As coisas estavam mais calmas, a euforia do dia foi substituída por um imenso cansaço que tomava conta dos três.


Haviam aproveitado um banho prolongado, depois de uma refeição. E agora estavam separados em dois quartos. O quarto de Zeniba fora dividido entre ela e sua irmã, que discutiam baixinho. As duas sempre estavam brigando por alguma coisa. E no quarto de Boh, estavam ele e Chihiro, que estavam sentados na única cama do aposento. Nenhum dos dois queria ficar junto de Yubaba e agradeceram internamente pelos arranjos que Zeniba fizera.


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- Eu deixei de morar com Yubaba. – disse Boh, explicando a presença de grande parte de seus pertences ali. – O clima estava se tornando insuportável.


Chihiro se remexeu, brincando com a barra da camiseta que Zeniba lhe emprestara. Era muito grande e lhe cabia como um vestido largo demais. Boh sabia que ela estava se sentindo incomodada.


- Queria saber o que aconteceu... – comentou baixinho.


- Quando? – ela estremeceu quando Boh pegou uma mecha de seu cabelo molhado e começou a enrolá-lo entre os dedos.


- Não entendo muito bem como tudo isso começou.


- Foi meio que culpa de Yubaba. Embora, na época, ela não soubesse no que isso fosse resultar.


- Como assim?


- Ela vendeu Sem Rosto. Ele estava morando aqui com Zeniba e há muitos anos atrás apareceu na Casa de Banhos um ser procurando por um Deus Errante. Atiçou a ambição dela com alguns diamantes e ela lhe deu em troca o que ele queria. – falou com azedume.


- Mas então vocês sabem quem é!


- Não, ele estava se protegendo bem. Acho que aquilo que conversou com Yubaba era um demônio, e ela nem percebeu... Passou-se muito tempo sem termos notícias dele, até que eu descobrisse o que ela havia feito. Sem Rosto estava feliz aqui. – comentou emocionado. – Yubaba disse que foi roubada, um deus endiabrado que havia lacrado quando era jovem, ele se instala num hospedeiro e pode controlá-lo. Por isso as cópias precisam de sangue... É o que esse deus pediu em troca de fazer o serviço. Ela acusou o Bedel de ser o autor dessa confusão, lembra-se dele? – não esperou pela resposta de Chihiro. – Porém, pelo que Zeniba tem visto, não pode ter sido ele.


Chihiro suspirou.


- Então, por que estão tentando tanto achar o Sem Rosto original?


- Se conseguirmos retirar o que o controla, podemos coagir o deus a nos contar ou pelo menos nos dar uma pista de quem está fazendo isso. Por enquanto, não podemos atingi-lo.


Tirou os óculos do rosto e esfregou os olhos com os dedos da mão direita. Encostando a cabeça na parede, virou-se para Chihiro.


- Você é forte... eu sei que sim. – ouviu-a murmurar.


- Mas não o suficiente.


- Não quero que parta. – afirmou, retomando a conversa perdida. O olhar dolorido retornando.


Boh tocou seu rosto e lhe deu um plácido sorriso.


- Sabe que não pode ter tudo


- Eu sei... Mas não me sai do peito essa sensação. – baixou a cabeça, envergonhada. – Sei que não quer conversar sobre isso.


- Que sensação? – ignorou as últimas palavras dela, levando seus dedos até o queixo da menina forçando-a a olhá-lo.


- A de que Haku não está morto.


- Chihiro, eu vi o corpo dele.


Ela balançou a cabeça, relevando a informação.


- Eu nunca acreditei realmente.


- Não faça isso consigo mesma. – implorou Boh. – Vai ficar tudo bem.


- Não é isso, Boh! – afirmou exasperada. – Eu não quero ter que escolher.


- Eu não creio que seja uma questão de escolha... – afirmou pausadamente.


- Lute, é a única coisa que estou pedindo.


Boh encarou aqueles olhos escuros, procurou as justificativas para aquelas palavras.


- Você está fraquejando? – perguntou, vendo aqueles orbes negros se arregalarem. Viu o tremor nos lábios dela.


- Eu sei que Haku não está morto, e se você se sacrificar por isso... – não completou a frase.


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- Chihiro, por favor.


- Não posso refrear isso, Boh.


- Que provas você tem? – afastou-se dela deliberadamente, o rastro quente de seu contato esfriando rápido demais. – Não me peça para ficar! – o sussurro foi cortante.


- Bou... Você tinha razão, eu não sei quem é Haku. E eu acreditei todo tempo que o amava e era verdade, porém... – doía-lhe dizer isso, abdicar de seu muro cuidadosamente construído. As resoluções que havia tomado eram tão fracas, mas ela sabia que iria fraquejar, como dissera Boh. A baixa voz no fundo de sua mente lhe falava a verdade. – Eu preciso de você, e você é real. – tocou os cantos da boca dele, como que para constatar o fato de sua materialidade. – Preciso mais do que aquela lembrança que tenho, pois você está aqui na minha frente. E eu tenho medo que não esteja mais daqui a algum tempo. – balançou a cabeça. – E porque eu tenho esse pressentimento, não significa que vá correr para os braços dele quando o vir. – abaixou a cabeça, sentindo a fragilidade de sua posição. – Eu disse-lhe uma vez que nunca amaria alguém da mesma forma que amei Haku. E isso é verdade, mas... – tomou-lhe as mãos e viu que ele a encarava seriamente e isso a incitou a continuar. – Eu te amo de uma maneira diferente, pode ser menos intenso, mas é mais reconfortante. Não quero criar um desespero, sabendo que você vai partir.


- Meu anjo. – ele estava emocionado, colocou os óculos novamente em seu rosto para que pudesse vê-la de verdade. – Sabe do que está falando? – perguntou para ter certeza, rompendo o momento de seriedade. Chihiro riu.


- Acho que sim... – brincou, prendendo os olhos nos dele. O silêncio se aprofundando, ela arrepiou-se ao ouvir o murmúrio satisfeito de Boh.


- Então, diga novamente. – pediu. Procurando os lábios dela com os olhos.


- Eu te amo, Bou. – as quatro palavras tiveram um efeito mágico, puxando-o para a boca entreaberta que aguardava pelo contato.


- Eu também te amo. – respondeu aproximando-se, sentindo a respiração dela tocar suas bochechas fazendo-lhe cócegas. Tocou-lhe os lábios com sua comum gentileza, sem deixá-la se afastar.


Mesmo assim, estava decidido.