Segredo

Capítulo 12


O bar era um lugar médio com mezinhas espalhadas pelo recinto, o que deixava o local apertado, com cadeiras tri pé altas, um balcão do lado direito com o mesmo tipo de cadeira das mesas, no lado esquerdo havia umas três mesas de sinuca que já estavam ocupadas com homens que fumavam muito, a fumaça impedia a visão do rosto deles e no fundo do bar haviam duas portas; uma com a sombra de um bonequinho fazendo xixi de pé e na outra uma bonequinha fazendo xixi sentada. O recinto estava relativamente vazio, só tinham os homens da sinuca e nós.



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O João me levou até uma mesa perto do balcão, nos sentamos e ele chamou por um garçom. Logo apareceu um homem de camisa branca, calça jeans e um avental preto.



_ Oi Adriano _ cumprimentou o João _ Me trás o de sempre.



_ Ok _ ele disse enquanto escrevia em um bloco de papel que tinha acabado de tirar do avental _ e para você? _ ele olhou para mim.



_ Trás uma coca para ela _ falou o João.



_ Ok _ repetiu o Adriano e foi até o balcão.



Logo ele voltou carregando uma bandeja com um grande copo de um liquido escuro com gelo, a coca (eu devia ter pedido sem gelo, sempre vem menos coca quando tem gelo), e um copo médio com um liquido branco como leite, eu não entendia, como o João podia gostar de ir naquele lugar só para beber leite?



O garçom colocou os pedidos a nossa frente e se retirou.



_ É para cá que eu sempre venho quando to com tempo livre _ ele disse e deu um pequeno gole na bebida _ ou quando quero fugir do seu pai.



Por um instante eu fique me perguntando por que ele iria querer fugir do meu pai, mas ai, me lembrei que o pai que ele estava falando não era o Julius e sim do irmão dele.



_ Mas ele deve saber que você estar aqui quando não te encontra em lugar algum _ eu disparei dando um gole igualmente pequeno na minha bebida, afinal eu tinha acabado de comer, meu estomago ainda estava cheio.



_ Eu sei _ ele respondeu ainda segurando o copo no ar _ mas é que aqui ele não poderia me matar _ e ele deu outro gole na bebida _ teria testemunhas, sabe? _ e ele deu um sorrisinho de canto de boca.



Ficamos em mais silencio. Eu dei uma olhada no bar mais uma vez e reparei que havia uma pequena TV na parede que ficava atrás do balcão, nela passava a reprise do meu seriado favorito, Família Twist*, sempre gostei desse tipo de seriado (o Pete é o meu personagem favorito, só para constar) é um seriado antigo eu sei, mas o que é que eu podia fazer?



Logo o lugar já não me chamava mais atenção então voltei para a questão “por que ir a um bar para beber leite?”



_ O que é isso? _ eu perguntei me recusando a acreditar que aquilo fosse leite.



_ Leite de camelo _ ele, simplesmente, falou olhando para as mesas de sinuca.



Então aquilo era realmente leite, mas de camelo, o que me deixou confusa, eu pensei que quem dava leite era a camela.



_ Deixa eu provar? _ eu perguntei curiosa e sem esperar pela resposta dele eu peguei o copo, que estava encima da mesa, e dei um gole.



Como ele estava distraído olhando para a sinuca, ele não percebeu meu movimento até que eu já estivesse com o copo na boca ingerindo o liquido.



_ Não! _ ele falou exasperado, mas já era tarde.



Vou te contar uma coisa: que negocio ruim! Aquele troço desceu queimando pela minha garganta e esôfago e chegou borbulhando no meu estomago, aquilo era quente, mas como podia, tinha gelo no copo. Eu fiz uma careta como se tivesse chupado limão, o que levou o João as gargalhadas.



_ Isso não tem gosto de leite _ eu disse asperamente depois que dei um grande gole na coca, isso aliviou um pouco a ardência.



_ Claro que não _ ele disse ainda rindo _ Você já viu camelo dá leite?



