Leiam as notas iniciais.

Abro meus olhos e, por uma fresta de luz, consigo enxergar uma prateleira enorme com vários objetos, quebrados e inteiros, roupas e pedaços de ferro amontoados.

Praticamente enxergo o resto do cômodo com tão pouca luz, por que ele é terrivelmente pequeno.

Quase me sinto claustrofóbica.

Percebo que estou numa cama. De madeira, com colchão.

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Um frio percorre minha espinha só de pensar que posso estar novamente no Edifício, trancafiada num sótão, desta vez, por ter fugido.

Sento no colchão e vejo que a luz vem de uma janela. Aquele tipo de modelo de ferro, com grades decoradas, que existia na minha casa nas casas, antes.

Está emperrada, quando tento abri-la, por isso olho pela pequena abertura.

Não há cimento, tropas, ou nada que indique a rua do Edifício.

Além do mais, estou no térreo, e não embaixo da terra.

Do outro lado da janela, vejo mato morto e pedaços de madeira, das antigas árvores, e um pouco de entulho.

Percebo, também, que estou dolorida. Provavelmente minha descida não foi muito bem calculada.

Respiro fundo e, assim que meus pés tocam o chão, para me levantar, uma porta se abre e me encolho com a claridade que vem do outro lado.

– Ora, ora. Pensamos que não iria acordar tão cedo. – Diz a pessoa.

Me enrijeço, pois conheço essa voz.

E eu odeio o dono dela.

Levanto os olhos e encaro o homem apoiado na porta, me olhando.

Minha garganta está seca demais para que eu fale qualquer coisa. Mas ele sabe.

– Lembra de mim? Dave? – Ele ergue as sobrancelhas.

Claro que lembro, quero dizer a ele, continua igualzinho: feio, irritante e repugnante.*

Em vez disso, apoio as mãos na cama e pisco.

Dave revira os olhos.

Outra figura vem por trás dele.

E é aí que eu realmente me assusto.

Ele está mais velho, cabelos um pouco grisalhos, perdeu o porte físico, está com um pouco de barriga.

Rio só de pensar em falar isso para ele.

Carl permanece com o mesmo olhar de quando os deixei, autoritário e paternal.

Senti saudades dele.

Mas agora sei onde estou.

Minhas lembranças vem com tudo...


Foi um pouco depois de sair de casa. Estava procurando abrigo entre as casas abandonadas e acabei dormindo encostada numa antiga lata de lixo.

Quando acordei, duas sombras (que mais pra frente descobri ser Carl – um homem negro, de mais ou menos 40 anos - e uma senhora – cabelos castanhos desgastados, com olhos fundos) me olhavam.

Perguntaram o que eu fazia ali, e eu simplesmente disse que estava perdida. Perguntaram se eu tinha alguém, família.

Respondi que não.

Se entreolharam e decidiram me levar com eles.

Fomos conversando, o caminho todo.

Perguntaram meu nome, de onde eu era (pergunta que eu evitei), e também perguntei a eles, de onde eram.

Disseram que eu iria ver logo.

Passamos por ruas proibidas, bairros abandonados e locais esquecidos, a senhora ia à minha frente e Carl ao meu lado.

Entramos em uma casinha aos trancos e barrancos, descemos ao sótão e, quando fechamos a portinha por onde descemos, pensei que tudo fosse vir abaixo, pelo jeito que a casa tremeu.

– Não se preocupe, passamos por aqui sempre. – Carl me tranqüilizou – Nada vai sair do lugar.

Do sótão, partimos por um túnel.

O caminho por ele foi tão escuro que dei a mão para a senhora, e me encolhi ao seu lado.

– Você vai se acostumar a passar por aqui. – Disse ela – Vai passar todo esse caminho sem nem mesmo pensar para onde vai. Ah, e me chame de May.

No final do túnel, havia uma porta. E eu só consegui enxergá-la (segundos antes de dar de cara com ela) por que percebi a luz que surgia por baixo da mesma.

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– Chegamos – Disse Carl.

Ele abriu a porta, e então eu vi.

Uma comunidade.

Umas duas quadras de esporte das escolas talvez... Mas não tinha como ter certeza. Havia casas – ou barracos, eram meio termos – envolvendo tudo, como uma proteção. No centro, era onde tudo acontecia.

Havia mulheres lavando roupas em bacias com água, alguns homens conversando e construindo coisas.

Também um grupo de crianças, num canto mais distante, sentadas, olhando para um garoto – mais velho – que lhes contava algo.

Algumas crianças começaram a olhar para mim e cochichar, o garoto se virou.

Olhos cinza. Foi a primeira coisa que notei em seu rosto. O cabelo preto fazia o contraste perfeito com a pele clara e a face calma. Acenou com a cabeça para Carl e voltou-se para as crianças.

