In Wonderland

A Canção de Ninar do Chapeleiro Maluco


Alice sorriu amarelo para o Chapeleiro e enroscou os dedos desconfortavelmente. A menina não sabia o que falar, então só lhe restava sorrir enquanto planejava um discurso.

– Você está pensando – disse o Chapeleiro. – Isso a impede de falar.

Quanto a isso Alice não soube o que responder, mas começou a balbuciar alguma coisa.

O Chapeleiro se limitou a interrompê-la: – Esse é o Caxinguelê – ele indicou um caxinguelê que parecia estar dormindo, mas acenou mesmo assim. – E essa é a Lebre De Março – ele indicou a lebre com a cabeça.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Prazer – a menina esboçou um sorriso forçado.

– Está sugerindo que está feliz em conhecer-nos? – perguntou a Lebre.

– Exato – a menina sorriu de canto.

– Nesse caso devia dizer o que pensa – disse a Lebre em um tom severo.

– Eu digo... – Alice respondeu apressadamente. – Ou pelo menos, penso o que digo... É a mesma coisa, não?

– Nem de longe a mesma coisa! – exclamou o Chapeleiro. – Seria o mesmo que dizer que “vejo o que como” é o mesmo que “como o que vejo”!

– Ou o mesmo que dizer... – nesse ponto a Lebre parou e seus olhos se encheram de lágrimas.

– Achei que nunca mais viria! – disse o Chapeleiro para alguém que estava atrás de Alice.

Alice se virou curiosa para descobrir quem estava ali. Raphael apenas sorriu e se sentou ao lado de Alice.

– Espero não estar sendo inconveniente – ele falou em um tom desagradável.

O Chapeleiro apenas sorriu, parecendo muito satisfeito com a visita do rapaz.

– Pode apostar que está – disse Alice, baixo o suficiente para que apenas Raphael ouvisse.

– Quieta – ele falou no mesmo tom com um olhar gélido.

Alice ficou petrificada pelo olhar, mas começou a colocar a mente para trabalhar, afinal ela tinha que achar um jeito de falar com o Chapeleiro sobre como sair dali sem Raphael ver.

Raphael estreitou os olhos para a expressão da menina e prosseguiu.

– Sabe, a rainha ficou uma fera com seu comportamento Chapeleiro! – exclamou ele. – Devia ter comparecido ao julgamento, sabe disso.

– E ela devia ter comparecido ao chá! – o Chapeleiro falou indignado. – Ela é louca!

Alice soltou uma grande risada e acrescentou: – Concordo plenamente!

Raphael olhou descrente para a coragem da menina e balançou os ombros.

– Ela é somente rígida – Raphael disse.

– Como uma tábua – o caxinguelê falou dormindo, quase que sonambulo.

Alice soltou mais uma risada pela situação do Caxinguelê.

– Não devia rir de assuntos sérios – disse o Chapeleiro.

– Desculpem, oh, não sei como me portar aqui – a menina respondeu. –, mas foi engraçado.

Raphael revirou os olhos, impaciente com o comportamento de Alice.

– Nesse caso, Alice, você não deveria ter fugido– o rapaz lançou novamente um olhar gélido para Alice.

– Se conhecem? – perguntou o Chapeleiro.

– É uma prisioneira – disse Raphael com desdém. – Vai ser levada a julgamento.

Nesse momento o Chapeleiro caiu na gargalhada junto com a Lebre de Março, até o Caxinguelê, que ainda estava dormindo, começou a rir.

– Isso é sério! – Raphael disse aborrecido.

– Seríssimo! Seríssimo! – gritaram em coro o Caxinguelê, o Chapeleiro e a Lebre de Março.

– Ora, vocês são loucos! – aborreceu-se Raphael. – Nem ao menos sabem do que estão rindo.

– Pois saiba que loucura é uma questão de opinião! – gritou o chapeleiro e jogou a xicara de chá longe.

De repente, Alice se solidarizou com o Chapeleiro. Ela se lembrou da única vez que fora visitar sua mãe no hospício e de como os hematomas ficaram em sua pele por meses, mas a única coisa que a machucou foi ver sedarem sua mãe.

