Mais Do Que Você Imagina

A revolta dos arbustos


POV Chris

Olho para meu relógio, enquanto espero a escola abrir novamente. O pior de ter detenção era tê-la sem saber o porquê estava sendo punida. Passo alguns minutos sentada em um banco de madeira cuja tinta descascava graças às chuvas e maus tratos.

Quando uma mão inconfundivelmente masculina repousa em meu ombro, fico em pânico, pensando ser James. Olho para o sujeito, e vejo um Eric despreocupado.

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— E aí, está pronta para encarar aqueles pestinhas por mais um dia?

— O que você está fazendo aqui?

Ele leva a mão para longe de mim, um ato que me entristece, sem lógica alguma.

— Nós dois fomos punidos pelo Borges. Encarregados de cuidar dos capetinhas da escola. Deveria ficar grata por ter se esquecido de certo dia...

Levanto do banco, e caminho até a escola recém-aberta. Sem nem mesmo olhar para trás, ou sequer ouvir os seus passos, sei que Eric me segue.

Quando fica óbvio que eu não sei para onde ir, ele toma à dianteira, me dizendo para segui-lo.

Entro em uma sala colorida, com pequenas miniaturas de gente que parecem anjinhos. Como Eric pôde chamá-los de capetinhas?

— Tudo bem, então tudo o que precisamos fazer é cuidar deles?

— Exatamente. — Ele cruza os braços. — Então, Piradinha, como andam os admiradores secretos? Muitos amassos?

— Escuta aqui, seu acéfalo...

— O que foi, amor?

— Vai tomar no...

— Psiu, têm crianças presentes.

Realmente havia crianças que nada tinham a ver com os nossos conflitos pessoais. Elas não mereciam ter que nos ver discutindo de tal forma. Saio de perto de Eric, e fico passando entre as pequenas classes, cuidando para que todos aqueles anjinhos estivessem bem. Eles mal produziam ruídos enquanto desenhavam, brincavam ou conversavam baixinho entre si.

Durante todo o resto da dita detenção, que para mim não se pareceu nada com uma punição, eu e Eric não nos trocamos nenhuma outra palavra. Às vezes me parecia um mistério o que se encontrava em sua cabeça.

Passou como um suspiro, e quando eu já estava na porta, prestes a ir embora e feliz da vida por Eric ter ido antes, evitando qualquer tipo de contato entre nós, uma menininha veio correndo até mim.

Ergueu um desenho em minha direção.

Dois bonequinhos palitos no meio de um coração enorme e vermelho. Sem dúvida era eu e Eric.

Mantive um sorriso falso no rosto enquanto lhe agradecia com um beijo, e me despedia do restante da turma. Saí da sala com o sorriso congelado em meu rosto, e a cada passo, amassava um pouco mais o desenho.

Uma lixeira me cumprimentou alegremente, e eu tive o prazer de retribuir com uma folha de papel agora em um formato de bola.

Nenhum pensamento adentrou minha mente, fosse amistoso ou raivoso. Enquanto voltava para casa, me imaginei como uma árvore, oca de pensamentos e emoções.

POV Calli

Terminei minha parte do trabalho com um suspiro. Repousei a caneta na mesa, e mal notei ela rolar até a borda e desabar rumo ao chão.

Deixaria para John finalizar sua parte e cuidar de Miojo até a entrega final do projeto. A verdade é que ninguém havia sequer começado ainda a digitar algo sobre seus filhos adotivos, pois ainda tínhamos mais tempo para cuidar da nossa “cria”. Não que tivéssemos optado por isso.

Mas eu precisava me livrar dessa coisa o quanto antes. Pensar em John, ou me imaginar tendo uma conversa corriqueira com ele quase acabava comigo.

Coloquei as folhas em uma pasta, escrevendo em cima dela Miojo com letras maiúsculas com a caneta para CD.

Após ter terminado de arrumar minha mochila, joguei-me sobre a cama, enquanto a coitada rangia sob meu peso. Por um tempo, apenas fiquei prestando atenção em minha respiração, como se o ato fosse estupendo, o mais incrível jamais inventado.