Ele tocou meu ombro e olhei para os lados.

Pensava que aquilo fosse subterrâneo, por causa do túnel, mas o Sol brilhava esplendidamente naquele ponto, como se nunca tivesse ficado velho ou cansado. Não havia nuvens, e o céu era cinza azulado, como sempre. Mas não importava, existia um Sol ali, e eu estava feliz em vê-lo brilhar novamente.

Olhei maravilhada tudo aquilo. Pensei que só houvesse aquela população das ruas: solitárias, coitadas, vivendo por viver.

Aqui não, aqui há pessoas vivendo por um propósito. Que acreditam que, talvez, possa haver um futuro nesse mundo terrível de hoje.

– Teremos que te encaixar em algum lugar – Disse Carl.

Desgrudei, devagar, os olhos daquele sonho, e olhei para eles.

– Ela pode ficar comigo, por enquanto. Tenho uma cama sobrando. – Ofereceu May.

Perguntaram se eu aceitaria, pelo menos por hora.

Respondi de uma forma tão feliz que nunca havia imaginado ser capaz de me sentir assim novamente:

– Com certeza!


– Você está diferente – Fala Carl, com os braços cruzados, me tirando das lembranças – Mais alta, ahn... Cansada? – Limpou a garganta – Me dói dizer isso... Está mais madura.

Sorrio para ele.

Levanto e corro ao seu abraço.

– Senti saudades – Disse, com a voz quase inaudível de tão rouca.

– Nós também. – Me segurou pelos ombros – não deveria ter partido.

Pisquei rápido.

– Eu nã... – Começei, quando uma terceira pessoa chegou no quarto.

Dave deu espaço á ela e saiu, finalmente.

A mesma senhora que me ajudou a fugir do Edifício, está agora na minha frente. E, agora, eu sei de onde a reconheço...

– May... – Murmuro.

– Olá, querida – Ela sorriu, calorosa. – Talvez queira um pouco de água.

Me sento na cama, e estico as mãos para o copo na bandeja, que ela trouxe consigo.

Bebo tudo em um só gole e me sinto mais desperta.

Minha barriga ronca tão forte que dói. Quase me esqueço que ainda estou com fome.

– Bem na hora. O almoço está pronto. – Carl me oferece a mão. – Vamos.

Aceito e vou com eles, me reencontrar com minha segunda casa.


Há mais crianças.

Elas estão correndo e brincando como se nada estivesse acontecendo lá fora.

Algumas param para me olhar e depois voltam-se para os amigos.

Os adultos também me olham. A maioria lembra de mim, mas hesita em vir ao meu encontro.

Carl me guia com a mão em meu ombro.

É claro que eu me lembro de onde fica o refeitório, mas agradeço sua companhia.

May caminha ao meu lado contando como conseguiu entrar no Edifício.

– Todos estavam tão ocupados com outros fugitivos que saíram correndo e deixaram tudo aberto. Nem me viram.

– Soube sobre o que eles estavam tão preocupados? – Perguntei.

Passamos por detrás das casas, e chegamos ao refeitório.

Era um espaço grande, com mesas e bancos de madeira, o teto era uma lona velha e gasta.

– Eu ouvi rumores. – Sussurrou Carl – Uma garota e um guarda fugiram. Warner está uma fera.

– Há guardas por todos os cantos do setor – comenta May.

– Ela deve ser importante – murmuro.

Pouco antes de pisarmos dentro do local, o cheiro de comida já domina o espaço. Meu estômago responde na hora.

Tinha esquecido que aqui eles tem comida de verdade, como no Edifício.

– Ela deve ser especial. – Carl senta-se na mesa, e eu sento na sua frente. May diz que vai buscar algo para comermos e sai de perto. – Digo, deve ter um alto valor.

Ele se debruça sobre a mesa, chegando mais perto.

– Você conheceu alguém, quando estava lá? Alguém que pudesse ser essa aí?

Recapitulo minha estadia no Edifício:

Cama. Banho. Comida. Guardas...

Garota.

Juliette

– Hã, talvez. Ela era estranha.

– Como assim? – Questionou.

– Ela meio que quebrou uma parede de concreto, sabe. – Dei de ombros como se fosse algo normal de se ver. Uma menina que quebra concreto com as próprias mãos. Nada demais.

Ele não pareceu surpreso.

– Isso seria de grande valor para Warner – refletiu.

Seria – Respondo na minha mente.

Vejo May voltando com uma bandeja nas mãos, um garoto, ao seu lado, trás outra.

Fecho meu rosto. Paro meus pensamentos. Todo o resto some.

Por que não é qualquer garoto, é ele.

Drake.

Leiam as notas finais.