_ Não _ eu disse de cara feia cruzando os braços o que piorou a crise de riso dele _ mas eu também nunca vi alguém com quatro mães e quatro pais, no entanto, tô eu aqui!


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_ Ok _ o João disse se ajeitando na cadeira _ Isso aqui _ e ele levantou o copo _ é uma bebida alcoólica, o Arak, é um destilado de tâmara ou de uva, acho que esse é de tâmara _ disse encolhendo os ombros _ enfim é uma bebida de origem árabe que é diluído em um pouco de água e pode ser servida com gelo, se comparada às outras ela é até fraquinha, nem tem gosto de álcool, mas uma coisa eu te garanto: você fica bêbado e de ressaca como com qualquer outra bebida.



_ Mas por que você disse que era leite? _ eu perguntei com menos raiva.



_ Eu disse que era leite de camelo _ ele corrigiu _ é assim que a chamam também, por ter essa cor branca _ ele apontou para o copo que já estava encima da mesa novamente.



Eu fiquei desconcertada, ele ainda riu um pouco e deu outro gole no leite de camelo. Ele percebeu que eu ainda tava chateada com aquela historia então pegou a minha mão e deu um beijo na palma dela, como se eu fosse uma criança a quem ele tentava agradar.



_ Também não é para tanto vai _ ele disse e me puxou para um abraço, mas eu ainda me sentia uma idiota _ Deixa eu te contar uma coisa _ ele falou enquanto eu tava com a cabeça no pescoço dele, mas como eu tava sentada ficou meio desconfortável _ Quando me apresentaram essa bebida, foi na minha festa de dezoito anos, não me disseram o quanto ela era quente e que era melhor tomá-la as goladas, sabe, quando eu ouvi a palavra leite eu pensei “não deve ser nada de mais” então tentei virar o copo. _ nesse momento eu me ajeitei na cadeira para olhar para ele _ Nossa! Foi horrível, quando eu senti aquilo queimando na minha garganta eu tentei cuspi tudo, acabei vomitando até pelo nariz.



Eu dei uma risadinha tímida.



_ O Paulo quis matar meus amigos que tinham me dado a bebida sem um pré aviso _ ele estampou um sorriso nos lábios com a lembrança.



Ficamos ali até ele ter bebido a metade do copo dele (o meu já estava vazio há muito tempo, ele me ofereceu mais um copo, mas eu não quis), quando ele se levantou e disse:



_ Suzan eu vou ali dar uma jogadinha com o pessoal, qualquer coisa é só me chamar!



_ Tudo bem _ eu respondi enquanto olhava para TV, eu assistia o resto da Família Twist.



Segundos depois eu ouvi os homens cumprimentando o João e perguntando se ele queria jogar. Se passaram alguns minutos, e a única coisa que eu conseguia escutar era a gritaria vinda das mesas de sinuca, o que era irritante porque eu tava tentando ouvir a serie, tá certo que eu já tinha assistido aquele episodio sei lá quantas vezes, mas eu gostava, fazer o que?



Como eu tava muito entretida com a TV, tomei um susto quando um homem se aproximou e sentou onde o João esteve sentado.



_ Oi _ ele cumprimento.



Quando ele abriu a boca só veio um bafo de álcool na minha cara, ele estava embriagado obviamente.



_ Oi _ eu disse, o que mais eu podia dizer?



_ Tá sozinha? _ ele perguntou mandando mais uma baforada de cerveja.



Eu, simplesmente, balancei a cabeça dizendo que não e apontei na direção das mesas de sinuca.



_ Tá com um daqueles otarios? _ ele falou _ Então tá tudo “susa”!



Antes que o meu cérebro sequer registrasse o que ele disse, o homem se inclinou para cima de mim e jogou os braços ao meu redor.



_ O que você tá fazendo? _ eu perguntei afastando ele de mim bruscamente, isso quase o levou ao chão.



