Pequenos Infinitos

CAPITULO 11


Estávamos sentados a uma mesa de madeira circular na cozinha. Eu, Grace do meu lado, Lili de frente para mim, do lado dela e a mãe de Lili do lado dela. Todos se esforçando para nem sequer esbarrar no assunto do dia anterior. Na verdade estava um silencio mortal por toda a casa. O pai de Lili tinha saído de manhã, para ir trabalhar, na verdade eu não o tinha visto, mas ele parecia um cara legal, porque quando eu fui acordado bruscamente pela Grace naquela manhã eu descobri que estava coberto, e que fora ele quem tinha me coberto. Mas eu não o tinha visto. Voltando a mesa, Lili terminou de engolir um pedaço de seja lá o que fosse que ela estava comendo e falou para Grace:

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- O que vamos fazer hoje?

- Nada? – respondeu Grace, ironizando.

- Mas é um dia especial! Tem que ser feito alguma coisa para comemorar.

- Nada é perfeito!

Lili soltou um som similar a um grunhido e olhou para mim com certa expectativa nos olhos brilhantes, mas eu não tinha ideia do que ela estava falando.

- Hum, o que tem em hoje ser hoje? – falei um pouco desinteressado.

- É ANIVERSARIO DA GRACE! – ela gritou e quase derrubou o que estava na mesa, e depois cochichou perto de mim, fingindo que ninguém mais estava ouvindo. – Concorde com tudo que eu disser – eu balancei a cabeça afirmativamente olhando, o interesse aumentando gradualmente com cada palavra – Nós temos que fazer alguma coisa especial hoje! Que tal irmos a um restaurante italiano chique, quem não gostaria disso, não é Set?

- É claro... Quem não gostaria?!

Comecei a imaginar o quanto aquilo seria chato e insuportável com Lili falando todo o tempo. E me desanimei, olhei para Grace, esperando que ela negasse completamente a ideia e voltasse para o quarto. E na verdade foi isso que ela fez. Ironicamente.

- Que passarmos esse odiável dia super especial dormindo como passamos todos os outros dias?! – falou ela, fingindo animação.

- Boa pedida! – falei, sorrindo.

Lili me fuzilou com o olhar.

- Quer dizer, péssima, tipo, quem ia querer passar o aniversario dormindo?!

Lili sorriu satisfeita e olhou para Grace com esperanças. Que morreram imediatamente.

- Eu adoraria fazer isso!

Grace se levantou e foi para o quarto. Mas Lili a seguiu, perturbando-a com aquela ideia de ir ao restaurante italiano. Cara, como. Ela. Falava. Ouvi a porta do quarto ser fechada e imaginei que Lili entrou junto de Grace, porque a voz dela começou a sair abafada e baixa, o que foi um alivio imensurável.

Olhei para a mãe dela, e depois para meu prato, praticamente vazio. Me ofereci para lavar a louça do café, mas a mãe de Lili recusou. Grace e a garota ainda estavam dentro do quarto, fazendo o que. Eu não sabia. Me deitei no sofá, mas mal tive cinco segundos de paz e silencio, porque Lili irrompeu do quarto de Grace como uma tempestade, sorrindo de orelha a orelha, e cada passo ela parecia querer pular. Eu me sentei no sofá e abri a boca para perguntar o que tinha acontecido, mas ela foi mais rápida que eu, ela sempre era aliais...

- Vamos ao restaurante! – falou triunfante.

- Ta...

- Saímos às cinco! Você tem alguma roupa para essa ocasião?!

Ela falava como se nós não fossemos só jantar fora. Não era como se Grace realmente quisesse comemorar seu aniversario daquele jeito, por que eu deveria ter uma roupa especial ou algo parecido?

- Não tenho nada como um palito, ou um smoking, se é o que você esta sugerindo.

- Só se vista o melhor que puder então – falou com descaso, fazendo cara feia para mim – Vamos sair! Só nós três!

E a coisa piorava a cada segundo. Estaríamos eu, Grace e Lili, em uma mesa de restaurante. Lili falando loucamente, sem parar nem por um segundo para respirar. Grace exercendo a sua parte odiando seu odiável dia. E eu, apenas escutando. Mas não tinha que ser exatamente assim não é? Comecei a elaborar meu plano. O aniversario dela poderia se transformar em algo ao menos mais excitante.

