The Roommate

Capítulo 8 Passado insuportável


Era sexta-feira e esse era o único e suficiente motivo para que o professor de física acabasse com a aula mais cedo. A matéria nem era assim tão difícil e ele já havia concluído tudo que tinha para aplicar. Já estava na metade do dia e eu já tinha tudo programado para o resto: fazer compras e me afundar no laptop para escrever dois trabalhos do começo ao fim.

Eu estava encarregada das compras do apartamento e infelizmente, teria de conferir se este mês o cartão de crédito havia sido pago por aqueles que têm o mesmo sangue que eu e eu preferia não citar o nome e se possível, nunca mais precisar pedir algum favor, tipo pagar a fatura do cartão todos os meses. Eu era uma incompetente, mas eu estava me esforçando para mudar isso.

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Fui ao encontro de Gail, que, como sempre, estava sentada em algum lugar onde batia sol, tirando fotos dos estudantes ou apagando as fotos que não saíam tão boas. Sentei-me ao seu lado e enfiei a cara na tela da Canon dela. No momento, ela observava uma foto de Hansel tirada de surpresa – ele estava ajeitando a touca e encarava a câmera surpreso.

– Gail, larga esse rapaz – balancei a cabeça negativamente e ri.

– Eu não quero nada com ele, apenas gosto de tirar foto dele, porque... – ela tentava se explicar enchendo o peito de ar e tomando uma coloração avermelhada no rosto.

– Eu não disse que você queria algo com ele, só mandei largar do pé dele.

– Você insinuou!

– Não insinuei nada – dei de ombros –, mas admito que o Hans é uma gracinha ajeitando a touca. Eu queria uma touca, mas não fica bem em mim.

– Você vai hoje ao Last Supper Club? – Gail perguntou, mudando de assunto rapidamente e guardando a câmera.

– O pessoal vai se encontrar? Ninguém me avisa nada. – essa é uma das desvantagens de viver entre quatro paredes de tijolos. Sem interações sociais, sem ninguém para te avisar sobre festas e encontros em boates de Seattle. Gail era o mais próximo de interações sociais, e essa condição não era opcional. Seria bem agradável se eu tivesse mais amizades, mas isso não me ocorreu.

– Os estudantes de exatas marcaram hoje, mas não vai ser nada impressionante, eles sempre fazem a mesma coisa. Ficar de porre, pegar alguém e voltar para casa. Irresponsabilidade rolando solta.

– E com isso, eu suponho que você...

– É claro que eu vou. – Gail abriu um sorriso que eu poderia dizer que escondia muitas safadezas. – O Brad também vai, para sua informação.

– Como é que é? Eu não estou sabendo disso – cruzei os braços. Eu era estudante de exatas, então estava automaticamente convidada, mas eu tinha dois trabalhos gigantes para fazer e isso era importante.

– Ele vai porque o Hans vai leva-lo. Você deveria ir também. – a voz de Gail afinou no final da frase, denunciando que ela estava sugerindo más intenções com aquilo.

– O que você está insinuando?

– Eu não insinuei nada – Gail deu de ombros e fez a mesma cara que eu quando na verdade, estava insinuando o interesse dela por Hansel. – Falar nisso, onde está o Brad?

– Trancou a porta do quarto e não me deixou acordá-lo. Filho da puta. – nós rimos e eu saltei do murinho para o gramado. – Tenho que ir, vou fazer compras. Bradley tem uma coleção de latas de coca-cola e está acabando, em parte é minha culpa. Se ele olhar a geladeira, ela vai brigar comigo.

– Aparece no Last Supper Club hoje.

– Vou pensar nesse caso – acenei e sorri para uma possível foto que ela estava tirando de mim, logo depois saí andando e procurando o celular na bolsa.

Era a hora de encarar a verdade. Desde que saí de casa, estava pouco me importando com as vidas que ainda existiam na casa dos meus pais. Eu não queria saber deles, nem da opinião idiota que eles tinham de mim, mas eu precisava deles. Por pouco tempo. Disquei o número de casa e em poucos toques, atenderam.

Alô? – era a voz de Ellie Mester, um pouco alterada além do normal por causa de sua babaquice em juntar a boca para falar e dar mais destaque ao seu botox, uma de suas várias plásticas para se manter conservada. Mamãe.

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– Oi mãe – suspirei com um pouco de raiva ou ressentimento –, sou eu. Será que posso falar com meu pai?

Pensei que depois que desapareceu do mapa, nunca mais iria ligar para saber como estamos. – rainha do drama.

