\"\"

Depois da tarde insana no Misturama, passei alguns dias sem aparecer por lá. O Nando, com certeza, soltaria piadinhas sobre a situação e eu não estava disposta a lidar com aquilo.

Porém, mesmo sem entrar, eu tinha que passar em frente do restaurante para ir a qualquer lugar e numa dessas vezes, me deparei com Ju e Dinho sentados, jogando conversa fora. Era uma cena normal e cada vez mais habitual, mas eu não conseguia vê-los sem sentir uma contração involuntária no estômago e uma vontade ferrada de vomitar. Aquelas sensações se acumulavam dentro de mim e eu sabia que não me faziam bem.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Depois de mais um dia solitário pensando em Ju e Dinho, resolvi que ficar em casa só me faria pensar mais e mais nos dois. Decidi ir até a casa do Gil – já que pretendia evitar o Nando até ele esquecer os últimos episódios – e convidá-lo para tocar guitarra. Aquilo sempre aliviava minhas tensões.

Ao chegar na frente do meu prédio e cumprimentar o Severino, olhei de um lado para o outro para ter certeza de que não vinha carro na rua, mas ao olhar na direção do Hostel, vi o Dinho com uma mala e uma mochila nas costas.

A angústia tomou conta de mim e em segundos eu me vi do lado dele. Foi inevitável não lembrar da cena de um ano atrás, quando Dinho ia embora com a mesma mochila que levava nas costas naquele momento.

“Sentiu saudades da gringa e vai voltar a andar pelo mundo?” Perguntei irônica, tentando esconder o que realmente eu queria saber: ele ia embora para encontrá-la de novo?

“Ah...E aí, Lia.” Ele me olhou sem interesse e voltou a procurar algo na bolsa. “Te interessa saber para onde eu vou?”

Fiquei chocada com aquela resposta e o desdém com que ela veio.

“Não...” Juro que tentei encontrar uma resposta boa o suficiente, mas meu cérebro não foi rápido o bastante.

“Estou viajando a trabalho, mas eu sei me divertir em qualquer situação, então...” Ele sorriu mais para si do que para mim e aquilo me incomodou. Não era o Dinho dos últimos tempos, mas o Dinho que todo mundo pregava antes do nosso namoro: O Pegador.

“Tanto faz. A Juliana já sabe dessa sua intenção de ‘divertimento’?” Tentei atingi-lo.

“Ela sabe da minha viagem.” Ele me encarou, mas seus olhos estavam diferentes desde a última vez que nos vimos. “Agora você já pode ir, vai pra casa do pichador, certo?” Ele apontou com a cabeça para a guitarra que eu levava nas costas.

“Certo.” Respondi no mesmo tom.

“E o Bruno já sabe dessa sua intenção de ‘divertimento’?”

Se antes meu cérebro não conseguiu uma resposta, dessa vez ele congelou.

Bruno? Como ele sabia de mim e do Bruno?

A imagem da Fatinha me veio à cabeça: “Ficar na frente do colégio não é o melhor canto para se esconder, muita gente viu e os assuntos correm.” Ele sabia! Dinho viu ou escutou a história.

Pensei em explicar a situação, dizer que tudo aconteceu sem planejamentos e que foi somente algo casual, que ele não precisava se chatear comigo e... Peraí, Lia Martins! Explicação pro Adriano? Pra quê? Toma tendência, garota!

Enquanto eu conversava comigo mesma, um táxi parou diante de nós e Dinho foi depositar sua bagagem no porta-malas.

“Pra onde você vai?” Dessa vez meu tom de voz era quase de súplica.

Ele pareceu querer dizer o que faria, mas depois deu um sorriso sarcástico.

“Lia, desde que eu voltei você fugiu de mim e das minhas explicações. Nunca precisou dizer às claras que preferia que eu nunca tivesse voltado, mas suas reações falaram por si. Então qual é a diferença agora? Qual a mudança que vai ter na sua vida se você souber que viajarei para uma cidade aqui do lado do Rio ou para o Japão? Nenhuma diferença.”