***

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As cinco meu plano estava completo, ao menos a parte em que eu não havia decidido improvisar. Eu sairia dali, levaria Grace. Na primeira chance que tivéssemos, antes ou depois do jantar, não importava. Para onde eu a levaria ainda era um mistério para mim. Mas isso se resolveu imediatamente, quase como se fosse o destino me falando “Ei, eu existo!”. Ao sair do carro da mãe de Lili, parado em frente a um restaurante que eu nem me dei ao trabalho de saber o nome, eu vi o Shopping. Um prédio alto, impossível de não se notar, vidro preto por toda parte. Ele estava no final da mesma rua que nós. Praticamente me puxando. E eu só lamentei pela pobre Lili.

Ao sentarmos-nos à mesa reservada para nós, Lili avisou que iria ao banheiro e não havia nada mais conveniente que aquilo. Tinha champanhe na mesa. A mãe dela devia ter dado um jeitinho para que aquilo tivesse vindo parar ali. Três taças, uma em frente a cada cadeira, e nenhuma boa alma por perto, não haveria oportunidade melhor para fazer o que eu queria. Peguei duas taças e falei para Grace, baixinho:

- Consegue correr um pouco?

Ela olhou para mim, surpresa. Pensou por um tempo, eu olhei para o banheiro. Ela finalmente assentiu e eu me levantei. Peguei a garrafa de champanhe e ofereci o braço para ela, ela segurou e nós viramos para a saída. Uma porta dupla de vidro. Avistei um casal que chegaria em uns três segundos até ali e comecei a contar, tanto em voz alta, quanto mentalmente, preparando Grace e me preparando.

Um. Olhei para trás. Nada.

Dois. Chequei o casal. Só mais alguns passos.

Três. Para trás de novo. Lili saia do banheiro e estava para nos avistar quando começamos a correr.

O casal abriu a porta e deu dois passos para dentro, enquanto nós passávamos por ele como um furacão. Ta talvez isso seja um tremendo exagero. Grace parecia mais uma pata manca correndo, mas eu não dei muita atenção aquele detalhe. Mesmo que ela realmente fosse uma pata manca, Lili não teria a menor chance de nos parar. Saímos para a rua. Grace já arfando por causa de seus problemas. Meio que a forcei a se virar para o Shopping e nós corremos para lá. Com a velocidade um pouco afetada dela, o que dobrou o tempo de chegada, mas nós conseguimos. Eu duvidava que Lili fosse sair correndo atrás de nós, por isso relaxei quando chegamos à porta do lugar. Mas mesmo assim olhei para trás. Nada. Provavelmente ela tinha se sentado a mesa, e teria que pagar pelas taças e o champanhe que nós “roubamos” do restaurante.

Senti Grace se apoiar um pouco de mais em mim e do nada, mesmo não sabendo se aquilo daria certo, a peguei no colo. Talvez porque ela arfava rápido, quase completamente sem ar, com muita dificuldade para respirar. Talvez pelo rosto vermelho. Talvez porque eu achasse que ela iria simplesmente desmaiar ali, e a culpa seria toda minha. E só de pensar em ter que voltar para o restaurante e pedir ajuda para Lili já era torturante. Talvez porque o peito dela subia e descia MUITO mais rápido do que uma pessoa normal respirando. Não que alguma vez ela tivesse respirado igual uma pessoa normal. Tinha notado isso desde que soubera que ela tinha problemas de saúde. Mas eu achava aquilo meio... Sexy ou sei lá. Tinha um algo no jeito de ela respirar, um algo tão diferente e maravilhoso que eu não saberia explicar. O.k, isso pode parecer incrivelmente bobo, eu sei.