_ Quer isso gatinha? _ ele disse se aproximando novamente de mim.



_ João _ eu chamei percebendo que o homem tentava me abraçar de novo.



Como o barulho estava muito grande na sinuca provavelmente ele não me ouvia.



_ Deixa esse otario para lá _ ele pediu.



_ Fica longe de mim _ eu gritei na esperança que o João me ouvisse.



_ Que isso princesa? _ ele indagou _ eu só quero um beijinho... _ e ele se aproximou de novo se curvando para mim e eu o empurrando pelo tórax.



_ João _ eu chamei gritando, mas nada dele me ouvir.



_ Se você me der um beijo eu te deixo em paz _ e ele se aproximou de novo querendo me abraçar.



_ TIO _ eu gritei desesperada.



O homem que me abraçava e tentava me beijar parou, ainda com os braços a minha volta, ele parecia ter entrado em estado de choque, nesse momento, como se o tio João (era estranho pensar nele já como tio, mas é que eu nunca tive tios então foi mais fácil, e ele era tão legal) tivesse se lembrado que tinha me levando para lá com ele, ele me arrancou dos braços do homem, o que foi muito bom, e o empurrou para longe.



_ Cara tu pirou? _ o tio perguntou muito alterado ficando na minha frente.



_ Desculpa _ o homem falou desnorteado _ eu não sabia... _ ele passou a mão na cabeça _ ela é a Suzan? A pequena Suzan?



O tio João balançou a cabeça afirmando ainda carrancudo.



_ Desculpa... _ ele balbuciou.



_ Tá tá tá _ o tio falou _ volta para a tua sinuca _ e o empurrou para onde estavam as mesas, que por acaso naquele momento estava silenciosa.



_ Vamos embora Suzan _ e ele me pegou pela mão e me arrastou para fora do bar _ Adriano põe na conta _ ele falou quando estávamos na porta.



Eu tava assustada, aquilo nunca tinha acontecido comigo, afinal o que foi aquilo? Um assédio?



_ Desculpa eu não devia ter te trazido aqui _ ele falou me abraçando pelos ombros e começando a andar para longe do local.



_ Tudo bem _ eu falei em um fio de voz quando ele beijou o topo da minha cabeça _ Como ele sabia quem eu era?



_ Ele não sabia _ o João falou _ por isso ele tentou de agarrar.



_ Mas quando eu te chamei de tio ele paralisou _ eu me lembrei.



_ Isso foi _ e ele deu um risinho de canto de boca _ gostei de te ouvir me chamando de tio.



Eu fiquei calada e baixei a cabeça, não sei por que, mas aquilo me dava um pouco de vergonha.



_ Por que ele me chamou de pequena Suzan? _ eu perguntei levantando a cabeça e olhando para frente.



_ Bem, é por que todos os teus pais têm o maior orgulho de você _ ele explicou _ e falam de você para todo mundo, sem contar o fato de que você é uma experiência genética que deu certo.



Eu suspirei. Nós continuamos andando até que ele olhou no relógio que ele tinha no pulso.



_ Caramba _ o tio disse começando a andar mais rápido _ olha a hora, vem vou te levar para os elevadores e depois vou para o trabalho, isso vai me atrasar um pouco, mas tudo bem.


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Eu estaquei e ele olhou para mim com surpresa pela parada.



_ Tudo bem _ eu disse _ pode ir trabalhar, eu vou sozinha para os elevadores.



_ Tem certeza? _ ele perguntou.



_ Claro_ eu falei com mais segurança _ dá para ver os elevadores daqui, não tem como eu me perder.



_ Ok então _ o tio disse e depositou um beijo na minha cabeça.



Ele se virou e sumiu na multidão.


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*A Família Twist (ou Round the Twist) é um seriado australiano baseado nas histórias do escritor Paul Jennings. Conta a história de três crianças que vivem com o pai em um farol que participam de várias aventuras mágicas e paranormais. O seriado teve início em 1989 e encerada em 2001.