez e ele tinha TODOS os aparatos que o classificava como mais um macho dentro da espécie humana. Então...

– Se você ousar correr de terror eu boto fogo no seu traseiro. - Tatsuha ameaçou, provavelmente interpretando de maneira certa a expressão horrorizada em meu rosto pálido. - E só para você saber: não, isto não é comum na magia e se eu que sou eu, o principal afetado, já aceitei isto, você não tem nenhum direito de ter um chilique. - o olhar fulminante que ele me deu foi o suficiente para eu voltar a realidade e abaixar o rosto envergonhado.

Tatsuha estava certo. Que direito eu tinha de entrar em pânico se em nada essa situação me afetava? Exceto o fato de que...

– Eu vou ser titio? - perguntei com uma voz mínima. A minha relação com Yuki não era legalmente reconhecida, mas eu acreditava que estávamos juntos tempo o suficiente para ser considerado da família.

Tatsuha me olhou longamente e depois me deu um sorriso, recolhendo uma torrada do prato e mordiscando a beirada.

– Sim. Mas se vai ser o tio favorito? Bem, aí você vai ter que discutir com Tohma e Eiri os seus direitos sobre esse título.

– E fique sabendo – olhei para Yuki e o vi dar um sorriso de escárnio em minha direção. - que eu estou disposto a lutar sujo pelo título.

Ryuichi riu enquanto Tatsuha rolou os olhos e eu somente esperava que esse fosse o último segredo que eu tivesse que saber sobre a família Uesugi. Ao menos pelos próximos dez anos.

Eu era muito novo para morrer de susto.