Mas, naquele momento, nem meus braços reclamando de dor eram o suficiente para me fazer parar. Tudo a que eu conseguia dar atenção era ela e seu estado. Não que ela fosse pesada, meus braços só não estavam preparados, eu não sou o tipo atlético ou qualquer coisa parecida. Mas alguma coisa me deu forças para que eu a carregasse desesperadamente ela para dentro do shopping e a sentasse no primeiro banco que avistei. Isso quase me fez derrubar a garrafa e as taças. Mas eu consegui segurá-las de algum jeito. Me sentei ao lado dela. Percebi que na verdade, eu não estava em um estado tão melhor. Estava arfando, suando e com os braços latejando. A diferença entre ela e eu era que eu não poderia morrer por causa daquilo. Demorou uma meia hora para ela retornar a seu estado normal. Mas pelo menos agora eu estava menos assustado e já tinha parado de pensar que ela iria cair morta ali num banco, na frente de um monte de gente desconhecida, que nos olhava (ao menos eles tinham a decência de tentar disfarçar o quanto um cara entrando no shopping pela porta da frente com uma menina aparentemente prestes a morrer no colo era estranho).

Eu mesmo me recuperei e olhei para ela. Notei que até ali não tinha visto como ela estava bonita. Grace estava usando um vestido de um tecido que parecia ser muito delicado, eu não sabia o nome, nunca tinha me interessado por esse tipo de coisa, mas imagine o tecido mais delicado que você conseguir em um vestido branco, com alcinhas finas, cobrindo até o joelho. Era lindo. Uma sapatilha combinando com o vestido e tinha uma rosa no cabelo, perto da orelha. Eu me senti mal de repente por não ter aquele palito que Lili queria que eu tivesse. Decidi que iria comprar um terno para a próxima vez, se houvesse uma. Eu estava com uma camisa verde escura, decorada com caveiras e um monte de desenhos meio sinistros e uma calça jeans um pouco surrada. Horrível se comprado a ela.

- Você esta... Linda – falei isso meio sem perceber, por isso eu devia ter feito uma tremenda cara de bobo, por antes de responder ela riu baixinho e fechou minha boca com o indicador.

- Obrigada.

Ela arqueou um pouco o corpo para frente e eu vi que o vestido também cobria boa parte de suas costas. Ela endireitou o corpo e começou a me estapear.

- Você. Quase. Me. Matou. Seu. Idiota.

Cara, aquilo não teria doido tanto se eu não tivesse carregado ela para dentro, ela estava batendo no meu braço mais dolorido.

- Ai! Ai! Ai! – reclamei. Até que ela parou, perdendo o fôlego de novo.

Eu comecei a sorrir feito um bobo de novo. Tinha virado um mestre nessa arte nos últimos meses enquanto estava com ela. Grace lançou um olhar sugestivo para a garrafa na minha mão. Eu abri a e derramei o liquido borbulhante nas duas taças, enchendo-as até a metade. Grace pegou uma delas e nós brindamos.

- Ao seu aniversario – falei.

- O mais excitante – provavelmente ela se referia à parte em que eu quase a tinha matado, mas eu fiquei feliz mesmo assim. Afinal, mesmo que ela narrasse aquele dia como “O dia em que um maluco quase transformou meu aniversario em O Ultimo aniversario”, ela se lembraria daquilo. E isso era o suficiente para mim.

Depois de bebermos metade da garrafa de champanhe. O que foi só o suficiente para que nós recuperássemos nossas condições normais. Eu pensei no que poderíamos fazer e me lembrei de que tinha trago o dinheiro que minha mãe havia colocado na minha mochila.

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- Então – comecei – Nós podemos ir comer alguma coisa e depois comprar alguma coisa.

Nós comemos e tá, eu admito, “fazer compras” não era meu programa favorito, acho que todo adolescente que vai as compras em uma loja de roupas com a mãe pega um certo “trauma” de voltar a fazer isso, porque as horas lá parecem séculos. E eu odiava fazer isso com a minha mãe, eu tentava ser o mais irritante possível para que ela saísse logo, mesmo que querendo me bater. Mas dessa vez eu tente ser o mais agradável possível. E confesso que o shopping além de enorme tinha lojas de bom gosto. Mas entre as que nós paramos, de sapatos, roupas e acessórios a fim, que aliais, pareciam simplesmente não acabar, a que eu mais gostei foi a ultima. Nós tínhamos passado por diversas lojas, inclusive alguns quiosques de coisas de comer. Mas aquela era A loja.

