Pouring Rain

Capítulo XV - She likes making a scene everywhere she goes


Se quiserem, apertem o play.

–x–

Eu aposto que você ainda se lembra do meu universo alternativo, aquele onde eu viria de uma grande e poderosa família de reis e rainhas e príncipes e princesas e cavaleiros e todo tipo de gente importante assim e tudo o mais, mas na verdade seria somente um sapo que nunca viria a ser príncipe. Certo?

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Mesmo que eu não seja nenhum cavaleiro valente numa armadura reluzente (e isso rimou), sorrio. Reyna é como uma princesa. Tão delicada, mas ao mesmo tempo tão forte. E decidida. E me confunde bastante, para falar a verdade.

O ônibus chega. Nós nos sentamos juntos, nossos joelhos se tocando. Sua pele tocando o tecido do meu jeans. Ela veste um shorts.

Eu tenho vontade de perguntá-la sobre várias coisas. Se eu interpretei errado o que ela disse sobre nós sermos somente amigos, ou se eu respondera errado. E qual sua cor preferida, porque eu realmente não sei.

Opto pela última opção.

– Reyna… ?

– Hm? – ela desvia os olhos da janela.

– Eu… – coço a cabeça, meio sem graça. Acho que ninguém faz essa pergunta hoje em dia. – qual é… Qual é a sua cor preferida?

Ela ergue as sobrancelhas, claramente surpresa. E, então, dá um pequeno sorriso.

– Roxo. – responde. – como aquelas jujubas roxas, e não outro tom mais claro ou escuro. E nem ameixa! Eu detesto ameixas.

Eu dou risada. Nunca tinha reparado que ela tem essa obsessão por jujubas cristalizadas.

– E a sua? – pergunta Reyna, coçando o queixo. – aposto que é verde. Não. Azul!

– Laranja. – eu indico o pôr do sol do outro lado da janela. – aquele mais puxado para o vermelho, como esse aí. Eu gosto de cores quentes em geral.

Talvez, em outro universo alternativo, eu fosse algum tipo de pintor famoso. Daqueles meio malucos, super-hiper-mega apreciados e respeitados por todos. Eu seria convidado para imortalizar personalidades da época em minhas pinturas, vendendo quadros por fortunas e dando aulas na Itália ou na França. Casaria com alguma filha de um lorde poderoso, mantendo uma ardente paixão por uma musa secreta, a qual retrataria na maioria das obras. Reyna.

Nós permanecemos em silêncio o resto do percurso. Ela distraída, olhando o pôr do sol pela janela e eu, matutando sobre universos alternativos e o quão legal seria comprar algumas telas e tinta à óleo da próxima vez que passasse naquela loja de tintas perto da casa de Piper.

A loja dos Summers fica do outro lado da cidade, um pouco longe de onde o orfanato está localizado. São trinta minutos naqueles bancos de plástico do ônibus, e eu os caracterizaria como os trinta minutos mais torturantes da história dos trinta minutos, mas a presença de Reyna ameniza a tortura e torna o momento até agradável. Ou agradável demais. Bem agradável.

Formidável.

– Eu amo Outubro. – diz ela, em determinado momento. O ônibus parece silencioso, de repente. – amo o Halloween.

– Eu gosto dos doces. – digo, bem sério. Reyna segura o riso.

– Ah, Leo, não diga isso! – exclama. Ela sacode meu ombro, como se estivesse me dando uma bronca, antes de começar a falar. – Halloween não é só doces. Quer dizer, o Halloween é incrível. Você nunca parou para pensar nas origens dele?

Ela arregala os olhos para mim, aquelas obsidianas perfurando minha alma em busca de respostas. Eu suspiro.

– Se fantasiar e pedir por doces?

– Valdez! – Reyna revira os olhos. – será que você só pensa em doces? Eu vou ter que te dar um saquinho de balas de caramelo toda vez que a gente se encontrar?

– Eu prefiro as de café.

Ela me ignora.

– O Halloween, ao contrário do que todo mundo pensa, não tem lá muito a ver com bruxas. – explica. Reyna brinca com a manga do casaco antes de continuar. – basicamente, tem duas origens. A pagã e a católica. A pagã tem a ver com uma celebração celta chamada Samhain, que é a passagem de ano dos celtas. Eles acreditavam que durante o Samhain as almas dos mortos retornavam as suas casas para visitar familiares, buscar comida e se aquecerem próximos a lareira. Mas a invasão das Ilhas Britânicas pelos romanos acabou mesclando a cultura celta e a latina, e a pobre Samhain acabou minguando.

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Reyna me diz que a outra origem, a católica, tinha alguma coisa a ver com o Dia de Todos os Santos e sobre como o Papa Gregório IV criou uma celebração anterior a essa, o Halloween. Ela diz, com um tom um pouco irritado, que a tradição mudou bastante ao decorrer dos tempos. Não entendi muito bem essa parte, mas fiquei com vergonha de pedir para que ela repetisse.