“Eu... Só quero saber pela Juliana.” Menti.

“A Ju sabe para onde eu vou e eu já disse isso a você. Além do mais, se você parasse de ser tão orgulhosa e procurasse sua amiga, saberia que ela tem coisa melhor a fazer do que ficar preocupada com as minhas viagens.”

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

“O que você quer dizer?”

“Quero dizer que você devia fazer como a Ju: se meter na sua vida ou na de quem quer que você se meta, no seu caso, o Bruno.” Ele fez uma careta.

“O Bruno não tem nada a ver com isso, você nem sabe o que aconteceu.” Estava irritada com ele falando coisas sem ao menos me deixar explicar.

“É ruim, não é? Quando te julgam sem nem ao menos te escutar? Quando te cortam sem te dar a chance de explicar as coisas, de assumir seus erros ou seus acertos.” Ele me encarou pra valer e eu senti lágrimas se formando em meus olhos.

Dinho não me tratava daquela forma há muito tempo e aquilo doeu.

“Dinho, eu...” Resolvi explicar o que tinha evitado antes, sobre o Bruno.

“Até mais, Lia.” Ele entrou no táxi sem me dar atenção e nem sequer me olhou quando o carro partiu.

Senti o mesmo vazio de um tempo atrás. A sensação de que o havia perdido sem deixá-lo dizer nada, sensação de que deixei meu orgulho ficar entre nós e de tudo que vivemos.

Como de costume, o orgulho e o rancor que eu sentia de todos que me decepcionavam, se manifestou dentro de mim na mesma velocidade que a angustia e eu só senti raiva enquanto via o táxi dobrando a rua ao longe.

Andei a passos pesados e com os punhos fechados até a casa do Gil, batendo com força exagerada na porta da casa do meu amigo. Ele me atendeu.

“Lia?” Ele disse surpreso ao me ver. Não esperei convite e entrei.

“E aí, Gil. Pô, eu tava sem fazer nada e pensei que a gente podia tirar um som...”

“Oi Lia!”

Me virei e dei de cara com a Ju, jogada no sofá da sala e me encarando tímida.

“Ju? Você? Aqui?” Perguntei sem esconder a surpresa.

“Não deu tempo de te avisar, Lia...a gente tem se desencontrado bastante. Nós voltamos.” Gil falou enquanto passava por mim, sentava-se ao lado da it-girl e os dois trocavam um selinho carinhoso.

“Voltaram?” Eu perguntei. Meu cérebro estava muito enferrujado, eu geralmente processava as coisas mais rapidamente. “Voltaram a namorar?”

“É.” Gil franziu o cenho sem entender qual o motivo da dúvida.

“E o Dinho?” Perguntei me direcionando a Ju, sem me importar com a presença do Gil.

Ambos se entreolharam e sorriram depois de alguns segundos.

“Amiga, eu pensei em ir a sua casa pra gente conversar, mas não sabia como seria recebida e, bom, estava com saudades do Gil, estou aproveitando o tempo.” Ela riu e deu outro beijo carinhoso no namorado.

“E o Dinho?” Perguntei novamente, tentando achar as figurinhas daquele álbum incompleto.

“O Dinho nada, Lia. Foi ele quem nos ajudou a voltar.” Gil respondeu, sorrindo para mim.

“O Dinho? Vocês? Ajudou?” Estava feito, meu cérebro quebrou de vez.

“Lia, eu e o Dinho, não rolava nada. Era amizade. Eu estava mal pelo Gil, ele estava mal por...Bom, ele estava mal.” Ela pareceu não querer dizer algo. “O outdoor foi um trabalho que nós fizemos, totalmente profissional e acabou dando aquele rolo todo. Eu tentei te explicar, explicar pro Gil também, mas vocês são duas cabeças duras! Não é estranho que se entendam tão bem.” Senti um leve toque de ciúmes em sua voz. “O importante é isso: não tinha nada.”