Na verdade ela não era tão esplendorosa quanto “A Loja” sugere, mas o que tinha dentro era importante. Eu tive a iniciativa de entrar quando vi na vitrine um terno bonito. De um tecido que parecia confortável. Incrivelmente, Grace não tinha comprado tantas coisas quanto as mulheres costumam comprar, e isso me deixou feliz, tinha umas três ou quatro sacolas nas mãos e tinha sobrado bastante dinheiro. Eu havia pagado tudo, alegando serem presentes, mas na verdade acho que queria poder gastar todo aquele monte de dinheiro da minha mãe. Nós entramos na Loja e eu procurei pelo terno que estava na vitrine. Achei ele sem muito esforço.

- É de Londres – informou um dos vendedores

Me virei. Era um garoto, um pouco mais velho.

- Mas parece que sua namorada se interessou por algo um pouco diferente.

Ele indicou Grace do outro lado da loja. Não era uma loja grande. Só havia ternos e vestidos. Mas esses ternos e vestidos eram Lindos. Todos eles. Grace estava mexendo em um vestido preto. Bonito, como os outros. Tentei imediatamente imaginar como ela ficaria com ele e gostei do que minha mente produziu. Fui até ela e disse:

- Quer? – falei.

Ela olhou para as sacolas na minha mão e respondeu:

- É meio... Caro.

Achei aquilo tão “fofo” (acredite, eu realmente não consegui pensar em outro adjetivo) que peguei o vestido e comprei sem dar a ela a chance de reclamar ou se opor.

Saímos da loja. Ela olhou para todas as sacolas na minha mão e identificou uma que não era dela. Uma sacolinha simples, parecida com as de supermercado. Ela apontou e disse:

- O que é isso?

- Segredo – respondi sem demora.

Ela olhou desconfiada e depois olhou para frente, buscando o enorme relógio de ponteiros que ficava pendurado por um enorme fio de metal, vindo do teto, bem no meio do shopping exatamente na altura onde estávamos no segundo andar. Mas seus olhos pararam no meio do caminho e se arregalaram um pouco. Acompanhei seu olhar e vi Lili, sentada chupando um sorvete (matando um sorvete, melhor dizendo) enquanto olhava furiosa para nós. Eu troquei um sorriso brincalhão com Grace e cochichei:

- Preparar. Apontar – ela acompanhava meus lábios, falando sem deixar escapar o som – Já!

Lili se levantou quase que arremessando o resto do sorvete assassinado numa lata de lixo próxima e começou a discursar:

- Como vocês ousam...

Aquela ladainha perpetuou por pouco mais de uma hora, até Lili terminar de descarregar sua raiva ou ela simplesmente deve ter percebido que nós não estávamos prestando atenção, a pouco de um colapso de gargalhadas. Eu e Grace estávamos quase ficando vermelhos, de tanto esforço para segurar a risada. Até que Lili perguntou:

- Pelo menos seu dia com esse traste foi bom?

Eu ia comentar que eu quase a tinha matado, e nós tínhamos bebido metade de uma garrafa de champanhe como se fosse água, só para respirar normalmente de novo. Mas Grace falou primeiro:

- Foi o melhor possível. Para uma pessoa a beira do precipício pelo menos.

Ela sorriu para Lili e depois para mim.

Mas mesmo assim eu não consegui me conter e comecei a narrar sobre Grace quase ter morrido e tal, e a cada palavra e olhar que eu direcionava para Lili, parecia um passo mais próximo do Inferno. Saímos do shopping e a mãe de Lili já estava esperando.

Eu apertei o passo para poder abrir a porta de trás para Grace e depois me sentar ao lado dela, fechando a porta para dizer a Lili que ela tinha que ir à frente. E por mais que aquilo tenha me surpreendido. Forçar Lili a ir à frente não foi tão má ideia. Na metade do caminho, quando o céu já estava escurecendo, Grace entrelaçou nossos braços, segurou minha mão e apoiou a cabeça no meu ombro. Eu apoiei minha cabeça sobre a dela e depois de um tempo, percebi que ela estava dormindo. Dei um beijo em sua cabeça, como um “Boa noite” e me virei para a janela. Desfrutando do momento e só agora percebendo em sua magnitude, me seu auge, como tudo parecia ser tão maravilhosamente belo quando eu estava perto dela. E naquele momento eu era capaz de enxergar a beleza até nas arvores, por mais secas que elas estivessem. Tudo parecia extremamente resplendoroso.