– Eu não liguei para saber como vocês estão, eu liguei para saber como está a fatura do meu cartão – se fui grossa, a culpa é toda dela.

Você não vai mudar nunca?

– Será que posso falar com meu pai? – trinquei os dentes para não ser ainda mais grossa. O telefone ficou mudo e depois de alguns segundos, meu pai respondeu na linha. – Oi pai.

Como está o apartamento e seu novo colega? – Max Mester não perdia seu tempo para me julgar e falar dos meus defeitos como o resto da família, mas ele não deixava de ser um deles, então sempre concordava com tudo o que diziam.

– O apartamento está bem, mas esse segundo está à beira da loucura. Escuta pai, eu preciso fazer compras e queria saber se o meu cartão já está pago o mês passado.

Enquanto ele demorava para responder, quase fui atropelada por um carro por causa da minha falta de atenção. Atravessei a rua, entrei no supermercado e peguei um carrinho.

Está pago. Você não está pagando o apartamento?

– Obrigada por se preocupar, mas não, estou tomando conta das compras do mês e da limpeza. Vou arranjar um emprego de meio-período em breve e... me virar sozinha.

Coloquei alguns produtos de limpeza que haviam acabado no carrinho e cheguei na estante onde estavam as latas de coca-cola. Não me importava o quanto gastaria em coca-cola, era para o Badley, ele era viciado e eu tinha a sensação de que sempre que abria uma lata, ele ficava menos para baixo e mais animado.

Você sabe que não precisava ser assim.

– Precisava sim – respirei fundo –, e eu não quero falar sobre isso, esgotou essa cota para o resto da minha vida. Até mais, pai.

Até breve, Alexis.

O lado bom de Max era que ele não me perturbava com muitas coisas, talvez ele entendesse um pouquinho como eu me sentia, seja lá como eu me sentia.

Enchi o carrinho com vários tipos de comida instantânea e biscoitos para o café da manhã, para o caso de Bradley trancar a porta, ou não querer levantar da cama para não me deixar morrendo de fome. E também com muitos ingredientes que ele falou que estava precisando para suas receitas. Meia hora depois, eu estava cheia de vergões vermelhos nos braços por causa do peso das sacolas de compras. Abri a porta do apartamento e despejei as sacolas no chão, joguei a mochila no sofá e fiquei atenta ao som melódico que vinha do corredor.

A música denunciava que Bradley não estava mais dormindo, ele estava tocando teclado no quarto. Soltei o cabelo que estava preso e fui até o corredor, abri a porta.

– Cheguei – ele não me deu atenção. Caminhei até o banco em frente ao teclado e me sentei ao seu lado, encarando suas mãos e se movimentavam e faziam aquela melodia encher o apartamento. – Trouxe suas latas de coca-cola, os temperos e os molhos. Escute aqui, eu soube que você vai ao Last Supper Club hoje. Por que não me disse antes?

Não esperava que ele parasse de tocar a música para me responder, por isso fiquei surpresa e até senti um pouco de medo por ele ter feito isso.

– Não achei que fosse importante. Eu vou, você quer ir?

– Eu... – eu iria recusar, mas veja bem. Bradley virou o rosto e me encarou. Deixou-me exposta com aqueles olhos grandes e inexpressivos, como se pudesse arrancar de mim o que quisesse. E se quisesse me levar para o Last Supper Club, eu iria. – Quero sim.

Bradley saltou do banco e agarrou meus braços com um pouco de agressividade. Arregalei os olhos para o que quer que ele fosse fazer. Fui puxada do banco e tinha total certeza de que iria cair no chão e provavelmente quebrar uma costela, se Bradley não tivesse me jogado no sofá redondo que tinha no quarto. Caí no meio das almofadas e soltei um grito de susto. Brad ficou de frente para mim, me encarando jogada no colchão com um sorriso indecifrável no rosto. Não podia entender o que ele estava pensando, mas não era uma coisa muito boa – aliás, por que ele fez isso?

Ele se jogou no sofá. Achei que fosse cair em cima de mim, mas estava deitado ao meu lado.

– O que vai fazer para o almoço? – perguntou.

– Fazer? Bradley, eu não sei cozinhar.

– Que você é uma merda eu já sei – muito obrigada pela parte que me toca –, mas quero saber o que vai querer que eu te ensine a fazer hoje?

Fora toda a quantidade de pensamentos indevidos que eu tive a partir daquela frase, me lembrei que estava com vontade de comer massa. Eu já estava morrendo de fome, mas esperar mais alguns minutos com Brad na cozinha não parecia ser tão difícil, se não a parte do “com Brad na cozinha”, mas era algo que eu já estava me acostumando.