– Só restou uma alusão aos mortos – diz. – mas, mesmo assim, com uma ideia completamente diferente da original.

– E foi quando todo mundo começou a se fantasiar? – pergunto.

– É. – Reyna sorri. – mas eu gosto. Gosto de ver as crianças se divertindo.

– E os doces? – arrisco, segurando o riso.

Ela sacode a cabeça, revirando os olhos.

– Surgiu na Inglaterra. – responde. – muitos protestantes usavam máscaras e visitavam as casas dos católicos para exigir deles cerveja e pastéis, dizendo trick or treat? E aí pegou. A tradição chegou aos Estados Unidos por meio dos colonos, e acho que doces são muito mais gostosos que cerveja e pastel.

– Você é uma Wikipédia humana. – murmuro, erguendo as sobrancelhas.

Isso faz Reyna soltar uma gargalhada altíssima, daquelas de inclinar a cabeça para trás e depois cobrir a boca com as mãos, se inclinando para frente e tentando parar de rir.

– Sério, como consegue guardar tudo isso dentro da cabeça? – indago, tentando usar um tom sério, mas acabo rindo também. – eu não consigo nem ler uma página do livro de História sem querer bater com aquilo na minha cabeça! E o livro é bem grossinho, tá?

Ela ergue uma sobrancelha para mim, o rosto vermelho por ter rido tanto.

– Ok, eu tenho dislexia, mas é só um detalhe. – acrescento, bufando. – e, já que você não é contra esse negócio de se fantasiar... Vai ser o que?

Reyna ergue outra sobrancelhas, franzindo-as em seguida. Ela coça o queixo, os lábios formando uma linha fina.

– Não faço ideia. – responde, derrotada. – é muito tarde para construir um dos vestidos da Maria Antonieta?

– Sim. – rio. – ela era aquela... Aquela dos vestidos enormes, certo?

– Eram divinos. – seus olhos parecem brilhar por alguns segundos.

Reyna, afinal, é apaixonada por História. Em algum momento, ela revela que gostaria de cursar isso. Ou, quem sabe, Letras. Quando o assunto vai na direção de futuro, faculdades, outras cidades, eu comento qualquer coisa sobre suas meias. Faculdade me lembra Percy, e isso me deixa um pouco deprimido.

– Ah. – ela estica as pernas, revelando meias 5/8 da cor cinza, que combinam com a botinha de cadarços. Suspira. – eu não gostei. Quer dizer, eu gosto de usar as de cores diferentes. Mas é que isso não se aplica a 5/8 e... E fica tão fofinho com essas botas que eu não resisti.

Dios, as pernas. Reyna não é muito alta, a não ser quando usa saltos, o que ocorre com frequência. Com todo esse estilo único de se vestir, é normal vê-la com coturnos coloridos, saltos plataforma ou qualquer outro modelo que a faça parecer bem mais alta do que realmente é. As pernas a favorecem. Ela é toda pequenininha, fofa, miudinha, mas tem pernas longas. E, cara, vou te contar...

Valdez, tire esses pensamentos estúpidos da sua cabeça, ordeno.

O ônibus para com um solavanco, quase fazendo com que Reyna caísse em cima de mim. Nós rimos e eu a ajudo a se levantar, prevenindo que alguma tragédia acontecesse.

– Vem cá – digo, quando já estamos na calçada. – você não tem frio? Quer dizer, é inverno. E você usa saias e shorts frequentemente...

Sentindo falta do ar condicionado quentinho do ônibus, enfio as mãos no bolso do moletom. Reyna deve estar congelando.

Ela se inclina nos próprios calcanhares, observando o shorts que mal aparece, coberto por uma camiseta longa e o casaco de lã fina. E dá de ombros.

– Talvez – começa, um sorrisinho sapeca nos lábios. – esse seja o preço a se pagar para poder usar meias 5/8 sem que eu pareça uma nanica!

Quando já estou escondido debaixo dos cobertores, protegido do frio, penso em Reyna e em como nosso relacionamento (eu não tenho certeza se posso usar essa palavra) mudou desde a casa do lago. Eu raramente a via sorrir ou até mesmo gargalhar. Pra falar a verdade, eu raramente a via.

Sorrio. É como eu disse para Jason, naquele dia. Eu não desistiria tão fácil assim.

–x–

Depois de outro treino de futebol, no qual tivemos que nos habituar com o punter reserva, eu corro para o refeitório com um fôlego quase sobrenatural. Quer dizer, eu corri em volta do campo cinco vezes, de onde veio isso?

– Me dá tudo o que você tiver aí que mate a minha fome por quarenta anos. – imploro, tão rápido que quase embaralho as palavras.

A cozinheira ri, me servindo de salada verde e outras coisas que eu não consigo identificar.

– Você quer um cheeseburger também? – pergunta, já colocando o sanduíche em meu prato.

– E fritas. – murmuro, quase anestesiado pelo cheiro da comida.