Quando Alice despertou de seus devaneios, o Caxinguelê havia voltado a dormir, a Lebre de Março estava emburrada, Raphael parecia furioso e o Chapeleiro choramingava.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Você costumava ter a mente mais aberta – disse a Lebre de Março. –, antes de ir trabalhar para rainha. Quando ainda morava com a gente...

– Ela só me salvou da loucura que era essa casa – disse Raphael. – Aliás... Que ainda é.

Alice levantou as sobrancelhas. Como assim Raphael morava com o Chapeleiro?

– Você morava aqui? – a menina perguntou antes que pudesse se controlar.

– Morava – o Chapeleiro respondeu. –, mas ele parece ter esquecido quem o criou.

– Ah, já chega! – exclamou Raphael impaciente, enquanto se levantava e puxava Alice pelo braço. – Vamos!

O rapaz expressou tanta autoridade, que Alice nem ao menos se atreveu a juntar coragem para protestar.

– Certo – ela murmurou.

Raphael saiu arrastando Alice e por um longo tempo e a menina estava bastante aborrecida por não saber para onde os dois estavam indo, mas não quis perguntar nada. Em um momento ele simplesmente parou e a encarou, ainda ferozmente.

– Nem uma só palavra sobre meu contato com o Chapeleiro para alguém, ou te matarei com minhas próprias mãos – prometeu Raphael.

– Eles te criaram? – Alice perguntou num surto de coragem.

– Não é da sua conta – o rapaz grunhiu.

– Tudo bem, isso é um sim – a menina murmurou.

– Você não sabe nada sobre isso, e nem deve saber – o rapaz voltou a arrastar Alice.

Alice suspirou e por fim disse: – Eu sei andar sozinha.

– É e sabe fugir sozinha também – ele falou ainda irritado. –, mesmo quando me deu sua palavra de que não iria fugir.

– Pessoas podem quebrar palavras – a menina murmurou.

– Vamos baixar acampamento, e dessa vez você não vai fugir – Raphael falou.

– Veremos – a menina falou no mesmo tom cortante.

Alice sempre gostou de se mostrar mais corajosa do que se sente, ela fez isso a vida inteira, mas a verdade é que ela estava com muito medo daquela situação.

Os dois continuaram caminhando, (na verdade Alice continuava sendo arrastada), até chegarem a uma arvore oca, como a primeira em que haviam acampado.

Raphael pegou uma corda e começou a amarrar Alice com uma força desnecessária. A menina se limitou a bufar teatralmente. O medo de Alice só aumentou quando o rapaz pegou a adaga.

– Se tentar fugir, vai para bem além dessa vida – ele avisou.

Raphael se encostou ao canto oposto do tronco e observou Alice. O tempo passou e nenhum dos dois dormiu, já devia ser de madrugada quando o ódio diminuiu.

– Pode me contar uma história? – Alice pediu timidamente.

Raphael levantou as sobrancelhas surpreso, e disse: – O que gostaria de ouvir?

– Qualquer coisa – Alice deu de ombros, mas não conseguiu disfarçar seu medo.

– Uma coisa para espantar o medo? – Raphael provocou-a.

– Eu não estou com medo – a menina protestou.

– Tudo bem... Que tal uma canção de ninar? – ele perguntou.

Alice sorriu e assentiu.

Ele retribuiu e por fim disse: – Vou cantar a que o Chapeleiro cantava para mim.

“Era uma vez um elfo encantado que morava num pé de caqui. Em cima morava um duende safado, que vivia fazendo pipi. Um dia o elfo se aborreceu e na porta do duende bateu foi nesta ocasião que eles então se casaram”.

Alice gargalhou e por fim fechou os olhos.

– Isso é a cara dele – a menina murmurou. – Por que agora decidiu admitir que foi criado por ele?

– Não ache que é grande coisa, afinal, você já estava convencida que de fato era verdade – ele deu de ombros com desdém.

Alice dormiu, pensando no quão estranha era aquela situação: O seu sequestrador havia cantado para ela, Alice, a música que o Chapeleiro Louco cantava para ele.

Alice sorriu em meio ao seu sono leve: Isso certamente daria com o que sonhar.