“E aquela manhã? Que eu fui até o Hostel. Vocês dois, na cama...” Não quis dar detalhes, não sabia se o Gil estava ciente do ocorrido.

“Peraí, cama?” Ele se ajeitou no sofá. Eu estava certa: ele não sabia.

“Pshiu!” Ju olhou feio para ele. “Eu fui até lá depois da uma briga com o Gil, quis dormir lá para não ter que enfrentar o Bruno, o Gil, você, ou todo o resto... Nós até pensamos que poderia dar certo, mas não. Não dá! Não rolou nada. Você só chegou na hora errada e tirou as conclusões erradas. Como tem sido frequente ultimamente.”

Minha ficha caiu. As explicações que Dinho disse querer dar na hora que pegava o táxi, eram aquelas! Ele e Ju não tiveram nada, nem no outdoor, nem na cama, nem em canto nenhum. Eles só eram duas pessoas que estavam se ajudando, assim como eu e o Gil.

Foi interessante pensar que, antigamente, as pessoas cismavam que eu e o Gil tínhamos alguma coisa, simplesmente porque sabíamos conviver com nossos problemas juntos, respeitávamos a dor do outro. Esse papel agora era de Ju e Dinho, e eu me senti uma idiota por não ter ouvido os dois, além de ter feito acusações.

“Bruno...” Falei alto, pensando na burrada que tinha feito, e pior, deixado a burrada ter sido vista.

“É... O Dinho viu vocês dois. Eu também vi.” Gil falou incerto.

“Mas...ele não tem nada a ver com isso. Sobre o Bruno, certo? Ele me traiu com a Valentina, viajou com ela, passou um ano sem dar notícias e agora voltou querendo ser meu amigo? Ainda achando ruim meu namoro com o Vitor ou o que quer que tenha acontecido com o Bruno?”

“É, ele fez tudo isso, Lia. Mas ele voltou.” Ju me encarava.

“Ele não voltou por mim.” Rebati.

“E você deixou ele falar para saber se não foi por você?” Ela respondeu.

Quis me sentar, colocar as mãos entre a cabeça e chorar. Externar a raiva que eu sentia do Dinho, - por ter feito o que fez – e de mim, por mesmo querendo, não ter me permitido ouvi-lo. Eu poderia até julgá-lo depois, mas deveria ter ouvido primeiro.

“Às vezes, Lia, a verdade pode doer, pode te fazer encarar coisas que você teme e pode até fazer estragos, mas elas tem que ser ditas, certo? E em todos os casos, elas são melhores do que as mentiras ou do que os mal entendidos.” Gil falou e eu me surpreendi por ele ter chegado a tal conclusão, sabia que ele falava da própria história com a Ju, mas que o conselho também servia pra mim.

“Ele viajou.” Falei confusa.

“Ele volta, ele viajou a trabalho.” Ju sorriu, solidária.

“Esteja preparada para quando ele voltar.” Gil fez o mesmo que a namorada.

Senti um alívio maior do que jamais sentira ao saber que ele voltaria. Não iria precisar esperar mais um ano para fazer as perguntas que eu queria fazer a ele, nem para dizer toda a raiva que eu sentia e toda a dor que eu guardei. Iria fazê-lo ver o que passei, o quão foi difícil e como me senti traída não pelo ato em si, mas por toda a situação. Teríamos a conversa que ele me pediu antes de ir embora, teríamos uma chance de jogar limpo.

“Vocês são os melhores amigos, casal de namorados e pandas do mundo!” Falei fazendo um bico, enquanto me jogava por cima dos dois e era abraçada e consolada por ambos.

Pedimos uma pizza aquela noite, jogamos conversa fora e depois eu fui à casa da Ju, comer nosso tradicional brigadeiro. Falamos sobre a volta JuGil e todos os detalhes – fofos demais pro meu gosto -, minha ficada com o Bruno, o meu término com o Vitor e a psicopatia do Sal.

Evitei falar do Dinho. Queria guardar tudo para quando o visse. Suas digitais estavam tão impressas em mim, que era impossível apagá-las e eu agradecia por isso.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!