– Lasanha. – murmurei – Você sabe fazer lasanha?

– É claro que sim. – abri um sorriso como se tivesse me dado conta de que achei um homem perfeito para casar. – Não me olhe como se fosse me comer, eu disse que sei fazer, eu não sou a lasanha.

Bradley levantou do sofá com aquele ar convencido, me deixando envergonhada e irritada até o último fio de cabelo cor de rosa. Ele soltou uma gargalhada.

– Não estou te olhando como se fosse te comer!

– Está. – eu estava pronta para reclamar, xingá-lo ou algo do tipo, mas ele me interrompeu antes de qualquer coisa – Separe os ingredientes da lasanha, e o tipo de carne que você quer nela. Lave as mãos.

Fiz caretas enquanto ele falava e eu andava atrás dele, até que ele se virou e fechou a cara. Seria digno se ele brigasse comigo agora, mas seu movimento foi totalmente inesperado. Bradley se abaixou e agarrou minhas pernas, me jogando por cima de seu ombro. Gritei assim que me dei conta de que eu estava presa.

– ME COLOQUE NO CHÃO!

– Não seja malcriada comigo.

– Eu que sou malcriada? – Bradley caminhava pela casa com aquela postura torta e eu balançava em seu ombro, afetada pela forma que ele andava. – Bradley Adams!

– Francamente, você deixou as compras no chão!

– Olha só quem está falando, você deixa tudo no chão e eu tenho que arrumar! – eu não bati com os punhos nas costas de Bradley, por mais que eu quisesse causar dor a ele, mas com a convivência eu me dei conta de que ele não sentia dor como as pessoas normais.

Brad chegou à cozinha e me colocou no chão, toda descabelada, deu meia volta e foi pegar as compras que estavam na sala. Eu respirei ofegante. Não sabia se minha respiração e meu coração estavam acelerados por causa do esforço ou por causa de Bradley, mas seja pelo o que for, estava difícil de voltar ao normal. Senti meu rosto ficar vermelho e um sorriso prendia minhas bochechas.

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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Por que eu estava jogada no chão? Por causa do idiota do Bradley. Correto. Por causa do desprezível do Bradley. Correto. Por causa do merda do Bradley. Correto. Por que eu ainda não fui espancar o Bradley?

Porque de acordo com minhas experiências, espancar o Bradley não iria dar muito certo.

– Você vai ficar jogada aí com essa cara de orgasmo ou vai fazer o que eu mandei?

Bradley Adams estava abusando dos limites e eu estava perdendo a sanidade.

(...)

Eu não podia nem terminar de fazer a maquiagem direito, e o louco cheio de distúrbios já estava me arrancando do banheiro dizendo que o meu tempo havia expirado e agora era a vez de ele tomar banho. Terminei de fazer a maquiagem no reflexo da tela da televisão e eu estava pronta. Havia prendido o cabelo bem no alto, usava uma legging preta, sandálias e uma blusa jeans, nada extravagante, afinal eu só estava indo porque... Nem eu mesma sabia por que raios eu estava indo para o Last Supper Club.

Coloquei documentos e dinheiro na bolsa, e me atirei no sofá, olhando para cima e esperando o tempo passar até que Bradley estivesse pronto. Não demorou muito para algo anormal acontecer. Ouvi um barulho de vibração em cima da madeira e olhei em volta, Brad havia deixado o celular na mesa e estava tocando.

– Brad, o seu celular está tocando! – gritei, ele demorou para responder e gritou de volta um “deixa tocar”. Peguei o celular e olhei o número que era desconhecido. – Pode ser algo importante, quer que eu atenda?

Não!

O celular parou de tocar, e voltou alguns segundos depois, vibrando incansavelmente na minha mão, era o mesmo número.

– Bradley, eu vou atender, isso não para de tocar!

ALEXIS...

Levei o celular à orelha e atendi, respondendo qualquer murmúrio, pois a pessoas do outro lado da linha logo me interrompeu.

Até que enfim atendeu ao telefone! Achei que fosse ignorar minha existência para sempre! – seja lá quem for, se não fosse por mim, Bradley de fato estaria ignorando sua existência.

– Desculpe, aqui não é o Bradley – respondi rapidamente –, eu sou a Alexis, uma amiga. Ele está no banho, quem deseja?

Ah, meu nome é Jazz Adams. Jason.

– Adams?

