Voltei a casa (ou pelo menos áquilo que eu chamava casa) destroçada, perdida, triste e com dores. Ao entrar no bar, sabia o que me esperava:

- Esmeralda, sabes que horas são?- perguntou, histérica, a minha patroa/tia.- Estás atrasada! Disse-te para aqui estares às dezanove em ponto.- abanou a cabaça, desapontada.- Vai-te preparar.

Olhei para o relógio situado acima do palco. Pois, eram dezanove e um. Tia, tia, tia…será que nunca vais mudar?

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Dirigi-me ao meu camarim. E adivinhem o que me esperava em cima da cama: uma carta, um buque de margaridas e roupa (ou melhor, pouca roupa). A verdade é que aqui, neste estabelecimento, os nossos clientes, admiradores ou o que quer que lhes queiram chamar (para mim serão sempre infiéis, vigaristas) eram quem nos fornecia as roupas para atuar, consoante, é claro, os seus gostos e escondidos desejos (e maior parte destes desejos era ver mulheres com praticamente nenhuma roupa).

Coloquei a carta para a lareira, o buque foi lançado para fora da janela e vesti, com certa dificuldade, a pouca roupa que o homem me tinha dado. As meias de rede, ao roçarem-me pelo joelho ferido, magoaram-me. Parece que o meu “fornecedor” tinha um certo fascínio pelo vermelho. Para perceberem o quão depravados os homens são, aqui está a lista de utensílios que vou usar hoje- um corpete vermelho e as meias. Sim, mais nada!

Depois de ver, ao espelho, o decote que tentava sair do apertado corpete, sussurrei:

- Aguenta, Esmeralda, aguenta as dores!

Saí do meu camarim e desci as escadas até aos bastidores. As raparigas, já prontas, olharam-me com desprezo.

- O que é que ela tem de especial?- perguntou uma a outra. Reconheci Ambre que olhou-me furiosa, depois de espreitar pelo pano verde que separava os bastidores do restante bar.

Suspirei. Não havia nada que eu fizesse que pudesse curar a estupidez de certas raparigas.

O pano subiu e a música começou. Começámos a dançar descoordenadas e mal-organizadas, mas o nosso aspecto escondia tudo o que fizéssemos mal. A minha perna, com qualquer passo que eu fizesse, pedia-me atenção, desesperadamente. Mordi os lábios, numa tentativa de não gritar de dor.

A música acabou por terminar. Parte do público, nomeadamente do sexo masculino e já idosos (uns idosos muito marotos, se querem a minha opinião) levantou-se e aplaudiram-nos.

Desci o palco e tentei chegar, sã e salva, ao meu quarto. Queria dormir e esquecer, de alguma maneira, as dores.

Uma mão tocou o meu ombro, parando-me.

- O que pensas que estás a fazer, Esmeralda?- perguntou a minha tia.

- Estou a tentar chegar à minha cama.- respondi-lhe.

- Porque?- perguntou ela. Mas será que não era óbvio?

- Estou cansada, tia. E o espectáculo de hoje, pela minha parte, está terminado.

- Não, não está minha querida.- informou-me ela, com um sorriso.

- Não está?- perguntei-lhe. EU QUERO IR PARA A CAMA, POÇAS!

- Não viste quantas palmas vos deram? O público adora-vos. Têm de voltar a actuar.

Aquilo era a última coisa que queria ouvir.

- Tenho a certeza que as raparigas se desenrascarão sem sim. Estou exausta!

- Querida, vem cá…- pediu-me ela. Cheguei-me ao tronco dela e observei para onde o seu indicador apontava. Além de um homem a acenar para a nossa direcção, não encontrei nada de interessante.

- Aquele generoso homem, que te deu essas belíssimas roupas, gostaria de te ver actuar outra vez.- continuou ela.

- Terá de me vir ver noutra ocasião.- informei-a. Voltei as costas e encaminhei-me para o meu quarto. Ela voltou a parar-me.

- Faz-me um favor- gritou-me ela.- só desta vez e volta para o palco.

As pessoas começavam a olhar-nos.

- Desculpa, tia. Mas hoje não pode ser. De modo algum!

Ela explodiu.

- Mas será que nunca farás nada do que eu te digo? Eu mando, não tu! Voltas para o palco e no final vais agradecer ao generoso homem.

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- Tia…- implorei-lhe.

- Peço desculpa por intrometer-me.- diz uma voz masculina.- Outra vez.

Voltámo-nos em direcção à voz. Ali estava ele, numa postura imune e ao mesmo tempo sexy, com uns olhos meigos e desafiadores, e com os cabelos ruivos e despenteados que me deixavam ansiosa por tocar-lhes. Pronto, estou completamente doente!

- Senhor Castiel.- a minha tia disse e fez uma vénia. Eu não me mexi.

- O que posso fazer por si?- perguntou ela.

- Gostava que hoje desse à nossa querida Esmeralda uma merecida folga.- ele disse.

Fitei-o. Ele estava definitivamente a preparar alguma.

- Mas como pode ver…- começou ela.- O bar está cheio e precisamos de entretenimento…

Ele baixou-se até atingir a altura dela.

- Só por esta vez…- sussurrou-lhe ao ouvido. Consegui ver o vermelho a tomar conta das bochechas de Helena.

- Ok.- apenas disse ela.

Ele, sem esperar, tomou o meu cotovelo e levou-me até ao canto mais escuro da sala.

- Au!- gritei, quando ele me soltou.

- O que se passa com a tua perna?- perguntou ele.

- Não sei do que te referes.

- Não costumas dançar muito bem, mas hoje nem te movias.- disse-me ele.

“Obrigada pelo elogio. É bom saber que não sei dançar.”, pensei ironicamente.

- Ela magoou-se hoje na rua.- disse Christian, ao meu lado. Pulei, o miúdo consegue mesmo assustar-me. Anda tão silenciosamente como um fantasma, poças!

- E quem és tu?- perguntou Castiel.

- O meu irmão. Aquele que devia estar escondido no meu quarto.- ralhei-lhe.

- Sabe, senhor Castiel, a minha irmã pensou que colocar-se à frente de uma carruagem de cavalos a tornaria numa heroína.

Castiel fitou-me como se me dissesse “Não sabia que tu tinhas tendências suicidas”.

- Espera lá.- disse Castiel, olhando Christian- Como sabes o meu nome?

- A minha irmã escreveu sobre ti no diário dela.- confessou Christian. “Lindo”, pensei, “A conversa está a tomar cada caminho…”

- A sério?- perguntou Castiel, olhando-me, divertido.- Coisas boas ou más sobre mim?

- Principalmente más.- confessou Christian, envergonhado. “Lindo”, pensei novamente.

Castiel gargalhou e gargalhou sem parar. Depois parou e voltou à expressão séria.

- Diz-me o que lhe aconteceu hoje.- pediu Castiel.

Enquanto Christian contava todos os pormenores do dia de hoje, relatados no meu diário, a Castiel, um homem de idade entre os cinquenta anos, de expressão séria e desconfiada, com rugas debaixo dos olhos, entrou pela porta do bar.

“L-I-N-D-O”, pensei, “O meu dia continua a piorar”.

- Vai-te esconder no meu quarto.- sussurrei a Christian.- Só sais de lá quando eu te disser.

Quando o meu irmão avistou o homem, acenou a cabeça e subiu as escadas.