Até que algo passou pela minha cabeça. Levantei novamente, e com os pés descalços fui até a mesa, arranjando um papel e uma caneta.

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Escreveria um bilhete para John, e assim, sequer ao menos precisaria trocar um singelo oi com ele.

Talvez algum dia essa ferida em meu peito virá a cicatrizar, caso o destino continue ao meu favor, me ajudando a evitá-lo sempre que possível.

Com uma fita transparente grudei o bilhete sobre a pasta.

Agora eu realmente já havia finalizado tudo o que havia a ser feito. Era uma sexta-feira à tarde, clima ameno e promessas de uma noite formidável.

E foi com esses pensamentos em mente, naquele exato instante, que uma ideia relâmpago surgiu de forma nada sutil.

Naquela noite eu iria a alguma festa, e pouco me importava onde fosse.

Eu iria me embebedar, e então me esqueceria de tudo, e se desse sorte, nem mesmo o meu nome escaparia dessa amnésia momentânea.

Havia alguém que eu poderia ligar, e essa pessoa com certeza me ajudaria nesse meu plano idiota.

Sim, idiota. Tal como eu.

Mas às vezes, algumas idiotices fazem bem à sanidade mental dos malucos.

POV Chris

E se eu não me chamasse Christina?

E se eu fosse morena e baixinha?

E se eu fosse uma assassina procurada pelo FBI?

E se eu não fosse eu?

E se...

Ok, é bem provável que eu esteja sofrendo de uma profunda crise existencial.

O enorme pote de sorvete concordava comigo nesse quesito.

Caramba, o que estava acontecendo comigo? Por que eu tinha tanta vontade de chorar sem nenhum motivo aparente? Eu já estava começando a ficar com raiva de mim mesma.

Jimmy se junta ao meu momento depressivo, me empurrando para o canto do sofá, ficando o maior espaço para ele. Ganancioso.

Quando estendeu seus dedinhos gananciosos para meu precioso pote de sorvete, fiz questão de começar uma mini lutinha com ele, coisa que não fazíamos há anos.

Terminamos ofegantes, sem nenhum vencedor, sujos de sorvete e com uma sentença de morte muito próxima, que chegaria com mamãe, assim que ela visse a enorme mancha no sofá.

Bem nessa hora, escutei sua voz. Ela conversava com alguém na frente de casa. Provavelmente saíra mais cedo de seu consultório por minha causa. Jimmy e eu nos olhamos apavorados.

­ — Rápido! — Gritamos ao mesmo tempo. E com apenas um olhar bolamos um plano, sem fazer uso de palavras. Nesse quesito, digo, algo que nos colocaria em uma fria com nossos pais, não há dupla superior a nós dois. O instinto de sobrevivência faz milagres.

Jogo o pote de sorvete no chão, e quando chega à porta, me lembro de que minha blusa tem uma mancha enorme de sorvete bem na barriga. Ok, isso não era algo que faria mamão surtar. Deixo Jimmy cuidando da mancha, enquanto corro para fora, a fim de distrair nossa mãe por alguns minutos preciosos, dando a Jimmy o tempo necessário para virar a almofada do sofá, deixando a mancha escondida.

Era só torcer para que ela não tivesse visão raio-X.

Quando chego ao quintal, vejo ninguém menos que meu vizinho IMpredileto conversando com mamãe, e a julgar pelas suas expressões, o papo era sério. Desvio do plano original, e crio um B na hora, enquanto me aproximo furtivamente deles, pulando de arbusto em arbusto de forma sigilosa. Todas as mulheres da minha família desenvolveram a habilidade da ninjanisse. Se vocês ouvissem as histórias da minha avó, de quando ela era adolescente e burlava todas as regras que seus pais lhe impunham, ficariam surpresos com as habilidades dela. E seu histórico perturbador.

Chego perto o suficiente para ouvi-los sem ser notada.

— ...muito obrigada, de verdade. Não tinha ideia a quem pedir. Chris me falou da Calli, a coitadinha está inconsolável. Não poderia fazê-la ter alguma outra responsabilidade além de cuidar de si mesma. Já você...