Até agora eu não havia me tocado de que até mesmo um cara depressivamente exótico e solitário como Brad tinha que ter uma família. E lá estava, um outro Adams. Pisquei algumas vezes, absorvendo informações. Era difícil demais. Eu sentia que estava adicionando várias peças daquele quebra cabeça em menos de trinta segundos de ligação. Ignorando a existência. Adams. Família. Arregalei os olhos e gaguejei no que quer que fosse responder a Jazz Adams, que confirmou sua identidade como se fosse algo extremamente normal.

A porta do banheiro foi praticamente arrombada – não havia motivos para isso, até porque ela nem tinha trinco – e isso me deu um susto. Eu descreveria o sujeito que saiu do banheiro como um monstro de sabão, porque Bradley estava molhado e cheio de espuma da cabeça aos pés, usando apenas uma toalha amarrada à cintura. E ele estava irritado. Acho que eu era o motivo.

Brad arrancou o celular da minha mão, desligando rapidamente e me empurrando para a parede mais próxima. Bati as costas com força e arfei de dor.

– EU MANDEI VOCÊ NÃO ATENDER! – gritou.

– Eu... – ele me cortou.

– VOCÊ NÃO TINHA QUE FAZER ISSO! POR QUE ATENDEU?

– Bradley, me desculpe.

– PORRA! AGORA A MERDA JÁ ESTÁ FEITA! – ele ofegou. Estava um pouco vermelho de raiva, as veias de seu pescoço saltavam. A água e as espumas estavam escorrendo pelo seu corpo e momentaneamente, eu tive inveja das gotas de água. Seus hematomas estavam lá, arroxeados e doloridos. Eu tinha a suposição de que ele causava aqueles hematomas. Eles não podiam estar lá porque ele era “desastrado”, mas era tudo muito confuso para eu juntar os pedaços.

– Era seu irmão? – indaguei, tomando coragem para olhar nos olhos deles. Ele desviou o olhar, respirou fundo e deu meia volta, dando a impressão de que estava para voltar ao banho. – Bradley, volte aqui!

Ouvimos a porta da sala bater e olhamos para o lado de onde vinha o barulho. Um vulto preto usando touca passou quase correndo e fingindo que nós não estávamos ali.

– Eu não estou aqui, sou um homem invisível, vou pegar alguma coisa na geladeira, podem continuar brincando.

Ignorei Hansel assim que ele entrou na cozinha.

– Por que você não fala sobre sua família? Em nenhum momento você contou alguma coisa sobre sua vida, eu até achei que não tivesse família! Mas aquele Jazz Adams era com certeza seu irmão.

– Não tem – Bradley trincou os dentes e encarou o chão – o que falar deles. Absolutamente nada.

– Diga qualquer coisa! Que tal por que você não queria atender a chamada?

– Alexis, você também não disse nada sobre a sua família – ele se virou e apontou para mim. – Eu não tenho nada para contar, porque você também não tem.

Cruzei os braços e voltei a encostar na parede. Era impressão minha ou ele estava fugindo do assunto?

– Não é algo que eu me orgulhe, é passado. – eu disse um pouco mais baixo. Brad avançou dois passos.

– Fale do passado – desafiou.

– Eles... – revirei os olhos e continuei da forma mais banal – Me chamavam de fracasso, da filha que não deu certo. Me xingavam e me deixavam mal. Eu não aguentava mais ficar perto deles. Eles não paravam de olhar feio para o meu cabelo e minhas tatuagens. É passado, eu não preciso mais suportá-los.

– Quem são eles?

– Mãe, pai e duas irmãs – dei de ombros – Olha Bradley, essa é uma parte da minha vida que agora não muda nada. Eu prefiro simplesmente fingir que nunca existiu. É um passado que eu não quero lembrar.

– É o passado que molda quem você é agora.

Naquele momento, Bradley encarou o nada e levou os dedos até um hematoma em sua cintura, aquele que era enorme. Eu percebi que aqueles fatos tinham alguma ligação, tinha que ter. Só faltava entender ou descobrir.

– MAS EU NÃO QUERO...

Brad me agarrou, cortando meu grito e passando os braços molhados em volta da minha cintura. Detalhe, eu estava seca e arrumada e ele parecia sabonete. Forte e molhado. Mas foi como se me calasse, como se dissesse silenciosamente que eu não precisava me revoltar, e que de alguma forma, ele sabia do que eu precisava. Um apoio ou um refúgio. Ele era os dois. Não desempenhava bem sua função, mas era suficiente.

– Brad – murmurei depois de um tempo que era além do considerável para um abraço. Comecei a achar que ele estava de sacanagem. Ele murmurou de volta. – Que tal voltar para o banho?

Ele se afastou e voltou para o banheiro. Droga, ele havia fugido do assunto e eu estava toda molhada.