Eu não pensei que futebol me deixasse com tanta fome assim. Ou talvez seja o fato de que acordei atrasado e tive que vir até aqui correndo, e sem o café da manhã.

Jason acena para mim, da mesa do time. Eu abro a boca, como se para dizer algo, mas dou a volta sem dizer nada e me dirijo até o jardim. Posso ouvir os urros irritados dos outros caras, e rio.

Ao contrário do que esperava, apenas encontro Piper sentada nas mesas de pedra do jardim. Ela remexe com um garfo, sem nenhum interesse na comida, o purê de batatas.

– Hey, Rainha da Beleza. – me sento à sua frente, fazendo-a pular de susto. – nossa, por que todo mundo tá na fossa hoje? O Jason não conseguia nem receber um passe sem que levasse uma bolada na cabeça...

Ela dá de ombros, pescando uma das minhas batatas fritas.

– Eu acho que me dei mal naquele teste de Ciências. – suspira Piper, cutucando o esmalte das unhas. – mas nada grave. Devo ter levado um C+ ou coisa assim.

– Ah, como se fosse horrível. – reviro os olhos. – não se esqueça de que você está falando com o Sr. Nota F.

Ela ri, e um sorriso surge em meus lábios. Nunca gostei de ver Piper desanimada com alguma coisa. Ela sempre foi enérgica, talvez um pouco revoltada demais com as coisas, sorridente e determinada. E um pouco falante demais, mas ok.

Como naquele dia, no primeiro dia de aula. Ela usava duas trancinhas bem feitas, uma de cada lado da cabeça, vestido amarelo e um sorriso banguela. Alguns garotos malvados gostavam de caçoar de suas tranças, e foi por isso que parou de usá-las.

– Você não devia ligar para isso. – dissera eu, oferecendo a outra metade do meu sanduíche de pasta de amendoim e geleia. – eu gosto das suas tranças. É bonitinho. É você.

E Piper não deixou de sorrir o resto do dia. Suas tranças passaram a ser sua marca registrada, assim como o cabelo repicado. E o sorriso, é claro.

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De repente, ela endireita sua postura, mas se inclina para frente, como se fosse dizer algo importante.

– Ei – ergue uma sobrancelha. – o que tá rolando entre você e a Reyna?

Eu engasgo com o refrigerante, tossindo.

N-nada. – respondo. – nós somos só amigos. Por que?

– Oras – Piper dá de ombros, com um sorriso sapeca no rosto. – é que de uns tempos pra cá vocês estão tão... Amigos? Sabe, se falando. Não era assim. E Jason me disse que vocês foram tomar sorvete juntos, e você é quem tinha que me dizer isso!

Eu abro a boca para responder qualquer coisa, mas sua expressão se torna triste e as palavras somem antes mesmo que eu diga um A.

– Poxa, Leo. – e estende o braço, apertando minha mão. – nós somos melhores amigos. Você sabe que pode me contar qualquer coisa.

– E-eu...

– É claro que – e dá de ombros novamente, desviando o olhar. – se você quiser manter isso só para Jason, eu não vou me importar. Garotos...

– Piper. – murmuro, cutucando-a. Ela olha para mim novamente, a curiosidade praticamente transbordando de seus olhos. Rio.

Ela sempre soube como manipular alguém até que essa pessoa fizesse algo que ela quisesse.

– Reyna me perguntou se... – começo, baixinho. – se nós somos só amigos ou não... E eu disse que somos. Eu não quero estragar as co-

– Você é estúpido, Leo?! – Piper se ergue num salto, batendo as mãos na mesa.

– O que?!

Ela revira os olhos, erguendo as mãos ao céu. Eu permaneço em silêncio, temendo algum ataque de fúria que possa resultar em batata frita no meu cabelo e uma lata de coca cola derramada na minha roupa. Eu odiaria ter que me trocar no vestiário.

– Nenhum – diz Piper, num tom extremamente mandão. – repito, nenhum garoto deve dizer isso em hipótese alguma! Meu Deus, ela praticamente perguntou se você gosta dela, Valdez!

Eu ergo uma sobrancelha.

– Você tá falando sério? – indago.

– É lógico!

– E... E ela gosta de mim... ?

Piper se senta novamente, visto que já estava atraindo alguns olhares. Posso sentir meu rosto queimar de vergonha.

– Leo – ela se inclina, fazendo carinho na minha bochecha, como uma mãe que conforta o filho. – Leo, querido... Nenhuma garota faz essa pergunta se não sentir nada pelo cara. A menos que ela realmente queira distância de você.

– Eu voto pela última opção.

Piper balança a cabeça, visivelmente irritada comigo. Eu sou tão estúpido assim?

Antes que eu possa simplesmente pensar sobre o assunto, ela tira um saquinho do bolso do casaco.

– Falando em Reyna – diz, jogando-o para mim. – ela faltou, sabe? Deve estar doente. Ela me ligou e pediu pra te comprar isso aí.

Abro o saquinho prateado, espiando o interior.

Sorrio.

Balas de café.