O resto ficou no ar, inclusive eu, que boiava sem água. Ok, isso foi um péssimo pensamento, aliás, eu nem sabia que pensamentos tinham classificação. Enfim, coisas da vida. Tentei aproximar a cabeça mais alguns centímetros, e nessa hora senti uma coisa repugnante caminhar repugnantemente sobre minha mão em contato com a grama. A coisa tinha muitas patinhas repugnatezinhas, e eu queria pisar nela, mas o fato de estar sobre minha mão anulava esse impulso.

Preciso confessar algo. Tenho horror a rugas — ou taturanas, como também são chamadas.

E tudo por causa daquele carinha ali no lado. Contei até três, e percebi que aquela repugnância nojentinha era muito mais rápida que qualquer outra ruga que já tivesse visto, inclusive aquela que Eric jogou em mim, bem na minha cara. Acho que foi uma das piores coisas que ele já havia me feito, pois depois do ocorrido — pasmem — ele pareceu muito arrependido, e seu pedido de desculpas veio acompanhado de uma caixa de bombons.

É claro que tanto seu arrependimento quanto os chocolates não diminuíram nem a vermelhidão na minha testa, e muito menos a dor terrível.

Digamos apenas que ele teve o troco.

Conto até três enquanto me empurro contra o arbusto, atrás de mim. Não surte, não surte, não surte.

Ok, eu surtei. Mas em minha defesa, ter outra coisa nojentinha em mim — no pescoço — fez com que eu realmente perdesse o controle de mim mesma, saltando para fora daquele maldito arbusto e maldito lar de rugas malditas.

Os arbustos me odiavam, não era possível.

Tudo bem, o pior é o que veio a seguir.

Saí gritando e pulando feito uma desesperada — e com motivos, obviamente.

— Tira! Tira! Tira! Tira de mim! TIRAAAAAA!

Mamãe e Eric me olhavam chocados, como se eu tivesse surtado de vez, enquanto eu me debatia, torcendo para que aqueles monstros caíssem de mim sem demais danos. Merda, provavelmente elas devem ter subido na minha blusa e agora estão armando para me matar.

O pensamento não precisou ser repensado uma segunda vez. Tirei a blusa com tudo, e joguei em algum lugar distante. Dei mais alguns pulinhos, só para garantir. Vocês não sabem o quanto dói uma queimadura daquela coisa, sério.

Finalmente posso respirar tranquila, e quando o mundo se estabiliza ao meu redor, vejo que Jimmy se juntou à mamãe e Eric, ambos me olhando apavorados e com os olhos esbugalhados.

Quem dera fossem só eles.

POV Calli

— Mãe, posso ir dormir na casa da Chris hoje?

Ela lavou as mãos na pia, livrando-as do sabão, e me olhou enquanto enxugava-as em seu avental.

Refletiu por alguns instantes, mas não me preocupei, pois já sabia qual seria a sua resposta.

— Pode sim, minha filha. Claro que pode... — Suas palavras morreram, e seus olhos ficaram vidrados. Por alguns segundos permaneceu assim, até que sorriu e voltou a lavar a louça.

Mamãe agia de forma desde o incidente.

Corri para o quarto. Escolhi meu melhor vestido para aquela ocasião. Era preto, tomara que caia, e se moldava perfeitamente ao meu corpo, deixando pouco para a imaginação. Enquanto procurava os sapatos ideias, mandei uma mensagem para o celular de Daniel. Pedi que viesse me buscar.

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Não me preocupei muito com a maquiagem, passando apenas um lápis leve e rímel. Estava pronta, e nem demorei muito para tal. Ouvi o buzinar de um carro, e com isso, saí correndo do quarto, em uma batalha épica com meus sapatos de salto. Gritei um tchau para mamãe. Sua resposta veio a seguir, mas não tentei ouvi-la. Com o coração a mil, abri a porta do carro praticamente me joguei nele.

— Vai, vai, vai!

Daniel ergueu as sobrancelhas, mas deu partida no carro como eu havia pedido.

— Callilda desobediente, nunca imaginei que viveria para ver algo assim.

Mostrei um sorriso para ele, sem me incomodar em discordar.

— Então, para onde vamos?

Seus olhos brilharam no retrovisor.

— Você vai ver.